Fascista que perpetrou o pior crime de ódio da história da Nova Zelândia, Brenton Tarrant, no tribunal | Foto: John Kirk-Anderson (AFP)

O neofascista que assassinou 51 fiéis muçulmanos e feriu 40 em duas mesquitas em março do ano passado em Christchurch, Nova Zelândia, a tiros de AR15, no pior crime de ódio já ocorrido no país, foi condenado à prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional, decidiu um tribunal nesta quinta-feira (27). O julgamento do australiano Brenton Tarrant, 29, durou três dias.

A sentença foi comemorada por dezenas de sobreviventes e de familiares das vítimas nas galerias do tribunal e nas imediações. “Hoje, os procedimentos legais contra este crime hediondo foram feitos. Nenhuma punição devolverá nossos entes queridos”, disse Gamal Fouda, o imã da mesquita Al Noor. Há um ano, vigílias no mundo inteiro manifestaram solidariedade às famílias das vítimas e repudiaram o massacre.

Ao cometê-lo, o extremista posicionou uma câmera em seu capacete e transmitiu tudo ao vivo através da Internet. Os mortos e feridos eram imigrantes paquistaneses, afegãos, palestinos e outros. Os ataques foram feitos numa sexta-feira, dia de oração dos muçulmanos, e com as mesquitas lotadas de fiéis.

Anteriormente, Tarrant postara online um ‘manifesto’ de ódio de 74 páginas, exaltando o racismo e declarando sua identidade com perpetradores de outros massacres – além de expressar sua admiração por Trump, que considerou “um símbolo da renovada identidade branca” e de “objetivo comum” ao dele e dos com quem se espelhava.

É a primeira vez que uma sentença de prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional é imposta na Nova Zelândia.

Três anos antes, a mesma mesquita Al-Noor, onde se deu a maior parte da chacina, havia sido cercada por neonazistas fazendo saudação a Hitler e que traziam caixas com cabeças de porco, aos gritos de “tragam o abate”.

Desde 2012, Tarrant vinha perambulando pelos círculos extremistas nas redes sociais e visitou vários países, até se decidir pela Nova Zelândia, para “mostrar aos muçulmanos que eles não estavam seguros em lugar nenhum”.

Ao longo desses anos, a intolerância com os muçulmanos havia sido promovida ativamente em muitos países ocidentais e não só entre os grupos neofascistas. O que se tornou ainda mais visível com a crise dos refugiados sírios na Europa em 2015, e com a chegada ao poder de Trump nos EUA no início de 2017.

O clube de tiro aonde Tarrant se exercitou para o morticínio na Nova Zelândia, o Bruce Rifle Club, foi descrito, por sua cultura tóxica por uma testemunha ao portal Newshub como o “terreno fértil perfeito”. Integrantes deliravam sobre o envio de militares às ruas para conter os ‘ataques terroristas muçulmanos’ ou sobre ‘invasões de muçulmanos’.

O ex-soldado Pete Breidahl relatou, ainda, ter visto membros do clube de tiro exibindo a bandeira confederada norte-americana. Outra pessoa lhe contou ter visto em uma casa que visitara “uniformes das SS”. Ao narrar isso à polícia na época, foi aconselhado a “não se preocupar com eles [o pessoal do clube de tiro], está tudo bem”.

Na mesquita de Al Noor, Tarrant matou 44 pessoas e depois investiu contra outra mesquita, no subúrbio vizinho de Linwood, executando mais sete pessoas.

O horrendo crime causou enorme perplexidade e indignação na Nova Zelândia e no mundo inteiro, e trouxe à tona a discussão sobre o ressurgimento do neonazismo. “Você não demonstrou arrependimento, vergonha ou empatia pelas vítimas”, disse o juiz Cameron Mander, dirigindo-se ao extremista.

“Seus crimes… são tão perversos que, mesmo que você fique detido até morrer, isso não esgotará as exigências de punição e denúncia”, disse o juiz ao comunicar a sentença. “Você massacrou pessoas desarmadas e indefesas”, movido “por um ódio básico por pessoas que você percebe como diferentes de você”.

O juiz ressaltou que os ataques foram cuidadosamente planejados por um longo tempo. Como ficou demonstrado, o assassino havia acumulado um arsenal de armas semiautomáticas e estudado as plantas das mesquitas que pretendia atacar.

“O único objetivo dessa preparação era matar o máximo de pessoas em cada mesquita da maneira mais eficiente e sistemática possível”, acrescentou o juiz, que se dedicou a ler relatos comoventes sobre as vítimas, feitos por familiares.

“A perda deles é insuportável”, disse Mander, sobre uma família. Na galeria pública, manifestações de choro à medida que o juiz mencionou o nome dos assassinados.

“Nenhum pai pode se recuperar do assassinato de uma criança tão pequena”, disse Mander sobre Muccaad Ibrahim, um menino de apenas três anos de idade que foi deliberadamente executado à queima-roupa pelo atirador.

Nos depoimentos perante o tribunal, o irmão de uma das vítimas, Zhuhair Darwish, disse ao neofascista: “você age como um covarde e é um covarde. Você vive como um rato e merece isso. Você vai morrer sozinho, como um vírus que todo mundo evita”.

Em março deste ano, Tarrant se confessou abruptamente culpado, depois de alegar inocência desde sua captura. Em julho, demitiu seus advogados e passou ele próprio a se representar nas audiências.

O temor de que ele fosse usar o julgamento como um palanque para fazer apologia do ódio não se confirmou, e ele declinou de falar ao final. Também comunicou que aceitava a sentença sem contestação.

Muitos dos que foram atingidos, afirmou o promotor principal do caso, Mark Zarifeh, “estavam de joelhos em oração, de costas para o agressor, claramente vulneráveis à violência”. “Nenhuma pena de prisão é suficiente para o atirador – concluiu – “dada a gravidade do crime e a devastadora perda de vidas e ferimentos”.