No início do mês de junho, o Partido Comunista Português (PCP) realizou um seminário interno denominado “Teletrabalho: ilusões, fragilização dos trabalhadores; garantia de direitos”. Participaram da atividade dirigentes partidários, sindicais, parlamentares, acadêmicos e trabalhadores de diferentes áreas.

Por Nivaldo Santana*

O seminário tratou de uma questão que também ocorre no Brasil – a explosão do teletrabalho durante a pandemia da Covid-19. No Brasil, cerca de nove milhões de trabalhadores foram transferidos dos seus locais de trabalho para exercer suas atividades em casa. Segundo estudos do IPEA, avalia-se que cerca de um terço desses trabalhadores poderá continuar no teletrabalho.

Consultores de recursos humanos consideram que a tendência é a continuidade do teletrabalho no Brasil, principalmente em funções de nível médio. Essa modalidade de trabalho interessa às empresas, já que houve aumento de produtividade e redução de custos. Dois fatos que soam como música aos ouvidos empresariais. Por isso, a importância de compartilhar as reflexões dos comunistas portugueses.

No citado seminário realizado pelo PCP, depois das intervenções dos diversos oradores, chegou-se a uma sistematização inicial das linhas de abordagem dos comunistas portugueses em relação ao tema. As opiniões predominantes consideram que as grandes desvantagens do teletrabalho superam em muito as poucas vantagens.

Os aspectos considerados positivos do teletrabalho seriam, entre outros, a poupança do tempo com transporte, maior distanciamento do assédio no ambiente do trabalho e com chefias e possibilidade de melhor articulação da vida pessoal e profissional.

Os principais problemas decorrem, em primeiro lugar, da apropriação exclusiva pelo capital dos avanços tecnológicos. Ao lado de outras modalidades precárias de trabalho, o teletrabalho aumenta a exploração, intensifica o ritmo e tende a ampliar a jornada de trabalho. O trabalhador perde a noção dos níveis médios de produção e produtividade e é impelido a trabalhar cada vez mais, potencializando, inclusive, problemas com a ergonomia no trabalho.

Pelo lado patronal, há uma clara redução de custos com equipamentos, material de trabalho, consumo de energia etc. Adicionalmente, prevalece a tendência pela eliminação dos subsídios à alimentação, não pagamento de despesas de transporte e de horas extras e desobrigação com acidentes do trabalho e doenças profissionais. Em uma expressão: maior precarização do trabalho.

Em paralelo, há uma grande diminuição da privacidade e intimidade familiar do trabalhador. Podem ficar borradas as fronteiras entre a vida familiar e profissional. Além disso, novos mecanismos de fiscalização e controle remotos do trabalho, com uso de câmaras nos locais de residência onde se trabalha e aprofundamento do crescente fenômeno de individualização das relações do trabalho.

O isolamento trabalhador no teletrabalho, por outro lado, dificulta a organização e a luta das categorias ao reduzir a interação com os sindicatos, prejudicar a sociabilidade entre os trabalhadores e o compartilhamento de experiências de vida e trabalho, fundamentos importantes para a construção da identidade e da consciência de classe.

Para enfrentar essa realidade, o seminário apresenta algumas indicações. Destacam-se a necessidade de se lutar pela regulação legal do teletrabalho, assegurar pleno direito à contratação coletiva, aos direitos trabalhistas, previdenciários e sindicais. O teletrabalho precisa também garantir a privacidade do trabalhador, definir claramente a jornada de trabalho, separar o tempo de trabalho do tempo de não-trabalho.

São ideias germinais de fenômenos novos, importantes para subsidiar um debate tão atual quanto necessário também no Brasil. O chamado novo normal pós-pandemia não pode significar a consolidação e ampliação do trabalho precário.

 

*Secretário  Nacional Sindical do PCdoB e secretário de Relações Internacionais da CTB.