O papel feminino na Semana de Arte Moderna
Conforme Simioni, no caso das duas outras artistas, o desafio foi entender como conquistaram reconhecimento em vida. “Isso é algo incomum na história da arte, especialmente a moderna, em que geralmente os homens são considerados ‘chefes de escola’”, diz. “O caso de Anita e Tarsila é desafiador. Tivemos a presença de mulheres artistas no centro da cena de renovação modernista reconhecidas já em seu primeiro tempo”, afirma. No livro, a pesquisadora mostra, no entanto, que esse reconhecimento oscilou. “No período varguista, elas foram marginalizadas. Prova disso é que o Museu de Arte Moderna de Nova York nem sequer pensou em adquirir suas obras para a coleção de arte moderna latino-americana que estava constituindo”, relata. “Sustento que Tarsila foi alçada à condição de musa e Anita à de vítima, polaridades arquetípicas de discursos tradicionais sobre a feminilidade, o que se completa com a terceira posição, de Graz, vista como esposa colaboradora”, analisa. Como lacunas de pesquisa, Simioni aponta artistas importantes da primeira metade do século XX ainda pouco estudadas, como Helena Pereira da Silva Ohashi (1895-1966), Edith Behring (1916-1996), Adriana Janacopulus (1897-1978), Regina Veiga (1890-1968) e Lucy Citti Ferreira (1911-2008).
Debruçada sobre aspectos literários, a historiadora Maria de Lourdes Eleutério, da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), elabora há mais de 20 anos estudo sobre escritoras brasileiras. Em etapa mais recente da pesquisa ela procurou compreender o contexto histórico e sociológico do surgimento da Semana de Arte Moderna, que, segundo sua perspectiva, foi “marcado por uma ideia de triunfo da modernidade”, em um meio intelectual caracterizado pela posição conservadora em relação às mulheres. “Por exemplo, Lucília Guimarães Villa-Lobos [1886-1966], esposa do compositor, frequentava o Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, sempre acompanhada por um responsável”, comenta.
Desafiando esse contexto conservador, Eleutério conta que escritoras como Maria Lacerda de Moura (1887-1945) e Maria Cecília Bandeira de Melo (1870-1948) – que usava o pseudônimo de Chrysanthème – escreveram e publicaram uma ampla quantidade de textos sobre temas como o direito de votar, o divórcio e a autonomia feminina, mas foram esquecidas pela historiografia. Os resultados do estudo sobre o papel de escritoras mulheres no contexto histórico da Semana de Arte Moderna está previsto para ser publicado sob a forma de ensaio no primeiro semestre deste ano, como parte de livro editado pela Companhia das Letras.
Livro
SIMIONI, A. P. C. Mulheres modernistas: Estratégias de consagração na arte brasileira. São Paulo: Edusp/Fapesp, 2022.
Por Cristina Queiroz
(PL)