O boom das commodities e seu efeito ilusório
Mesmo com a vacinação lenta e o risco de uma terceira onda de contaminação pelo coronavírus no Brasil, quem acompanha as expectativas do mercado viu uma melhora nas projeções para o Produto Interno Bruto (PIB). O otimismo em relação ao crescimento se explica por um novo boom das commodities, produtos básicos que estão valorizados no mercado internacional.
O fenômeno vem sendo apresentado em um tom positivo pela imprensa, mas o economista Marco Rocha, da Unicamp, alerta que, além de ser um movimento temporário, a alta das commodities isoladamente não tem tração para se reverter em empregos e prosperidade.
O economista explica que o processo de valorização dos produtos começou no final de 2020 e vem se intensificando desde então. “Essa retomada [da valorização] já superou a fase anterior à pandemia e está se aproximando de um patamar superior ao de 2014, mas inferior ao do período pré-2008”, destaca.
As commodities tiveram um período áureo antes da crise financeira global de 2008. Depois, houve uma queda acentuada e uma recuperação até 2014. Segundo Marco Rocha, o atual ciclo de alta será relativamente longo – invadindo o ano eleitoral de 2022 – mas os preços não chegarão a patamares tão altos quanto os do período pré-crise de 2008. “O movimento de aumento de preços já está perdendo o ritmo”, justifica.
As commodities estão valorizadas principalmente devido à retomada do crescimento da China e à injeção de recursos relacionada à crise sanitária, com União Europeia e Estados Unidos lançando pacotes de estímulo. No Brasil, há uma expectativa de que a alta de preços se reflita nos índices de inflação. No entanto, o impacto deve ser amenizado pela valorização de nosso câmbio, uma vez que o dólar já começa a recuar.
Além disso, destaca Marco Rocha, efeitos positivos do fenômeno devem ser sentidos em alguns setores da economia e regiões do país. “É óbvio que as commodities são importantes principalmente regionalmente. Setorialmente, o agro acaba puxando alguns elos das cadeias produtivas”, comenta.
Para o economista, além de elevar o otimismo de setores do empresariado e do mercado financeiro, o movimento pode gerar uma percepção de recuperação econômica principalmente entre a classe média, que costuma se balizar pelas subidas e descidas do dólar.
Contudo, Rocha afirma que sem a adoção de políticas é impossível vencer a crise trazida pela pandemia e tornar duradouro o respiro proporcionado pelas commodities. Ele lembra que o período de valorização pré-2008 coincidiu com o primeiro governo do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e muitos atribuem a isso a popularidade do então mandatário. Lula, no entanto, não deixou tudo por conta das commodities.
“Houve política de valorização do salário mínimo, distribuição de renda, aumento do investimento público. Esse conjunto de medidas associados às commodities é que produz crescimento. O ciclo tem que ser aproveitado por meio de políticas domésticas”, avalia. Ele destaca que, como o atual momento é de crise profunda, a necessidade de planejamento e estímulo à economia é ainda maior.
Outro aspecto fundamental é que o boom das commodities está longe de ser motivo de comemoração em um país sem competitividade industrial e, portanto, com alta dependência das idas e vindas da cotação desses produtos básicos no exterior.
“O processo de ‘reprimarização’ vem desde a década de 1990. A gente sempre teve a presença das commodities como elemento importante da nossa pauta de exportações. A questão é que a produção de manufaturados era mais elevada, o que permitia que esses impulsos externos transbordassem para a indústria brasileira potencializando um ciclo de investimentos. Agora, a potencialidade de um impulso do setor externo irradiar para o restante da economia brasileira ficou fragilizada devido a um processo longo de desindustrialização”, conclui Marco Rocha.