Uma operação policial resultou na morte do ex-PM, Adriano da Nóbrega, miliciano com estreitas ligações com a família Bolsonaro, no domingo (9), no interior da Bahia.
Ex-integrante do batalhão do Bope, Adriano da Nóbrega, que foi expulso da PM em 2014 por envolvimento com os chefes da contravenção, chefiava o Escritório do Crime, central de assassinatos por aluguel da milícia do Rio de Janeiro.
Ronnie Lessa, outro pistoleiro profissional que está preso pelo assassinato da vereadora Marielle Franco, pertencia ao “Escritório” chefiado por Adriano. O ex-PM tinha informações que, se reveladas, afetariam muita gente, inclusive no caso Marielle.
Adriano da Nóbrega era íntimo de Fabrício Queiroz e Flávio Bolsonaro. Ele recebeu duas homenagens de Flávio Bolsonaro, quando este era deputado estadual no Rio.
Uma de louvor e congratulações por serviços prestados à corporação em 2003. Na segunda, em agosto de 2005, Adriano recebeu a medalha Tiradentes, principal honraria da Assembleia Legislativa do Rio, com elogios de Flávio à carreira do então policial militar. Depois disso, Adriano empregou a mãe, Raimunda Veras Magalhães e a mulher, Danielle Nóbrega no gabinete de Flávio Bolsonaro.
Elas recebiam sem trabalhar e repassavam parte dos salários para o gabinete. Adriano teria, segundo o MP do Rio, participação no esquema de lavagem de dinheiro conhecido como “rachadinha”.
A ação está suscitando questionamentos. Ele teria reagido e morto ou foi eliminado? A versão oficial das polícias da Bahia e do Rio de Janeiro, que atuaram juntas na captura do criminoso, é a de que, ao ser abordado pelos policiais, Adriano teria reagido a tiros e foi baleado. O advogado do miliciano e um especialista no assunto afirmam que houve queima de arquivo.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) da Bahia negou que a operação tenha sido “queima de arquivo”. A SSP diz no texto que Adriano reagiu à ordem de prisão e atirou contra os policiais que o abordaram em uma casa no interior da propriedade. O titular da pasta, Maurício Barbosa, questionou o que chamou de uso político do caso Adriano Magalhães da Nóbrega.
“Infelizmente, acabaram levando a questão para o lado político. Não há nenhum interesse por parte da SSP, por parte da polícia militar, esconder qualquer crime cometido por Adriano ou pela sua quadrilha”, disse o secretário. Barbosa pede respeito ao trabalho da polícia baiana, “que se colocou em perigo para cumprir o mandado, segundo avaliou”. “A missão era fazer com que essa pessoa fosse levada para o estado do Rio de Janeiro, para responder a seus processos”, afirmou.
O secretário acrescentou que, se o desfecho não foi o esperado, pelo menos, não se está lamentando a morte de nenhum policial. “Colocamos a investigação à disposição de quem quer que seja, para refutar, completamente, o aspecto político que estão querendo dar a uma ação típica de polícia”, diz o secretário. Barbosa aproveitou para parabenizar os policiais envolvidos na operação realizada. “Pela coragem que tiveram de pegar um elemento extremamente perigoso e condenado por diversos crimes.”
Ainda de acordo com informações do secretário de Segurança Pública da Bahia, antes do confronto que matou Adriano Nóbrega, os agentes de três forças especiais da polícia baiana prenderam homens que davam segurança ao miliciano. Adriano estava escondido em um sítio de um vereador do PSL na cidade.
“Foram pegas pessoas que estavam dando cobertura, com armamento na mão, que indicaram que ele (Adriano) estava em um terreno próximo. A polícia fez o cerco, e ele tava com a pistola na mão e reagindo”, contou o secretário, que não informou quantos seguranças foram presos.
Por sua vez, o advogado de Adriano, Paulo Emílio Catta Preta, informou que recebeu um telefonema do miliciano na quarta-feira passada (5) no qual ele teria dito que tinha certeza de que queriam matá-lo para “queimar arquivo”.
A viúva do ex-policial, segundo o advogado, teria feito o mesmo relato. Os policiais já tinham estado na Costa do Sauípe, onde ele se encontrava, e fechavam o cerco ao miliciano.
“Eu estranhei ele me ligar, porque nunca havíamos conversado. Me disse que estava ligando porque estava muito aflito, que tinha absoluta certeza de que foram atrás dele não para prender, mas para matar”, disse o advogado Catta Preta.
Já o especialista e estudioso das milícias, José Cláudio Souza Alves, está convencido de que houve queima de arquivo. “Uma operação policial, fruto de um ano de trabalho de investigação, inteligência e cooperação que culmina, não com a prisão, mas com a morte de um foragido peça-chave em casos que movimentam a República. Isso é um grande azar ou um caso de queima de arquivo”, diz ele. “Uma operação de cerco lida mais com paciência, espera, controle e dissuasão do que com um confronto direto”, avalia Alves, que é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
“Ele não está numa favela, um território com alta complexidade onde não existe nitidez sobre quem é quem, numa configuração espacial urbana que dificulta a operação”, acrescenta o especialista. “O que destoa é toda uma investigação de inteligência desembocar numa operação assim, que culmina com a morte de alguém capaz de fornecer informação sobre casos envolvendo pessoas tão em evidência. Passa-se um ano atrás dele para capturá-lo porque é uma peça determinante em investigações importantes e o matam?”, questiona.
“Ele estava numa residência em um espaço rural no interior da Bahia. Como o fator surpresa estava nas mãos dos investigadores, se o objetivo fosse prendê-lo, os policiais poderiam eleger o momento ideal para isso e fazer um cerco. Não há plausibilidade na situação descrita pela polícia de que ele teria reagido, se ferido e acabado morto. Na minha visão, é uma operação suspeita”, afirmou o professor.
“A quem interessaria essa morte?”, indagou o professor. “Sabemos que ele teve vínculos diretos com [o hoje senador] Flávio Bolsonaro porque sua ex-mulher e sua mãe fizeram parte do gabinete do filho do presidente Jair Bolsonaro. Sabemos também que Flávio Bolsonaro, então deputado estadual, o homenageou na Assembleia do Rio [com a medalha Tiradentes, a mais alta honraria da Casa], em 2005”, destacou.
“Todos os que estabeleceram relação com a estrutura de venda de imóveis clandestinos e que são suspeitos de envolvimento com a morte da Marielle se veem beneficiados porque não existe mais a principal fonte de informações sobre esses casos”, concluiu o professor da UFRRJ.
O governador do Rio, Wilson Witzel, por sua vez, como é defensor de que “bandido bom é bandido morto”, e que comemora qualquer chacina, saiu em público para festejar a ação da Polícia Civil do Rio. A policia fluminense participou da operação, junto com os baianos, na captura em Esplanada, interior da Bahia, onde Adriano foi morto. “Não podemos deixar de agradecer à Polícia Civil do Rio de Janeiro. Ontem tivemos duas importantes operações em parceria com outra polícia, a polícia da Bahia, e obteve o resultado que se esperava. Chegamos ao local do crime para prender, mas, infelizmente, o bandido que ali estava não quis se entregar. Trocou tiros com a polícia e infelizmente faleceu”, afirmou.
O debate sobre a morte de Adriano Nóbrega ainda vai render, e muitas explicações ainda precisam ser dadas. O colunista da Folha, Hélio Schwartsman, resumiu bem a questão, seja qual for a conclusão deste episódio. “Não há, por ora, elementos objetivos a sustentar a tese de que a morte do miliciano Adriano da Nóbrega tenha sido uma operação de queima de arquivo para beneficiar o clã Bolsonaro”, disse ele. Mas, em seguida, o colunista aponta a conclusão óbvia sobre tudo isso. “O chocante é constatar que essa hipótese é verossímil, a ponto de os principais órgãos de imprensa terem publicado textos em que ela é contemplada”, acrescentou o jornalista.
Ou seja, só de se verificar que há estreitas relações entre a família de Jair Messias Bolsonaro, atual presidente, e fatos como os descritos acima já é um dos maiores escândalos da República.