Júri popular condena o ex-policial pelo assassinato de George Floyd
Um júri popular condenou, nesta terça-feira (20), em Minneapolis, o ex-policial branco Derek Chauvin pelo assassinato de George Floyd, negro, com 46 anos, em 25 de maio do ano passado, asfixiando-o com o joelho por 9 minutos e 26 segundos, enquanto ele agonizava dizendo “não consigo respirar”. Manifestantes nas imediações do tribunal comemoram a condenação.
Crime que chocou o mundo, gerou nos EUA as maiores manifestações em 50 anos contra o racismo, com milhões de pessoas nas ruas apesar da pandemia, e acabou levando à forte participação do eleitorado negro nas eleições presidenciais do ano passado, o que praticamente decidiu, em estados chaves, o resultado com derrota de Trump.
É a primeira vez no Estado de Minnesota que um policial branco que mata um negro desarmado é sentenciado. Chauvin foi condenado pelas três acusações – homicídio doloso (com intenção de matar), homicídio culposo (sem intenção) e assassinato de terceiro grau (lesão corporal seguida por homicídio) -, o que pela lei norte-americana exige unanimidade do corpo de jurados.
A sentença será anunciada pelo juiz Peter Cahill em oito semanas; o ex-policial está sujeito a até 40 anos de cadeia. Por ser primário, a sentença poderá, pelas normas do Estado, ser de 12,5 anos. O assassino ouviu impassível a condenação. No julgamento, Chauvin preferiu não prestar depoimento, mas se declarou “inocente”.
O veredicto saiu após três semanas de julgamento, em que diversas testemunhas afirmaram que Chauvin usou força desproporcional ao imobilizar Floyd e se recusara a atender aos apelos dos transeuntes para parar com o suplício. Autoridades policiais testemunharam que o comportamento de Chauvin violava a política em vigor.
Os 12 jurados se reuniram por menos de 24 horas, isolados em um hotel de Minneapolis, para chegar ao veredicto. O grupo era formado por seis mulheres brancas, dois homens brancos, três homens negros, uma mulher negra e duas mulheres multirraciais, sendo que dois suplentes foram dispensados, de acordo com documentos do tribunal.
Nas ruas perto do tribunal, comércios e empresas fecharam as portas na véspera, temendo novos protestos. Nesta terça-feira, novas barreiras foram erguidas pela cidade, e uma multidão se reuniu no local onde Floyd morreu. A corte também foi cercada com arame farpado, e a segurança foi reforçada com cerca de 3 mil soldados armados da Guarda Nacional.
Havia uma enorme expectativa sobre o resultado, já que nos EUA em regra os policiais brancos ficam impunes quando matam negros ou latinos desarmados. Questão que se tornara inclusive uma das principais palavras de ordem das mobilizações, “sem justiça, sem paz”, e levara a batizar o movimento antirracista do século 21 como “Vidas Negras Importam”.
O recente assassinato, por uma policial branca, de um jovem negro, Dauren Wright, em uma mera blitz de trânsito há pouco mais de uma semana, em um subúrbio de Minneapolis, aumentara a tensão, com a cidade e o Estado tomados por reforços da Guarda Nacional.
Na sexta-feira, esses temores haviam sido expressados em um ato em que participou a deputada Maxine Waters, em que esta conclamara ninguém a baixar a cabeça se a justiça falhasse, e chamando a protestar, se esse fosse o caso. A deputada Ilhan Omar enfatizara que um veredicto de culpa poderia “marcar uma virada na luta pela igualdade racial”. “Estamos segurando um ao outro em busca de apoio. Esperamos que esse veredicto chegue logo e a comunidade comece o processo de cura”, acrescentou.
Nos argumentos finais, o promotor Steve Schleicher chamou os jurados a levarem em conta os depoimentos dos expectadores do crime – a “comunidade escolhida aleatoriamente pelo destino”, como chamou, que ficaram ali “implorando aos policiais que deixassem Floyd respirar, saíssem de cima dele e verificassem seu pulso”. Eles estavam apenas realizando suas atividades diárias – acrescentou – e se tornaram “testemunhas de nove minutos e 29 segundos de um chocante abuso de autoridade”.
“Dá para ver o pânico deles”, disse ele. “Eles testemunharam este ato ultrajante. E eles te contaram sobre isso, eles te deram o que tinham: seus pensamentos, suas impressões, suas memórias”, como ele se referiu ao testemunho dramático que cada um deles deu no tribunal. “Eles deram a você aquelas gravações preciosas para que você pudesse ver isso de todos os ângulos. Você pode acreditar em seus olhos. Isso não era policiamento, era assassinato.”
Schleicher apontou ainda aos jurados que a intervenção policial, diante de uma denúncia de que Floyd supostamente passara uma nota falsa de US$ 20, fora inteiramente exagerada, já que, como o próprio chefe de polícia da cidade testemunhou, essa infração geralmente não justifica a detenção de um suspeito, e a norma é uma simples citação.
Em sua argumentação, Schleicher refere-se ao racismo e à prepotência, ao assinalar o comportamento de Chauvin de supliciar um negro, por motivo torpe, que não representava qualquer ameaça, já que estava algemado pelas costas, derrubado no chão de costas e, visivelmente, sofrendo um ataque de claustofobia, enquanto o policial se recusava a ouvir as pessoas em volta, que suplicavam para que parasse.
“O réu não seria dito o que fazer. Ele não ia deixar os espectadores lhe dizerem o que fazer. Ele faria o que quisesse. E não havia nada que eles pudessem fazer a respeito. Porque ele tinha autoridade. Os espectadores estavam impotentes. Eles eram impotentes para fazer qualquer coisa”, disse ele. Chauvin “fez isso de propósito. Isso não foi um acidente. Ele não tropeçou e caiu no pescoço de George Floyd”, continuou Schleicher.“ Acredite em seus olhos. O que você viu, você viu.”, disse aos jurados.
45 testemunhas depuseram perante o tribunal, mas o promotor Blackwell havia chamado o corpo de jurados a atender à “46ª testemunha”, “o bom senso”. A causa da morte de Floyd é “tão simples que uma criança poderia entender. Na verdade, uma criança de nove anos, uma das passantes, entendeu quando disse: “Saia de cima dele”. O promotor acrescentou: “Era tão simples. Saia de cima dele, bom senso.”
Eric Nelson, o advogado de defesa, sustentou o julgamento inteiro que Chauvin só fez o que “havia sido treinado” pela polícia, e que a morte de Floyd havia sido “multifatorial”, provocada por drogas e péssimo estado de saúde, não pelo joelho quase nove minutos e meio do réu no pescoço da vítima.