O procurador-geral do Ministério Público do Trabalho, Ronaldo Fleury, rebateu, na terça-feira, 30, as afirmações de Bolsonaro sobre a definição na legislação de “trabalho análogo à escravidão”.
“A definição que tem no nosso Código Penal já é uma definição suficientemente clara, não há necessidade de maiores esclarecimentos”, disse Fleury em entrevista à BBC News.
As declarações foram feitas após Bolsonaro dizer que são muito duras as punições previstas na legislação para donos de propriedades rurais que mantenham trabalhadores em situações análogas à escravidão, entre elas a emenda constitucional número 81, de 2014, que pune com a expropriação das propriedades rurais.
“A linha divisória do trabalho análogo ao escravo é muito tênue […]. O trabalhador, o empregador, tem que ter essa garantia. Não quer maldade para o seu funcionário nem quer escravizá-lo. Isso não existe”, disse Bolsonaro.
Rebatendo o presidente, Fleury afirmou que “o que existe na legislação brasileira é o trabalho análogo ao de escravo, que são aquelas formas previstas no Código Penal. O trabalho escravo mesmo foi abolido com a Lei Áurea.”, disse Fleury.
O chefe do Ministério Público do Trabalho afirmou também que o órgão e os auditores fiscais de trabalho encontram situações que “em nada se assemelham aos exemplos dados pelo presidente”. Bolsonaro chegou a dizer que os proprietários são punidos por oferecer “colchão abaixo de oito centímetros” e quarto com “ventilação inadequada” como critérios para definir as condições análogas às de escravidão.
“Questão de colchão fino, não. O que encontramos e que se caracteriza como trabalho análogo ao de escravo são trabalhadores tendo que dormir em curral, ou no chiqueiro. São trabalhadores sem acesso à água potável, que não têm local para fazer suas necessidades e têm que fazer na beira do rio, têm que tomar banho no rio, porque não têm sequer água para tomar banho”, disse Fleury. “As condições não são, com certeza, as que foram informadas ao presidente”, afirmou.
“Não conheço nenhum bom empresário – que cuidasse do meio ambiente de trabalho, cuidasse para que seus trabalhadores não fossem submetidos a jornadas extenuantes, que não descontasse dos valores dos seus empregados até material de trabalho, como motosserra e enxada – que tenha sido condenado. Ao contrário. Nesses casos, não há sequer a autuação da fiscalização do trabalho”, rebateu.
“Eu vejo, ao contrário do dito pelo presidente, bastante seriedade, bastante técnica na aplicação da legislação nos processos que dizem respeito ao trabalho análogo ao de escravo.”
“Somente são enquadradas como condições análogas à de escravo aquelas que realmente estão dentro das especificações, das definições previstas no Código Penal, que são o trabalho quando é extremamente degradante, quando há esse sistema de dívida eterna, que nunca é paga”, afirmou Fleury.