Á esquerda Bolsonaro com Jesus na camisa, atirando, e, à direita, o miliciano Luiz Antônio Nabhan Garcia (segundo encapuzado de chapéu claro), secretário de Assuntos Fundiários (fotomontagem HP com foto da milícia de Beto Barata / Estadão e a do Bolsonaro atirando, reprodução de TV)

O governo Jair Bolsonaro vai rever o pouco que foi feito de reforma agrária no Brasil nos últimos anos e devolver terras aos latifundiários.
Luiz Antônio Nabhan Garcia, o miliciano da UDR que ocupa a Secretaria de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, disse que vai “fazer acordos” com os fazendeiros. “Vai ter reintegração de posse. Mas o objetivo é que a família seja acomodada em outro lote, desde que cumpra requisitos previstos em lei”, diz o grileiro.
O representante dos grileiros disse, em entrevista no domingo (04) ao jornal Estado de S. Paulo, que, com isso será possível “destravar” investimentos no campo”. “São casos em que os proprietários defendem que o espaço é produtivo e não deveria ser desapropriado ou argumentam que receberam pouco pelos terrenos”, prossegue Nabhan. “O objetivo é iniciar a investida ainda neste semestre”, acrescentou o miliciano.
A Reforma Agrária tem sido protelada no Brasil desde a derrubada do governo João Goulart em 1964. Até agora, o que houve foi uma mera política de assentamentos rurais, sem um projeto mais amplo de Reforma Agrária. E, mesmo assim, Bolsonaro quer desfazer o que foi feito.
A média anual de assentamentos do governo FHC foi de apenas 67 mil; no governo Lula, melhorou um pouco para 76 mil; no governo Dilma (primeiro mandato), despencou para 27 mil. Nesse ritmo levaria 64 anos para assentar as 4 milhões de famílias de trabalhadores rurais sem terra existentes atualmente (posseiros, parceiros, arrendatários, assalariados rurais temporários e mini fundistas com até 5 há).
Com Temer a coisa ficou parada e, agora, com Bolsonaro, passou a andar para trás. A Constituição permite à União desapropriar imóveis rurais e declarar, por meio de decreto, o interesse social da terra para efeito de reforma agrária.
Neste processo, o Incra ajuíza ação de desapropriação, após depositar em juízo uma indenização calculada pelo órgão. Os laudos de vistoria e a indenização podem ser contestados administrativamente ou judicialmente pelo proprietário. Das cerca de 975 mil famílias que estão assentadas hoje no País, só uma parcela pequena recebeu o documento que dá direito à propriedade definitiva da terra, segundo o Ministério da Agricultura.
No Nordeste, por exemplo, só 5% das famílias assentadas têm o título final. O documento dá às famílias acesso a linhas de créditos para a agricultura familiar.
As famílias que pleiteiam terras começam, em geral, como acampados (para o governo são invasores). Depois, se cumprirem requisitos, são assentadas enquanto aguardam a propriedade definitiva da área. Os assentamentos do Incra ocupam 88 milhões de hectares de terra.
O governo afirma que 25% dessa área está sendo ocupada por famílias que descumprem os requisitos necessários, como produzir regularmente.
O Secretário de Assuntos Fundiários de Bolsonaro, chefe de uma milícia rural, se gaba de ter reduzido o número de invasões de terras no país. Ele disse que houve queda de ocupações devido à postura mais dura contra invasões. “De janeiro para cá, as invasões acabaram”, afirma.
A Coordenadora nacional do MST, Kelli Mafort, diz que espera um esclarecimento “técnico” da proposta. “A meu ver, não resolve o problema, mas aumenta o conflito, porque desconsidera os possíveis beneficiados, que são as famílias”, afirma.
Segundo ela, na maioria das vezes, em terras desapropriadas onde não há ninguém acampado existe explicação: as pessoas foram despejadas por ordem judicial e migraram para margens das estradas.
Ela observa que, pela legislação, áreas classificadas como improdutivas no período em que ocorreu a desapropriação não podem estar na mesa de negociação. “Essa medida (mutirão) pode esbarrar na lei vigente”, afirma. “Se não estiver cumprindo a função social, a terra tem de ser arrecadada para a reforma agrária”.
Kelli afirma que o número de acampamentos improvisados após a eleição de 2018 caiu, mas que, nos últimos meses, o MST identificou uma retomada devido ao desemprego à crise econômica.
“Tem família chegando aos acampamentos depois que passou a fase do medo, do discurso raivoso do Bolsonaro”, avalia. “São pessoas que não conseguem pagar o aluguel, colocar comida na mesa”.