O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, tem exigido dos EUA a quebra das patentes

Líderes de várias nações em desenvolvimento denunciaram na Assembleia Geral da ONU que o acúmulo das vacinas Covid-19 por países ricos e a escassez delas nos demais mantêm a porta aberta para o surgimento de novas variantes do coronavírus, e para o aumento das infecções em muitos lugares.

O continente africano sofre o pior impacto dessa política de concentrar vacinas em lugares mais abastados, constatou o presidente de Gana, Nana Akufo-Addo, em encontro sobre a pandemia, evento paralelo à 76ª Assembleia, na quarta-feira (22). Cerca de 900 milhões de africanos ainda precisam de vacinas para atingir o limite alcançado em outras partes do mundo.

“É injusto e imoral”, denunciou o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, ao referir-se a esse acúmulo de vacinas nas nações desenvolvidas. Coerente com sua posição, o presidente sul-africano tem insistido – com o apoio da China – na quebra das patentes por parte dos Estados Unidos para possibilitar a universalização da produção e distribuição de vacinas.

O novo presidente do Peru, Pedro Castillo, disse ao encontro que estava propondo um acordo internacional entre chefes de Estado e os proprietários das patentes de vacinas Covid-19 “para garantir o acesso universal” aos imunizantes.

“A batalha contra a pandemia nos mostrou o fracasso da comunidade internacional em cooperar sob o princípio da solidariedade”, assinalou Castillo.

“Adiar a vacinação em países e regiões de baixa renda como a África não pode ser o caminho a seguir. O que está em jogo é simplesmente muito alto. Acabar com a desigualdade das vacinas deve ser visto como um bem público global e uma prioridade de desenvolvimento para todas as pessoas”, disse Achim Steiner, administrador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD.

Somando-se aos alertas, o presidente da Colômbia, Iván Duque, expressou: “Se os atrasos na distribuição igualitária das vacinas continuarem em todos os países, nós, humanidade, estaremos expostos a novas variantes que nos atacam com maior ferocidade. A imunidade global requer solidariedade, então a concentração não pode existir em face das necessidades dos outros “.

Alguns países adquiriram doses suficientes para seis ou sete vezes sua população e anunciaram a terceira dose de reforço, enquanto outros não conseguiram administrar nenhuma injeção, acrescentou Duque.

O novo presidente do Irã, Ebrahim Raisi, informou aos líderes que participaram do encontro que seu país enfrenta outro obstáculo em sua tentativa de vacinar sua população – as sanções dos EUA.

“Sanções, especialmente sanções contra medicamentos na época da pandemia Covid-19, são crimes contra a humanidade”, disse Raisi na terça-feira (21), deixando mais exposta a política desumana dos governos de alguns dos países mais ricos.

Logo no início da 76ª Assembleia-Geral, o chefe das Nações Unidas, Antonio Guterres, já havia apontado que a “maioria do mundo rico” já se imunizou contra o novo coronavírus, enquanto “mais de 90% dos africanos estão ainda esperando a primeira dose”. “Os países de alta renda administraram 61 vezes mais doses per capita do que os países de baixa renda. Apenas 3% dos africanos foram vacinados”, frisou.

Guterres detalhou que até agora mais de 5,7 bilhões de doses de vacinas foram administradas no mundo, mas que 73% delas foram aplicadas em apenas dez países.

“Isso é uma acusação moral contra o estado de nosso mundo, é uma obscenidade. De um lado, vimos vacinas desenvolvidas em tempo recorde, e de outro, vimos esse triunfo anulado pela tragédia da falta de vontade política, pelo egoísmo e pela desconfiança”, disse.

Por outro lado, ele denunciou que a produção de vacinas se tornou um negócio lucrativo para muitos.

“Embora as vacinas tenham sido desenvolvidas com fundos públicos, elas estão emergindo como uma indústria de US $ 100 bilhões, com países de renda média tendo que gastar centenas de milhões para imunizar seu povo em um mercado de vendas. Isso não é apenas decepcionante. É incompreensível”, afirmou.

Mostrando que não se trata de um problema de abastecimento global, Matt Linley, pesquisador-chefe da Airfinity, uma empresa de análise científica que pesquisa o fornecimento global de vacinas, disse que os fabricantes estão produzindo 1,5 bilhão de doses por mês. Até o final do ano, eles terão feito 11 bilhões de doses. “Eles estão produzindo um grande número de doses. Isso cresceu enormemente nos últimos três ou quatro meses. Os países mais ricos do mundo podem estar com 1,2 bilhão de doses de que não precisam — mesmo que comecem a administrar reforços”, revelou.

Num relatório divulgado nesta quarta-feira (22), a Anistia Internacional acusou as empresas farmacêuticas responsáveis pelas principais vacinas de recusarem-se a participar em ações para aumentar a oferta global de vacinas.

O documento concentra-se em seis fabricantes — Pfizer, BioNtech, Moderna, AstraZeneca, Novavax e Johnson & Johnson — que, conforme denuncia a ONG, limitam a produção global de vacinas e obstruem o acesso equitativo.

Um quinto dessas doses — 241 milhões de vacinas — correm o risco de ir para o lixo se não forem doadas muito em breve. É provável que os países mais pobres não sejam capazes de receber essas vacinas, a menos que elas ainda estejam a pelo menos dois meses antes do prazo de validade, assinala.

EUA deveria quebrar patentes

Buscando agradar os governos dos países em desenvolvimento que participaram do encontro sobre a pandemia durante a Assembleia da ONU, Biden anunciou que os EUA estão comprando mais 500 milhões de doses da Pfizer contra a Covid-19 para doar a países de baixa e média baixa renda ao redor o mundo. As recém-anunciadas 500 milhões de doses somam-se a mais 500 mil que os Estados Unidos já se comprometeram a compartilhar com outras nações.

Embora muitos tenham saudado os anúncios de Biden, vários especialistas expressaram frustração com a lentidão e quantidade insuficiente com que isso, deve ocorrer (as doses anunciadas ontem começariam a ser distribuídas em janeiro do próximo ano), criticam que os países ricos mal entregaram 15% das quase um bilhão de doses que prometeram para o esforço global, e também que o presidente dos EUA não fez o necessário para suspender temporariamente suas patentes, permitindo que outros países produzissem vacinas para si e seus vizinhos.

“Quanto mais o mundo continua dividido entre aqueles que têm ou não as vacinas Covid-19, mais a pandemia continuará”, alertou a Dra. María Guevara, secretária internacional dos Médicos Sem Fronteiras (MSF), que exorta os Estados Unidos e outros países ricos a redistribuir imediatamente seus excedentes de vacinas para os países pobres.

O Sindicato Nacional de Enfermeiros, NNU, dos Estados Unidos, lamentou que “a resposta global à Covid-19 continue a falhar para milhões de pessoas em países de baixa e média renda”.

“É dramática a falta de acesso a vacinas, testes, ferramentas de diagnóstico e tratamentos em estados do sul global é inaceitável e perigoso”, disse a presidente do sindicato, Deborah Burger. Ela exigiu que Biden ampliasse a produção e distribuição de doses para outros países e tome medidas urgentes para suspender as patentes.