Ministro Kassio Nunes

O ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), indicado recentemente por Jair Bolsonaro, aproveitou o apagar das luzes do Judiciário e livrou, monocrática e liminarmente, o caminho de políticos que concorreram sub judice nas eleições municipais de 2020 e saíram vitoriosos, embora barrados pela Justiça Eleitoral por terem sido condenados por crimes de corrupção, improbidade administrativa ou lavagem de dinheiro em qualquer instância judicial.

O trecho retirado dizia que os oito anos de afastamento do infrator seriam contados após o cumprimento da pena para a qual ele foi sentenciado. Ou seja, ele perderá o direito de concorrer em eleições por oito anos depois de cumprir a pena para a qual foi condenado.

Antes da liminar do novo ministro do STF, por exemplo, um condenado a seis anos só poderia se candidatar depois de pelo menos quatorze anos, ou seja, oito anos após o cumprimento da pena.

É o caso, por exemplo, do prefeito eleito de Bom Jesus de Goiás, Adair Henriques (DEM), que teve o registro barrado pelo TSE. Condenado por delito contra o patrimônio público em segunda instância em setembro de 2009, ele teve o registro eleitoral para 2020 autorizado pelo Tribunal Regional Eleitoral, mas, no TSE, perdeu.

De acordo com o voto do ministro Edson Fachin, o prazo de oito anos de inelegibilidade deve ser contado a partir de 6 de maio de 2015, data em que foi finalizado o cumprimento da pena aplicada a Adair. O fundamento da decisão é exatamente o trecho da Lei da Ficha Limpa que, agora, o ministro Kassio Nunes Marques declarou inconstitucional.

A ação, apresentada pelo PDT, questionou o trecho da lei argumentando que seria desproporcional deixar inelegível um político por tanto tempo e alegou ao STF que a inelegibilidade deveria ser de apenas oito anos a partir do momento que começa a valer a pena e não “após o cumprimento da pena”.

A “lei da ficha limpa” lista dez tipos de crimes às quais se aplica a proibição de disputa atualizada, entre eles corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de drogas.

A liminar do ministro avançou sobre um tema que já havia sido debatido pelo plenário do Supremo Tribunal Federal em 2012, durante julgamento sobre a Lei da Ficha Limpa. Na ocasião, o ministro Luiz Fux, relator da ação, defendeu que o prazo de oito anos começasse a valer a partir do início da punição, e não após o cumprimento da pena. Apesar disso, a proposta enfrentou resistência dos ministros Marco Aurélio Mello e Cármen Lúcia. O plenário, então, entendeu por não modificar o que estava previsto na lei.

Kassio Nunes justificou a concessão da liminar afirmando que o pedido deve ser atendido imediatamente para não prejudicar quem foi eleito nessas condições. “Impedir a diplomação de candidatos legitimamente eleitos, a um só tempo, vulnera a segurança jurídica imanente ao processo eleitoral em si mesmo, bem como acarreta a indesejável precarização da representação política pertinente aos cargos em análise”, alegou. Especialistas consideram que modificações como essa só poderiam ser feitas até um ano antes das eleições. É estranho também o empenho e a pressa do ministro na defesa de políticos condenados em segunda instância pelos mais variados crimes.

O procurador regional eleitoral do Maranhão, Juraci Guimarães Junior, disse que a decisão afronta ao princípio da igualdade, pois os candidatos que já perderam todos os recursos possíveis não têm mais como apelar ao STF. Ele disse também que a decisão também ofenderia o princípio da anualidade da lei eleitoral. “A alteração do processo eleitoral, por força do art. 16, da Constituição Federal, deve ser feita um ano antes das eleições”, disse.

O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que participou da elaboração da lei, divulgou uma nota de repúdio à decisão do ministro Nunes Marques.

“A Lei da Ficha Limpa foi excessivamente julgada quanto à sua constitucionalidade, tanto no TSE quanto no STF. É parte de um amplo processo de mobilização popular por mais ética na política. Fica claro que existe uma articulação de forças que pretende esvaziar a lei, com ataques pontuais que visam dilacerar o seu conteúdo sob alegação de aperfeiçoá-la, tentativa oriunda daqueles que podem ser atingidos por ela ou que buscam poupar seus aliados”, diz a nota.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) recorreu nesta segunda-feira (21) da decisão do ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), que alterou a aplicação da lei da Ficha Limpa no que diz respeito à inelegibilidade.

O recurso, assinado pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, apresenta “ao menos cinco relevantes obstáculos jurídicos” contra a decisão de Nunes Marques.

A PGR reafirmou que Nunes Marques não poderia ter suspendido o trecho porque, de acordo com a legislação, mudanças em regras eleitorais só podem valer se forem estabelecidas ao menos um ano antes do pleito.

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), criticou a decisão do colega Nunes Marques. “O novato inovou muito, encurtou o prazo da inelegibilidade e causou grande perplexidade”, disse Marco Aurélio.

“Ele “reescreveu a lei” e contrariou decisão anterior do próprio tribunal, que decidiu que o prazo da inelegibilidade começa a contar a partir do cumprimento da pena como está previsto na lei, de iniciativa popular”, lembrou o decano.

Marco Aurélio defende que o presidente do tribunal, ministro Luiz Fux, convoque, mesmo no recesso, uma sessão extraordinária para que o plenário analise a decisão de Nunes Marques o mais rápido possível, em razão de o tribunal já ter tratado do tema.

“Eu defendo que o presidente convoque uma sessão extraordinária para dar mais tranquilidade sobre esse tema, sobre o qual o Supremo já se posicionou. A decisão vai ser revogada, vamos reafirmar o que fizemos no passado”, afirmou