Não é fácil realizar uma política de frente ampla – em geral, mandatória, quando o que está em risco é, como desde que Bolsonaro chegou à Presidência da República, a democracia no país.

Neste sentido, a entrevista do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), à revista Carta Capital, coloca algumas questões de interesse decisivo (e até mesmo vital, ou seja, que diz respeito à sobrevivência) para o povo brasileiro e sua – isto é, nossa – Nação.

Disse o governador sobre a questão das frentes e alianças:

“A gente faz política levando em conta objetivos, metas, princípios e obviamente as contingências da vida. Eu lembro que quando Haddad se elegeu prefeito de SP em 2012, ele teve o apoio do Maluf, eu lembro que quando Lula se elegeu presidente em 2002, ele teve como vice o José Alencar, um empresário indicado pelo PL. Para ir mais atrás, Getúlio Vargas era sustentado por uma aliança onde você tinha os comunistas, os socialistas, os trabalhistas, mas tinha o PSD, e essa aliança foi a aliança do nacional-desenvolvimentismo até o golpe militar que derrubou o querido presidente João Goulart. Então, fazer alianças ao centro não está errado como conceito.”

“Eu sou muito cobrado porque disse certa vez que prefiro o Luciano Huck conversando comigo do que com Bolsonaro.

“Aí disseram assim, o Flávio disse que vai apoiar o Luciano Huck.

“Minha gente, tem que ter rigor analítico. O que eu disse é que, se você vai para uma eleição de dois turnos, o que acontece se o chamado centro se alinha com a extrema direita, é que a gente perde.

“É a eleição de 2018. A gente já sabe o resultado, não precisa nem fazer eleição.

“Se o Tasso Jereissati em Fortaleza [nas últimas eleições] tivesse apoiado o capitão lá, da milícia, o Sarto tinha perdido.

“Tasso Jereissati apoiou o candidato do PDT, e eu não vi ninguém achando isso errado.”

Flávio Dino observa que, apesar de, no momento atual, em sua opinião, as condições ainda não estarem propícias para uma “frente ampla eleitoral” no plano nacional, “o que eu pratico, no caso do meu governo [no Maranhão]: eu fiz frente ampla eleitoral e o meu governo é sustentado por uma frente amplíssima”.

Mesmo no plano nacional, Flávio Dino mostra que é possível desenvolver a política de frente ampla em defesa da democracia:

“Você pode ter objetivos. Por exemplo, agora, evitar que um bolsonarista se eleja presidente da Câmara, é uma meta importante para o país, porque Rodrigo Maia foi importante, com todas as divergências que nós temos em relação à pauta econômica, por exemplo.”

“Então, às vezes, há uma confusão quando você se refere ao conceito (…). É porque quando você fala em frente ampla, [parece que] você está falando para o resto da vida. Não. É objetivo tático, imediato como este da mesa da Câmara. Ou aprovar o Fundeb ou sustentar medidas sanitárias, como nós sustentamos contra o bolsonarismo. É isso.”

Dino, porém, lembra, como exemplificação, alguns resultados na última eleição:

“Veja que ganhamos em Belém, e ganhamos em Fortaleza, e teríamos perdido se não houvesse uma ampla união. Tanto em Belém quanto em Fortaleza. Porque foram margens bem pequenas em ambos os casos. É importante entender isso. Porque a análise política e prospectiva não se faz com mitificações. Você faz a partir de verdades. Então, nós ganhamos, graças a Deus, em Fortaleza e em Belém, mas por margens apertadas – e ganhamos em uniões amplas. Eu acho também que essa é uma lição importante.”

A política de frente ampla, desenvolvida inclusive fora dos períodos eleitorais (como nos exemplos, dados por Dino, das presidências da Câmara e do Senado, do Fundeb e da questão sanitária), tem desaguadouro natural no segundo turno das eleições:

“Óbvio, porque a eleição é em dois turnos. Porque, senão, quando você chega no segundo turno, você bloca do lado de lá.

“Eleição de segundo turno é o seguinte: se você faz frente ampla, você ganha; se a frente ampla se forma contra você, você perde.”

Dino, um homem de critério, apresenta o próprio exemplo da capital do Maranhão, como demonstração de sua última afirmativa:

“Foi o que aconteceu em São Luís.

“O nosso candidato fez 45% e o outro fez 55%.

“Por que ele fez 55%?

“Porque o PDT e o DEM foram apoiar o candidato da oposição, ou seja, criou-se uma frente ampla do lado de lá. Tinha o bolsonarismo, o sarneysismo, o PDT e o DEM. Ganharam, claro. Juntou bolsonarismo, sarneysismo, PDT e DEM, nos derrotaram.

“Então, essa é a lição que você tem que tirar e eu poderia citar aqui vinte eleições em que, se você amplia, você ganha, se você restringe, você perde.

“Essa é uma regra. Veja a eleição dos EUA. Se o Biden não tivesse amplitude, tinha perdido para o Trump. Vejam a luta que foi para ganhar do Trump com um candidato moderado.”

No Brasil, desse ponto de vista, a política de frente ampla no primeiro turno das eleições, se caracteriza menos pelo lançamento de um candidato comum, do que em preparar a união em torno do candidato mais votado da frente – isto é, daquele que passar ao segundo turno.

A amplitude está, exatamente, no respeito, no tratamento civilizado entre os candidatos democráticos no primeiro turno. Na expressão de Dino, “senão, quando você chega no segundo turno, bloca do lado de lá”.

Realmente, a sofreguidão sem peias pela hegemonia, a tentativa de passar ao segundo turno pisando no adversário que está dentro do próprio campo democrático, o recurso a ataques pessoais sem nenhuma importância política, representam a morte eleitoral no segundo turno, mesmo quando houve ocasional sucesso, por esses meios, em chegar a essa fase da eleição.

A questão é óbvia: quem, depois de injustamente atacado, irá compor a frente para apoiar o agressor no segundo turno?

A CONDENSAÇÃO DA FRENTE

O governador Flávio Dino, entretanto, não considera – e com boas razões – que o representante da unidade, o candidato que condensa a frente ampla em defesa da democracia, teria que ser, necessariamente, um candidato pertencente a um partido do centro ou da direita democrática.

O próprio Flávio Dino foi, como candidato, e é, como governador do Maranhão, o ponto de coesão de uma frente ampla.

Portanto, Dino considera que tudo depende do peso político de cada força na luta contra o bolsonarismo.

“Estamos na chamada defensiva estratégica, ou seja, tentando recuperar terreno perdido”, considera o governador. Ele nota que, quanto às forças de esquerda, “desde 2013, há sete anos, temos colhido mais reveses do que vitórias”.

Porém, mesmo em relação especificamente às forças de esquerda, o governador do Maranhão as concebe, no momento atual, dentro do terreno da frente ampla em defesa da democracia:

“Um dos nossos problemas é, por exemplo, não dialogar com as igrejas, com o empresariado, é nesse sentido que eu falo de amplitude. O que implica concessões programáticas, que, às vezes, tem gente que não quer fazer, mas tem que fazer.

“Porque, se não for assim, deixa o Bolsonaro mais quatro anos e ele acaba com o Brasil de vez”.

A CATÁSTROFE BOLSONARO

Em outras palavras: não ampliar, não ter uma política de frente ampla, equivale – ou resultaria – em conceder o poder a Bolsonaro por mais quatro anos, unicamente por deficiência ou problema de unidade no campo democrático.

Pois Dino não acha que Bolsonaro é algum espetáculo de popularidade – e o fato é que não é mesmo, nem pode ser. Como diz o governador:

“Eu acho que o Bolsonaro está em viés de baixa. Vai chegar em 2022 enfraquecido, porque não tem governo. Desde o dia em que este senhor recebeu a faixa, o Brasil está sem governo. Um desgoverno total. Ninguém sabe quem manda, quem obedece, não tem diretriz, não tem ministro, não tem nada.

“Teve o auxílio emergencial porque nós inventamos no Congresso, porque era necessário inventar, criar alguma coisa para o povo não morrer de fome.

“O resto não tem nada, nenhum programa, nada. Uma gestão econômica desastrada. Câmbio desacertado, inflação de alimentos. Desemprego. E o Brasil sem orçamento, porque eles não conseguem se desenrolar para votar um orçamento, porque não sabem se cumprem, ou não cumprem, o teto de gastos. Aí, vão fazer orçamento de guerra de novo.

“Enfim, um tumulto. Então, eu acredito que realmente o bolsonarismo deve entrar em decadência e é por isso que eu acho que devemos observar.”

LULA E O PT

Para Flávio Dino, referindo-se especificamente à constituição de uma frente ampla contra Bolsonaro, “é claro que você não pode achar que vai construir uma aliança vitoriosa em 2022 sem o PT. Isso é um erro gigantesco. Ou contra o PT, que é pior ainda”.

Naturalmente, esta era a posição dos líderes da frente contra a ditadura – Tancredo Neves e Ulysses Guimarães, notadamente – desde antes da campanha das diretas-já até a derrota do regime autoritário em seu próprio “colégio eleitoral”, e, inclusive, após a morte de Tancredo, na Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988.

A questão recíproca, portanto, é: o PT quer ou aceita entrar na frente ampla contra Bolsonaro?

Não estamos, aqui, falando do PT em sua totalidade, mas de sua parte principal – isto é, aquela que é representada por Lula.

No caso da luta contra a ditadura, a participação do PT foi até a campanha das diretas-já.

Flávio Dino, assim como Tancredo e Ulysses no passado, acha que vale a pena deixar a porta aberta para o PT – e, realmente, nenhuma frente seria “ampla”, se a porta não estivesse aberta para toda e qualquer força, toda e qualquer pessoa, que quiser participar dela.

“Muito se fala”, diz o governador Flávio Dino, “da vitória da Argentina; a Cristina Kirchner, claro, abriu mão, mas estava na chapa como candidata a vice.

“Não estou dizendo que o Lula tem que ser candidato a vice, não é isso. Eu só estou dizendo que ela [Cristina] não foi jogada fora. Porque não se joga fora uma liderança que tem 20 ou 30% da sociedade, que seja.

“Então, eu acho que precisa ter mais modéstia, e, portanto, ter um diálogo mais assentado numa análise que leve em conta o papel do PT que não é hegemonismo (grifo nosso).

“Eu sou a pessoa que teria mais autoridade para criticar o PT, porque na minha luta no Maranhão contra o grupo Sarney, eu não tive o apoio do PT.

“Três eleições de governador, o PT me apoiou na última, agora em 2018. Em 2010, que eu perdi, e 2014, que eu venci, foi contra o PT.

“Então, eu não sou petista, eu não estou defendendo a hegemonia do PT, mas estou dizendo o óbvio, você não pode querer fazer esse discurso de aniquilação de um partido dessa importância, um partido nacional e que tem nas suas fileiras o ex-presidente Lula”.

Flávio Dino acha possível a união de todo o espectro de forças políticas democráticas:

“Eu vejo análises da esquerda que dizem assim: ‘perder em 2022 não tem problema’.

“Não tem problema para quem?

“Para o Brasil é um enorme problema.

“Então, isso está errado.

“Às vezes há outra premissa, dizendo é impossível unir, porque Lula e Ciro vão brigar para o resto da vida.

“Tudo bem, lutemos, é o nosso papel, o nosso dever. Quantas coisas impossíveis ou aparentemente impossíveis já foram feitas? Lula e Brizola, em 1989, passaram o primeiro turno brigando, para ver quem ia para o segundo turno. Lula ganhou por meio por cento. Foi para o segundo turno contra o Collor. Todo mundo dizia que era impossível. No dia seguinte o Brizola estava apoiando o Lula. O Mário Covas estava apoiando o Lula.

“Então, você já teve isso em diversos momentos da vida brasileira. Acredito muito que isso deve ser buscado. Temos que lutar à exaustão, porque este é um elemento estratégico para o nosso campo progressista, da esquerda, nacional popular, o nome que queiram dar. Ter força e ter capacidade de atrair setores sociais. Às vezes a gente pensa só em partido. Não, eu estou falando de pessoas, gente, movimento social, igrejas, o empresariado.

“Então eu acho que a gente tem que ter prudência, cautela. Eu estou dedicado a esse esforço patriótico e espero que isso produza resultados, como produziu agora.”

CIRO E O PDT

Sobre Ciro Gomes, o governador Flávio Dino lembra que “registrei publicamente e agora reitero: tenho muito apreço pessoal, amizade e muito respeito pelo ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes.

“Não tenho nenhuma desavença profunda e nem tenho interesse em acirrar divergências porque, realmente, tenho por ele esses bons sentimentos – e sei que são recíprocos.

“Apenas acho que o Ciro tenta ocupar um espaço de um modo sempre muito beligerante. Então, eu acho que isso não é muito adequado.

“Nem me refiro a mim porque eu nem fiquei ofendido com isto, embora ache que cada um tem o seu paradigma para dizer se alguém está ou não está consentâneo com a realidade. Eu realmente não me ofendi, apenas disse que não ia responder. Apenas para registrar que era uma agressividade desnecessária.

“Neste aspecto, eu tenho uma diferença profunda, inegociável com o meu querido amigo Ciro Gomes. Eu acho que não é nosso papel ficar apenas exaltando os defeitos de parceiros de caminhada. É preciso, claro, falar de defeitos, fazer a crítica, mas ao mesmo tempo reconhecer os méritos porque aí você cria um ambiente melhor.

“Por isso eu espero que haja uma revisão de procedimento, porque o PDT é um partido de altíssima importância.

“E, veja, eu pratico isso: o PDT, no segundo turno em São Luís, foi apoiar o candidato adversário do nosso governo. Ainda assim, eu mantenho o PDT no governo.

“Essa é a prova. Não é porque eu acho que o PDT cometeu um erro político que eu vou pegar esse erro político e transformar numa confusão. É um erro político grave, nós estamos discutindo isso, mas, eu continuo a respeitar o PDT.

“Acho que este é o certo”.

TALENTO E CONSTRUÇÃO

Nessa entrevista, o governador não se referiu a duas questões que, certamente, ele não deixou de observar no recente processo político:

1ª) O grau de transferência (de popularidade, portanto, de voto) que Lula teve a capacidade de realizar, depois de todo o desgaste dos últimos anos, foi bem reduzido, algo que apareceu, com nitidez, na eleição de São Luís.

2ª) A queda da popularidade foi diretamente proporcional ao aumento do grau de agressividade. A candidatura que Lula apoiou, na tentativa de explodir a Frente Popular do Recife – que tem à frente o PSB –, se notabilizou por uma campanha baixa, insultuosa, sórdida em certos momentos, sem limites nas chamadas “redes sociais”, e até no programa eleitoral da TV.

Porém, o governador Flávio Dino sabe que a frente ampla contra o obscurantismo fascista, que desgoverna o nosso país, se constrói com clareza política – inclusive, com a sabedoria de escolher a hora de falar, mas também a hora de calar. Os interesses do povo – a democracia, a Nação – estão em primeiro lugar. Suscetibilidades irritáveis ou facilmente estimuladas a exibir um suposto “protagonismo” individual, estão fora de lugar na constituição da frente ampla.

É verdade que clareza política não é o suficiente. De que adianta vislumbrar um novo Brasil, uma era dourada para os brasileiros, se a ação de falar, de fazer – e, inclusive, de calar em certos momentos – não estiver a serviço de unir aqueles que podem ser unidos? Todo esse futuro radioso, torna-se, então, fantasia, pretexto para projetos meramente pessoais, ao invés de ser um empreendimento de todos, erguido, como diz o governador Dino, com os pés no chão, pois é assim que o Brasil pode – e precisa ser – reerguido.

Para isso, é preciso desprendimento, espírito de sacrifício, humildade – e, claro, sobretudo, talento.

De modo geral, como vimos na época da luta contra a ditadura, vale o dito, ainda que impreciso, daquele místico popular de outra terra: “não vai faltar lugar para quem não quiser lugar que não é seu”.

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Por Carlos Lopes