Depois de afirmar que reconheceria a recontagem a ser realizada em acordo com a OEA, Mesa diz que não acatará o resultado - Reuters

Uma multidão tomou as ruas de El Alto, região metropolitana de La Paz, a terça-feira, para respaldar o presidente Evo Morales e o processo democrático, fortalecido a partir do anúncio da recontagem dos votos das eleições do dia 20 de outubro, que reelegeu o candidato do Movimento Ao Socialismo (MAS).

Liderada pela Central Operária Boliviana (COB), a marcha reuniu federações e sindicatos de trabalhadores, mineiros, camponeses e associações de moradores, e desceu até a capital em clima de festa.

Faixas, bandeiras e cartazes destacavam a determinação indígena e a conformação plurinacional em defesa dos avanços políticos, sociais e culturais alcançados a partir de 2006.

Conforme Juan Carlos Huarachi, secretário-executivo da COB, principal dirigente da entidade, a marcha pacífica representava uma “vigília orientada a proteger a democracia e o voto dos bolivianos dos ataques daqueles que buscam a confrontação e a violência”. Prova disso, assinalou, é a normalidade do ato após o governo ter anunciado a realização de uma auditoria, com a participação de técnicos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

O candidato vencido, Carlos Mesa, se desconecta do acordo entre governo boliviano e OEA e diz, de antemão, não reconhecer a auditoria. Evo e seu ministro de governo, Carlos Romero, já vinham denunciando que Mesa acusava o Órgão Eleitoral Plurinacional – que fez a contagem – de “irregularidades”, sem que seus milhares de fiscais, presentes aos locais de votação, tenham apontado um erro sequer ou impugnado qualquer das urnas.

Para o ministro de Governo, Carlos Romero, a postura adotada pelo principal candidato oposicionista e ex-presidente, Carlos Mesa, é totalmente avessa à democracia, uma vez que fomenta a confrontação. “Mesa é o responsável por todos esses ataques e agressões raciais contra índios e pobres, é o responsável  por vulnerabilizar de maneira sistemática os direitos humanos fundamentais das pessoas”, enfatizou.

Romero pediu que os movimento sociais não se deixem cair em provocação e recordou do ocorrido em outubro de 2003, quando 67 pessoas morreram e mais de 400 ficaram feridas. À época vice-presidente, Mesa acabou assumindo quando o presidente Gustavo Sanchez de Losada, enfrentou a ira do povo e teve de fugir do palácio em um helicóptero. Mesa acabou rechaçado ao tentar não apenas manter, mas ampliar o pacotaço de Losada.

“Quero responsabilizar de maneira direta o senhor Carlos Mesa, que quando presidiu o país, não somente tinha congelados seus salários, mas queria aplicar um imposto para arrochar, porque era um peão, um servente do Fundo Monetário Internacional (FMI)”, enfatizou o ministro de Governo. Identificando as escaramuças e bandidagens – que continuam sendo feitas por dirigentes do atual Comitê Cívico Pró-Santa Cruz – como iniciativas condenáveis, similares aos crimes de 2003 e 2005, sem qualquer respaldo na sociedade.

Romero assinalou que “são crias dos separatistas de ontem, como foi Branko Marinkovic”.

Fascista boliviano-croata, Branco Marinkovic esteve entre os maiores produtores de óleos de soja e girassol de Santa Cruz, foi um dos maiores latifundiários do país e deu respaldo a que a bandeira nazista tremulasse na região. De sua produção, 80% era destinado aos Estados Unidos, enquanto os 20% restantes eram vendidos a um preço 68% maior do que o comercializado no exterior. Como esta realidade mudou quando Evo impôs limites a uma exportação que negava acesso ao óleo para os bolivianos, Marinkovic partiu com tudo para a oposição. Com o apoio da Embaixada dos EUA, tentou separar a região do país em 2008 em conjunto com outros da chamada “Meia Lua”, envolvendo os departamentos de Beni, Pando, Santa Cruz e Tarija.

Atualmente encontra-se foragido no Brasil, respondendo a inúmeros processos por apropriação indébita de propriedades, entre elas uma área de 14.000 hectares pertencente a famílias indígenas.

De acordo com o chanceler da Bolívia, Diego Pary, a missão de aproximadamente 30 especialistas focará nas eleições do dia 20 e nas fases posteriores da contagem. “A OEA solicitou que a Bolívia garantisse todas as facilidades técnicas e logísticas para a realização deste processo, assim como a verificação das atas, aspectos estatísticos, verificação do processo de contagem de votos e custódia das urnas”, declarou o diplomata. Além disso, apontou, o organismo solicitou que todas as autoridades e instituições brindem pleno acesso às suas instalações e aos equipamentos necessários para desenvolver o trabalho de apuração.

Pelo acordo firmado, a OEA desenvolverá a auditoria sem afetar a soberania da Bolívia nem a independência e a autonomia do Órgão Eleitoral Plurinacional (OEP), esclareceu Pary, sublinhando que “o resultado da auditoria será vinculante para as duas partes, Bolívia e OEA”. A verificação da contagem foi solicitada pelo governo Evo assim que Mesa denunciou uma suposta “fraude” na transmissão do resultado eleitoral que comprovou uma diferença de mais de 10% nos votos a favor de Evo.