Massacre em Odessa que queimou 42 pessoas vivas continua impune
Na segunda-feira 2 de maio, completaram-se oito anos do massacre de Odessa, em que 42 manifestantes foram queimados vivos na Casa dos Sindicatos, cercada pelos neonazistas ucranianos, que atearam fogo ao prédio e inclusive lincharam quem tentou escapar, crimes que seguem até hoje impunes. Mais de 200 pessoas ficaram feridas.
Ao Sputnik, uma testemunha, identificada apenas como ‘Marina’, relatou que as autoridades da Ucrânia têm perseguido ao longo dos anos as vítimas do massacre de Odessa, bem como seus familiares.
“Durante oito anos Kiev prendia em Odessa não só as vítimas, como também familiares dos que sofreram nos acontecimentos de 2-3 de maio de 2014 no Campo Kulikovo e na Casa dos Sindicatos”, disse Marina.
“No início isso era feito para trocá-los pelos participantes da expedição punitiva das Forças Armadas da Ucrânia que acabaram prisioneiros de guerra no Donbass, em 2014. Havia alguns dos sobreviventes da Casa dos Sindicatos entre aqueles que Kiev trouxe para as primeiras trocas”, acrescentou.
Segundo ela, ninguém das autoridades da cidade foi responsabilizado pelo que aconteceu. “O único que foi processado foi o chefe da polícia de Odessa, por ter contado como tudo aconteceu. Que convocaram uma reunião especificamente nesse dia, levaram todos os seus celulares, e [isso] precisamente no momento em que tudo acontecia, ou seja, basicamente todos os policiais de Odessa de escalões inferiores não podiam receber quaisquer ordens do comando, nem como agir, nem como reagir. Ele foi processado devido a ter contado isso”, assinalou Marina.
“Ninguém foi responsabilizado, em nenhum nível. Nem os bandidos, que foram os perpetradores diretos, nem seus chefes, nem os organizadores”, acrescentou. Além disso, “quando depois de um tempo se tentou realizar comícios, chamar a atenção para a tragédia, realizar ações espontâneas em memória dos cidadãos mortos queimados vivos, os manifestantes eram presos”.
Era maio, dois meses após o Putch da Praça Maidan, em que os neonazis serviram de tropa de choque para a CIA e os oligarcas ladrões, e a perseguição a tudo que era russo e aos opositores levara à revolta no Donbass e ao referendo na Crimeia pela reunificação com a pátria russa.
Em Odessa, uma cidade tão russa que é o cenário da cena famosa nas escadarias, imortalizada por Eisentein, e fundada pela imperatriz russa Catarina, os neonazis e seus cúmplices estavam dispostos a tudo para abafar qualquer protesto.
Naquele dia, em maior número, os neonazistas haviam invadido a Praça Kulikovo, incendiando as barracas do acampamento em favor do referendo pela federalização da Ucrânia, promovendo espancamentos e disparando tiros, e os manifestantes antifascistas tiveram de se abrigar no prédio da Casa dos Sindicatos, em frente, enquanto a polícia simplesmente olhava.
Coquetéis molotov arremessados pelos neonazistas acabaram por incendiar o prédio e aqueles em desespero, que pularam das janelas tentando escapar, eram simplesmente linchados a pauladas e chutes.
“Tivemos de passar sobre cadáveres quando descemos as escadas”, relatou um sobrevivente.
Um “Vá e Veja” em pleno século 21, registrado por celulares. Testemunhas descreveram como no percurso para a Praça Kulikovo a turba de fascistas percorreu as ruas aos gritos de “esfaqueiem os moscovitas”, “morte aos inimigos” e “glória à Ucrânia” (a do nazista Bandera e da Otan).
O führer do Setor Direita, Dmytro Yarosh, louvou o massacre de Odessa como “mais um dia brilhante na nossa história nacional”. Dias antes, ele havia anunciado a formação do “Batalhão Donbass” e que seus fascistas tinham “cruzado o rio Dniepr”.
Entre as vítimas da Casa dos Sindicatos, mulheres, garotos do Konsomol [Juventude Comunista] e até crianças. A mídia imperial tentou jogar a culpa às vítimas carbonizadas – enquanto as ‘investigações’ encenadas pelo regime de Kiev insistiam em ‘achar o rastro russo’.
“Nós os conhecemos pelo nome”
Em entrevista à RT, Alexander Yakimenko, que liderava o acampamento antifascista perto da Casa dos Sindicatos naquele dia, disse que o discurso de Putin prometendo levar à justiça os executores e os mandantes do massacre “traz esperança de que a investigação do crime em Odessa seja retomada”.
“Isso é esperado há muito tempo. E não apenas pelos parentes dos mortos e pelos que sofreram, mas por todos os habitantes de Odessa”.
“Tomei a decisão de entrar na Casa dos Sindicatos, simplesmente não havia outras rotas de fuga. E já no dia 4 de maio fui preso. No total, passei cerca de seis meses na prisão. Havia espancamentos e torturas constantes”, relatou Yakimenko. Eles só foram libertados alguns meses depois, em uma troca de prisioneiros entre Kiev e o Donbass.
Linchadores e incendiários não foram molestados pela polícia. As investigações mostraram que o socorro dos bombeiros foi retardado por interferência dos neonazistas.
Odessa não esquece
Dois dias depois, o deputado regional Vyacheslav Markin, que morreu das queimaduras e do espancamento que sofreu, foi enterrado aos brados de “heroi” e “Odessa não esquecerá nem perdoará”, depois de homenageado no parlamento local.
Segundo o ex-vereador de Odessa, Vasily Polishchuk, que tentou investigar o massacre por conta própria quando exercia seu mandato e acabou precisando se refugiar na Rússia há sete anos, a perseguição visa “calar a boca de todos que não concordam com o relato oficial de Kiev e querem revelar a verdade sobre o assassinato dos manifestantes de Odessa em 2 de maio”.
É do premiado cineasta e escritor John Pilger uma das mais precisas descrições do que aconteceu na terceira maior cidade ucraniana naquele dia de terror e opressão.
“Tal como as ruínas do Iraque e do Afeganistão, a Ucrânia foi transformada pela CIA num parque temático – dirigido em Kiev pelo diretor da CIA John Brennan, com ‘unidades especiais’ da CIA e do FBI a instalarem uma ‘estrutura segura’ que supervisione ataques selvagens àqueles que se opõem ao golpe de Fevereiro”.
Assista aos vídeos, ele convoca. “Bandidos fascistas transportados de ônibus incendiaram a sede da Casa dos Sindicatos, matando 41 pessoas presas no seu interior. Observe a polícia de prontidão. Um médico descreveu como tentou resgatar pessoas, ‘mas fui impedido por radicais nazis pró ucranianos. Um deles empurrou-me para longe brutalmente, prometendo que em breve eu e outros judeus de Odessa iriam se deparar com o mesmo destino’”.
É de Pilger, também, o relato sobre o golpe de Maidan. “Em Fevereiro, os EUA montaram um dos seus golpes ‘coloridos’ contra o governo eleito da Ucrânia, explorando protestos genuínos contra a corrupção em Kiev. A secretária de Estado assistente, Victoria Nuland, selecionou pessoalmente o líder de um ‘governo interino’. Ela alcunhou-o como ‘Yats’. O vice-presidente Joe Biden veio a Kiev, tal como o diretor da CIA John Brennan. As tropas de choque do seu putsch foram fascistas ucranianos”.
“Pela primeira vez desde 1945 um partido neonazi, abertamente anti-semita, controla áreas chave do poder de estado numa capital europeia”, alertou então Pilger. “Nenhum líder europeu ocidental condenou esta ressurreição do fascismo na fronteira através da qual invasores nazis ceifaram milhões de vidas russas.
Ele lembrou como o líder do partido Svoboda, Oleg Tyahnybok, conclamou a um expurgo da “máfia moscovita-judaica” e “outra escória”, incluindo gays, feministas e aqueles que integram a esquerda política.
Regra da inversão
“Mais uma vez, a regra da inversão de Orwell foi aplicada. Não houve putsch, nenhuma guerra contra a minoria da Ucrânia; os russos eram culpados por tudo”, registrou Pilger, sobre como a mídia imperial tratou o putsch.
Os queimados vivos em Odessa pretendiam tão somente realizar um referendo sobre a federalização, em que as regiões do leste da Ucrânia e do Sul teriam consignados na Constituição direitos e autonomia dentro da Ucrânia, país em que em um terço da população fala russo.
Como registrou o cineasta, “tal como as crianças do Iraque sob embargo e as mulheres e meninas do Afeganistão ‘libertado’, aterrorizadas pelos senhores da guerra da CIA, este povo de etnia russa da Ucrânia é ignorado pela mídia do ocidente, o seu sofrimento e as atrocidades contra ele cometidas são minimizadas ou silenciadas”.