Em cem anos de existência, a participação do PCdoB nos governos é ainda um capítulo recente da história de lutas travadas pelos comunistas brasileiros, impulsionado a partir da redemocratização. Porém, já são muitas e ricas as experiências acumuladas nessas últimas décadas. Para potencializar essa área de atuação, o Comitê Central conta com uma secretaria própria, de Relações Institucionais, Gestão e Políticas Públicas, que tem à frente o ex-vice-prefeito do Recife, Luciano Siqueira. O dirigente conversou com o Portal do PCdoB nessa segunda-feira (4) sobre a participação do partido em governos e sobre os planos para o próximo período.

Na secretaria, Luciano sucede a ex-vice-prefeita de São Paulo, Nádia Campeão, que deu passos importantes na consolidação dessa instância partidária e na organização das experiências acumuladas pelo PCdoB na frente institucional.

Com o objetivo de sistematizar e contribuir com o aperfeiçoamento da atuação dos comunistas nessa área, em 2019, Nádia lançou o livro “Cidades democráticas: a experiência do PCdoB e da esquerda em prefeituras (1985-2018)”. Além disso, o partido realizou, em 2020, o curso à distância “Cidades Democráticas”, que tratava dos principais temas em debate nas eleições municipais daquele ano.

Na conversa, Luciano Siqueira falou, entre outros temas, sobre a importância de robustecer a frente institucional como forma de melhorar a atuação dos comunistas na gestão pública e, ao mesmo tempo, fortalecer o partido em busca de seu objetivo estratégico: construir um novo projeto nacional de desenvolvimento, fundado em reformas estruturais progressistas, como caminho para o socialismo. Além disso, ele apontou as prioridades neste ano, cujo centro é a batalha eleitoral, e salientou a importância de ampliar o diálogo com o povo.

“Precisamos dar um passo adiante na construção do partido. E para isso é preciso, movidos por esses objetivos gerais, focar na constituição, em todas as instâncias de governo que nós participamos, de uma opinião própria sobre a política pública que nós estamos conduzindo e nos constituirmos como uma corrente de pensamento própria”, disse Luciano. Para ele, “o debate com a população é e deve ser sempre uma marca indispensável da participação dos comunistas em governos em todos os níveis”.

Confira os principais trechos da entrevista.

 

Participação do PCdoB em governos

“A participação de comunistas em cargos de governo, tendo como referência a reorganização do PCdoB em 1962, é recente. A partir do 8º Congresso começamos a flexibilizar a conduta do partido sobre isso e sobretudo quando Lula se elege presidente, inaugura-se uma nova fase e o PCdoB passa a ocupar cargos de primeiro escalão no governo central do país. Essa demora em participar de governos aconteceu primeiramente por uma opção tática do partido, a meu ver muito apegada às formulações do 7º Congresso da Internacional, que identificava a oportunidade de participação dos comunistas no primeiro escalão de governos centrais com uma determinada situação pré-revolucionária. E nós nos apegamos, eu quero crer, em demasia a essa formulação.

É com a evolução estratégica e tática do partido, já sob a liderança Renato Rabelo, que passamos a compreender que, a partir da debacle da União Soviética e das democracias populares do Leste Europeu, começamos a viver sob uma conjuntura muito adversa do ponto de vista estratégico e tático, numa correlação muito difícil que implica um prolongado processo de acumulação de forças tendo em vista uma contraofensiva adiante”.

 

Acumulando forças em diversas frentes

“Nessas circunstâncias, nós passamos a compreender que os comunistas deveriam atuar em todas as frentes de luta possíveis, inclusive nessa que nós chamamos de institucional, com a percepção de que por aí também será possível acumular força, visando o nosso projeto estratégico. Hoje, tentamos examinar essa experiência de um ponto de vista crítico para aprofundar a compreensão dessa participação. Temos uma secretaria nacional do Comitê Central de Relações Institucionais, Gestão e Políticas Públicas, que era coordenada por Nádia Campeão – que produziu uma ótima avaliação de nossas experiências no livro “Cidades democráticas” – e agora é por mim. E ainda com a Nádia a gente vinha avançando na compreensão de que é preciso ir mais a fundo na avaliação crítica dessa experiência, sobretudo para lançar luzes para o trabalho atual”.

 

Construção do partido e luta institucional

“A pergunta que emerge com força é como construir o partido, considerando que essa construção é um ponto elementar, decisivo do acúmulo de força? Como construir o partido através da presença em governos? A nossa experiência até agora, embora tenha resultados positivos nessa matéria, tem sido focada principalmente no esforço dos comunistas de compreenderem o conteúdo, a natureza das políticas públicas que eventualmente eles conduzem, de exercitarem a tática geral do partido num ambiente de alianças políticas e produzirem, pela gestão pública, resultados satisfatórios que melhorem a vida do povo.

Mas nós precisamos dar um passo adiante na construção do partido. E para isso é preciso, além desses resultados gerais, focar na constituição, em todas as instâncias de governo que nós participamos, de uma opinião própria sobre a política pública que nós estamos conduzindo e nos constituirmos como uma corrente de pensamento própria que possa aglutinar militantes, quadros, aliados e amigos do partido para produzir melhores resultados, seja para ampliar a base militante do partido, seja para aumentar o seu poderio eleitoral e, sobretudo, na formação de mais quadros competentes para liderar o povo porque a área institucional é uma área muito apropriada à formação de lideranças novas”.

 

Marca comunista nos governos

“Há um exemplo muito prático, muito concreto, que foi a gestão em Olinda. É um exemplo que deve ser assinalado, primeiro pela longevidade da gestão. Foram 16 anos governando a cidade politicamente mais importante de Pernambuco depois da capital. Segundo porque a ocasião possibilitou que essa tarefa fosse conduzida por alguns dos principais quadros dirigentes do partido. E o balanço que o partido procedeu já ao final dessa experiência considera que o “modo PCdoB de governar”, se é que nós podemos chamar assim, está essencialmente vinculado à tática geral do partido, ou seja, a capacidade de conduzir a gestão pública em frente ampla e voltada especificamente para melhoria da qualidade de vida do povo e do fortalecimento dos objetivos políticos comuns em plano nacional. Esse dado da frente ampla é a nossa marca. Em Olinda, Luciana governou oito anos e depois Renildo com uma composição de governo a mais ampla possível”.

 

Fortalecer o partido

“Não é possível nós caracterizarmos o modo PCdoB de governar sem que tenha como resultado essencial o fortalecimento do próprio partido, em diversas dimensões. Tanto na dimensão de capacitar quadros na gestão pública não apenas para dirigirem governos, mas também para liderarem o povo em outras frentes de luta e elevar o grau de compreensão dos comunistas acerca das políticas públicas que estão vigentes no país.

Por exemplo: o objetivo central da assistência social é incutir na população objeto das ações de governo a consciência de direitos. Ou seja, aquele cidadão que está numa situação de vulnerabilidade é socorrido pelo Estado, mas isso não é uma dádiva de governo, é um direito constitucional. Nós debatemos muito essa política no Recife, na primeira gestão em que fui vice-prefeito, e coube ao PCdoB conduzir essa área e foram quadros do PCdoB, liderados por uma respeitada técnica comunista, Ana Farias, que implantaram a política específica e a rede assistencial no Recife.

Nesse debate, nós demos um passo adiante: não basta ajudar que a população vulnerável se descubra sujeito de direitos. É preciso também ajudar para que essas pessoas se descubram agentes transformadores de uma realidade social que lhe é hostil. E para isso é preciso problematizar. E ao problematizar a situação concreta em que a população vive é possível ajudar que as pessoas do povo descubram também a necessidade de transformar essa realidade e se descubra como agente dessa transformação.

Portanto, não basta que os comunistas compreendam tecnicamente e sejam hábeis na execução das políticas públicas postas. É preciso verificar se, além do que é consensual, se não é possível dar um passo adiante, sob a inspiração dos nossos próprios objetivos estratégicos. Esse elemento é essencial para alcançar o objetivo fundamental que é, no acúmulo de forças, o fortalecimento da própria corrente comunista”.

Federações e gestão pública

“O instituto da federação é uma coisa nova, vai ser testada agora nesta eleição. Mas penso que poderá contribuir para a qualificação das casas parlamentares. A pulverização de legendas se reflete num Congresso Nacional cada vez mais limitado no debate real dos grandes problemas do país e contribui para dificultar a governabilidade, seja da presidência da República, seja de governos estaduais e municipais. Então, a federação pode ajudar nesse sentido. Com isso, se conseguirmos eleger Lula presidente da República, haverá uma diferença substancial nas condições parlamentares em que Lula foi presidente oito anos e em que Dilma foi presidenta por seis anos. Se os partidos de esquerda elegerem 150 ou mais deputados federais, teremos maiores condições de governabilidade.

A participação do PCdoB em governos há de construir também — quero crer em curto prazo — numa espécie de indicador político de desempenho do partido. E a federação se refere a um deles. Em que medida nossos militantes são capazes — participando de governos que em geral são governos de frente, de alianças — de contribuir para fortalece-las? O governo é um terreno muito rico para a experiência de frente, de alianças. E acho que governos formados sob a marca das federações poderão ser governos de frente mais consistentes, com maior possibilidade de convergência sobre essencial”.

Plataforma emergencial e a reconstrução do país

“Ganhando a eleição com o Lula, e certamente participando do novo governo Lula, o PCdoB estará tanto ajudando na unidade do conjunto do governo como tentando, à luz dessa plataforma que nós redigimos recentemente, contribuir para que o governo seja o mais avançado possível, ou seja, o mais avançado que a correlação de forças permita. Nós somos pela unidade do governo e ao mesmo tempo não abrimos mão da conduta ao mesmo tempo propositiva e crítica, que adotamos desde a 9ª Conferência Nacional do PCdoB, em 2002, de contribuir para que o governo avance com as nossas próprias proposições”.

Planos à frente da secretaria

“A agenda dessa secretaria é ampla e diversificada. Mas, estamos em um ano eleitoral e a tendência natural do partido é a pré-campanha e depois a campanha. Nos curso desses dois momentos, pretendemos contribuir com um esforço direcionado a cuidar com muito destaque do quinto ponto da resolução política aprovada no 15º Congresso, que é o fortalecimento do partido, ou seja, vamos tentar interagir, sobretudo com o esforço que o conjunto do partido fará, no sentido de elevar a qualidade do trabalho político junto ao povo nas diversas frentes de atuação — sindical, juvenil, comunitária, institucional etc.

Estamos próximos de apresentar um plano de trabalho para este ano. Entendemos que o centro da nossa preocupação é avançar na compreensão, na percepção de boas práticas de gestão do PCdoB, não só tecnicamente, administrativamente, mas também boas práticas políticas para que nós possamos socializar essas experiências com o conjunto do partido para darmos a nossa contribuição tanto para a busca do voto, como também para a melhoria da qualidade do trabalho de massas. da ação do partido junto ao povo. Essa é a essência do que nós pretendemos realizar de mais importante durante este ano. Estamos numa fase preparatória de um plano concreto de trabalho nesse sentido. Conversei com quase todos os presidentes do partido nos estados tratando dessa matéria. E temos também dialogado com quadros dirigentes do partido com experiência acumulada na gestão pública e recolhemos até agora elementos muito válidos, muito interessantes para dar conteúdo a esse trabalho. Também estamos nos ocupando da construção de uma rede nacional de vereadoras e vereadores do partido, inclusive alimentando-a com um banco de projetos”.

Diálogo com a população

“Escutar deve ser, sempre, uma regra de conduta do comunista em qualquer frente de luta. E no governo, é preciso ouvir a população, os técnicos, todas as pessoas envolvidas, funcionários etc. Quando a gente ouve a população, abre-se um diálogo muito amplo. Esse diálogo é fundamental e é possível exerce-lo tanto de maneira informal, no contato direto com a população nas áreas, como através dos instrumentos institucionais que foram conquistas obtidas desde a Constituição de 1988 e consolidadas a partir do primeiro governo Lula, ou seja, as conferências setoriais. Há também os conselhos. E ainda o orçamento, uma peça que deve ser debatida com a população. O povo precisa saber quais são os recursos disponíveis e onde deverão ser aplicados. O debate com a população é e deve ser sempre uma marca indispensável da participação dos comunistas em governos em todos os níveis”.

 

Por Priscila Lobregatte