A tentativa dos EUA de extraditar Julian Assange é o “caso Dreyfus de nossa época”, afirmou John McDonnell, líder trabalhista inglês e ‘chanceler-sombra’, ao visitar o jornalista na ‘Guantánamo britânica’ de Belmarsh na quinta-feira, às vésperas do início do julgamento da extradição do jornalista, no próximo dia 24.
Em outra demonstração da ampliação do apoio a Assange, o órgão de defesa dos direitos humanos da Europa acaba de se pronunciar contra a extradição do jornalista.
“Acho que este é um dos julgamentos políticos mais importantes e significativos desta geração”, disse McDonnell, que ao longo da presidência de Jeremy Corbyn nos trabalhistas foi considerado seu braço direito.
“De fato, por mais tempo. Eu acho que é o caso Dreyfus de nossa época, a maneira pela qual uma pessoa está sendo perseguida por razões políticas por simplesmente expor a verdade do que aconteceu em relação às guerras recentes”, enfatizou McDonnell.
Nos EUA, Assange é acusado de ‘espionagem’ por ter publicado documentos vazados que provam crimes de guerra cometidos nas guerras do Iraque e do Afeganistão.
Alfred Dreyfus, um oficial judeu, perseguido pelo alto comando militar da França, governo e forças de extrema-direita na virada do século XIX, foi acusado de traição e ser ‘agente alemão’ e condenado em um processo fraudulento e sob clima de feroz anti-semitismo.
Perseguição odienta que gerou uma dramática crise na França que se estendeu por dez anos, com o movimento socialista francês assumindo a defesa de Dreyfus, até que fosse declarado inocente e libertado, luta que o imortal “J’Accuse”, do escritor Émile Zola, condensou.
Comparação de imenso significado e que reforça a percepção da importância de defender Assange hoje.
Não é apenas a figura de Julian Assange que está sob ataque, são os direitos democráticos de milhões de pessoas, a própria liberdade de imprensa. Assim como a jurisprudência de Nuremberg, quando prevalece a impunidade dos crimes de guerra desde que os EUA se declararam “nação excepcional” ao fim da Guerra Fria – além da oficialização da extraterritorialidade das leis norte-americanas.
A publicação não foi feita em solo norte-americano, Assange não é cidadão norte-americano, e a prevalecer o precedente, qualquer um, em qualquer lugar do mundo, que publique algo de que Washington não goste, pode virar o próximo alvo.
Como revelou o Relator da ONU para Tortura, Nils Melzer, o caso Assange pode ser resumido a que um crime de guerra foi provado aos olhos do mundo – um massacre de civis em Bagdá durante a ocupação norte-americana, os criminosos e os mandantes permanecem absolutamente impunes, e quem denunciou o crime – Assange – está sob ameaça de prisão perpétua e tortura, depois de um processo marcado por fraudes e falsificações.
Também por uma operação de ‘assassinato de reputação’: Melzer, que fala sueco fluentemente, espantou-se ao ler os documentos do caso e descobrir que, conforme o testemunho da mulher em questão, nunca ocorreu estupro, e testemunho que foi posteriormente modificado pela polícia de Estocolmo, à revelia dela, para que de alguma forma parecesse possível um estupro. “Tenho todos os documentos em minha posse, os e-mails, as mensagens de texto”, atestou.
Falando à imprensa do lado de fora da penitenciária de Belmarsh, McDonnell conclamou à mais ampla unidade para barrar a extradição, inclusive parlamentares conservadores, como David Davis. “Espero que a combinação de apoio entre os partidos, o que aconteceu na mídia, as manifestações que ocorreram nas últimas semanas, garanta que tenhamos um clima de opinião neste país que impeça a extradição”.
O dirigente trabalhista acrescentou que uma extradição “prejudicará a reputação” da Grã-Bretanha e também dos EUA como nações democráticas.
Para McDonnell, apesar de todas as pressões e do confinamento solitário, Assange se mostra “forte, determinado e familiarizado com os argumentos legais contra sua extradição”.
“OFENSA POLÍTICA”
“Não acreditamos que a extradição deva ser usada para fins políticos, e todas as evidências demonstram que se trata de um julgamento político, e esperamos que os tribunais vejam dessa maneira”, reiterou McDonnell.
Até pelo próprio tratado britânico-americano, é explicitamente proibida a extradição por ‘ofensas políticas’.
Que se trata de uma ‘ofensa política’ já foi admitido até mesmo pelo palácio real, que em resposta a um pedido de manifestação sobre o caso Assange disse que a rainha não iria se pronunciar por não intervir em ‘assuntos políticos’.
Na luta interna trabalhista entre blairistas e progressistas, a questão de Assange assumiu um papel inesperado. O candidato de Blair para presidir o partido em substituição a Corbyn é o deputado Keir Starmer, que quando dirigia o Serviço da Promotoria da Coroa em 2012 foi quem encabeçou as manobras para manter a perseguição a Assange. Inclusive o famoso “não vão amarelar”. Na época, os promotores suecos queriam recuar, sob pressão da Suprema Corte sueca, que exigia ou indiciamento (acusação formal) ou arquivamento.
A Comissária para Direitos Humanos da Europa, Dunja Mijatovic contestou a extradição de Assange, que teria “um efeito assustador sobre a liberdade da mídia e poderia prejudicar a imprensa no desempenho de sua tarefa como fornecedora de informações e fiscalizadora pública em sociedades democráticas”.
“A acusação levanta questões importantes sobre a proteção daqueles que publicam informações classificadas de interesse público, incluindo aqueles que expõem violações de direitos humanos. A natureza ampla e vaga das alegações contra Julian Assange e os crimes listados na acusação são preocupantes, pois muitos deles dizem respeito a atividades no centro do jornalismo investigativo na Europa e além.”
A campanha em defesa de Assange realizou, na quarta-feira, um protesto em Londres, sob a forma da projeção, na fachada do parlamento britânico, de clips do vídeo “Assassinato Colateral”, que flagra um massacre de civis cometido pelos ocupantes norte-americanos, e ainda de frases como “jornalismo não é crime” e “não extraditem Assange”.
Projeção semelhante já foi feita na fachada da penitenciaria de Belmarsh, onde Assange está encarcerado.
No sábado, manifestantes contra a entrega de Assange ao regime Trump, como troféu para sua reeleição, irão marchar em Londres desde a Casa da Austrália até à Praça do Parlamento. Entre outras personalidades, estarão presentes o músico Roger Waters, ex-Pink Floyd, o jornalista e cineasta John Pilger, o ex-embaixador Craig Murray, a estilista Vivienne Westwood, o produtor musical Brian Eno e o pai de Julian Assange, John Shipton.
Como afirmou Pilger em recente artigo, quando Assange entrar na Corte real de Woolwich no dia 24, “o verdadeiro jornalismo será o único crime em julgamento”.