Quando os mantimentos só durariam mais quatro dias e após duas semanas à deriva, o navio humanitário Ocean Viking, fretado pelas ONGs SOS Mediterrâneo e Médicos Sem Fronteiras, afinal recebeu autorização do governo de Malta para desembarque dos resgatados das águas do Mediterrâneo. Como a SOS Mediterrâneo postou, “depois de 14 dias de sofrimento desnecessário todas as 356 pessoas a bordo #OceanViking” finalmente desembarcaram em Malta.

O desembarque começou por volta de 23 horas (horário local) de sexta-feira e prosseguiu pela madrugada, com os migrantes sendo transbordados em grupos de 15 para um barco militar maltês e levados para La Valeta, onde foram submetidos a exames médicos e alojados.

A SOS Mediterrâneo instou os governos europeus a criarem “um mecanismo de desembarque previsível” agora, após saudar que alguns países da União Europeia finalmente estejam dando um passo adiante “com uma resposta humana a este desastre humanitário no Mediterrâneo”.

Dois terços dos 356 imigrantes a bordo do navio humanitário de bandeira norueguesa são sudaneses, havendo também gente da Costa do Marfim, do Senegal e de Mali. Cerca de uma centena são menores e há ainda quatro mulheres e cinco crianças pequenas.

Os migrantes foram recolhidos pelo Ocean Viking de uma embarcação precária em que estavam há quatro dias à deriva ao largo da Líbia. Muitos estavam desidratados. Eles relataram sua passagem pela Líbia, onde padeceram abusos, maus-tratos, detenção arbitrária e até tortura.

A bordo, os Médicos sem Fronteiras vinham garantindo uma refeição quente por dia e distribuindo açúcar e barras energéticas. O consumo de água estava racionado e os banhos limitados a duas duchas de 3 minutos por semana. Durante o dia, o navio desligava os motores e ficava à deriva, para poupar combustível.

Na terça-feira passada, a Justiça italiana acabara com o suplício dos resgatados a bordo do barco humanitário espanhol Open Arms, depois de uma agonia de 19 dias sem direito a porto seguro, ordenando o desembarque e passando por cima da proibição do ministro Matteo Salvini. A volta dos navios humanitários ao Mediterrâneo, que estavam praticamente bloqueados em prestar socorro, tornou-se inadiável depois que, no final de julho, dezenas de pessoas morreram afogadas diante das costas da Líbia.

O governo de Malta tem sido cúmplice da política xenófoba da vizinha Itália, sob Salvini, de fazer dos imigrantes bodes expiatórios das prolongadas políticas em vigor na Europa de arrocho e corte de direitos para salvar bancos e especuladores.

Mas teve de recuar de sua recusa, após seis países europeus – basicamente os mesmos que aceitaram, embora tardiamente, acolher os náufragos do Open Arms – manifestarem sua disposição em receber os resgatados do Ocean Viking: França, Alemanha, Portugal, Romênia, Luxemburgo e Irlanda, esta no lugar da Espanha.

O primeiro-ministro da pequena ilha mediterrânea, Joseph Muscat, se apressou em tuitar que “nenhum [imigrante] vai ficar em Malta” e que serão transferidos para os países de acolhimento, conforme negociação com a Comissão Europeia.

O que vem empurrando tantos africanos debaixo da maior miséria às águas do Mediterrâneo são as guerras insufladas pelos países centrais, o neoliberalismo imposto pelo FMI e pelos bancos, a herança maldita dos séculos de escravidão e colonialismo. E sem a guerra da Otan contra o governo progressista de Muamar Kadafi, que devastou o país e o entregou às gangues, o país não teria virado cabeça de praia para a fuga para a Europa.

Como disseram manifestantes contra a xenofobia em um ato do outro lado do Atlântico, em resposta ao regime Trump, mas que vale para Salvini, Boris Johnson, Macron, Merkel e toda a tralha: “se não quer que venham, pare de criá-los”.