“Eu sou do Centrão” afirmou Bolsonaro em entrevista para justificar a entrega da Casa Civil para Ciro Nogueira. Eleito vereador no Rio de Janeiro em 1988 e, em 1990, deputado federal pelo PDC (Partido Democrata Cristão), no decorrer de seus seis mandatos passou pelo PPR, PPB, PTB, PFL, PSC e PSL. Assim como não conseguiu, em 28 anos de mandatos, sequer conhecer e entender a Constituição, demonstra também total desconhecimento das articulações que ocorreram na Câmara em todos esses anos, ao afirmar que o Centrão é um grupo de partidos que se uniu para apoiar Alckmin.

Por Jorge Gregory*

O Centrão nasceu durante o processo da Constituinte de 1988 enquanto um grupo suprapartidário e se mantém até hoje como tal. Nunca teve relação alguma com esta ou aquela candidatura presidencial, muito menos de Alckmin. Após a Constituinte, o termo passou a designar um grupamento de deputados que se articulava para obter emendas ou posições nas mesas da Câmara e do Senado, bem como nas comissões das duas casas e, principalmente, para angariar cargos nos governos de plantão. Com a pulverização de legendas que ocorreu a partir da redemocratização, obviamente algumas delas são mais identificadas com este grupo, mas ele perpassa vários partidos, incluindo MDB e DEM. Algumas dessas legendas são controladas por expoentes do grupo, como no caso do PTB, há anos comandada por Roberto Jefferson.

A maioria dos partidos pelos quais passou Bolsonaro como deputado, tinham em sua composição a predominância de membros do Centrão. Nunca, no entanto, o medíocre deputado conseguiu obter espaço no grupo. De um lado, por absoluta incapacidade e, por outro, pois mesmo para um grupo de poucos pruridos éticos, Bolsonaro era de pouca confiabilidade. Assim, nunca conseguiu sequer uma indicação para posição irrelevante em alguma comissão de menor importância, de emendas obteve apenas raspas de tacho e nunca conseguiu qualquer cargo ou indicação para os governos que o Centrão apoiou. Teve que se contentar com as rachadinhas, metendo a mão nos salários de seus funcionários assim como nas verbas de gabinete, utilizando notas frias de combustível e aluguel.

Um mínimo de lealdade, algo muito caro na caserna, nunca foi o forte de Bolsonaro e este seu traço de personalidade já foi visível na sua curta carreira militar. Seu afastamento do Exército não decorreu apenas de indisciplina. Os atos praticados pelo então tenente, para além de insubordinação, podem ser considerados como deslealdade e traição, pois até o planejamento de ato terrorista lhe foi atribuído. O troca-troca de partidos durante seus mandatos reforça tal traço e até mesmo suas relações conjugais demonstram pouca confiabilidade. Bolsonaro tratou sempre de cuidar de sua própria sobrevivência durante sua vida parlamentar e não é, nem será diferente no mandato presidencial.

Obviamente manterá o discurso conservador e moralista, pois foi isto que possibilitou as suas sucessivas reeleições como deputado e é o que assegurará os mandatos de seus filhos. Para assegurar esta base eleitoral, no entanto, não precisa de interlocutores. Talvez até gostasse de manter Weintraub, Ernesto Araújo e Salles, pois são fiéis lambe botas, algo que a vaidade de Bolsonaro cultiva. No entanto, não precisa desses indivíduos, pois eles não têm votos e, portanto, são plenamente descartáveis. Diante da pressão do Centrão e da necessidade de constituir uma base mínima de sustentação parlamentar, não vacilou em despachá-los. Weintraub ainda conseguiu um carguinho de consolação. Ernesto Araújo, segundo alguns jornalistas, reclama de ter sido abandonado e Salles será jogado à própria sorte para responder na justiça as suas falcatruas com os madeireiros.

Outra base eleitoral que sempre sustentou os mandatos de Bolsonaro foi o setor militar. Ainda que tenha sido desleal, indisciplinado e traidor, o seu discurso de defesa da tortura e do regime militar sempre sensibilizou o setor mais raivoso e ressentido das Forças Armadas. Ao alçar à Presidência com o aval e ativa participação do alto comando do Exército, imaginou que os militares lhe dariam sustentação na imposição de um regime totalitário. No início do governo, tentou uma composição palaciana com Lorenzoni na Casa Civil e Bebianno na Secretaria Geral. Bebianno foi rapidamente descartado e Lorenzoni também não durou muito. Os militares ocuparam todos os cargos estratégicos.

A base militar pode ter sido importante para as eleições de Bolsonaro a deputado, mas certamente não tem grande peso em uma eleição presidencial. A expectativa que Bolsonaro sempre teve é de que o apoio militar servisse de instrumento de intimidação aos demais poderes. Tal instrumentalização encontrou resistência em Azevedo e Pujol e resultou em uma crise, com o afastamento do ministro da Defesa e dos três comandantes. Braga Neto foi para a Defesa para cumprir o papel de porta voz de Bolsonaro e Ramos o substituiu na Casa Civil. Até aqui, apesar da crise, os militares bolsonaristas conseguiram manter suas posições de mando no governo.

A desidratação do governo em decorrência das revelações da CPI da Covid foi transformando Bolsonaro cada vez mais em refém do Centrão. Não se trata mais de apenas impedir a abertura de um processo de impeachment, mas também e principalmente de sobrevivência eleitoral. Caso o Centrão, vislumbrando a vitória do petista, dê uma guinada e decida pelo apoio a uma eventual candidatura de Lula, é bem possível que este liquide a fatura ainda no primeiro turno. Na hipótese de o Centrão decidir pelo apoio a uma terceira via, pode tirar Bolsonaro do segundo turno. Não resta, portanto, outra opção senão jogar todas suas fichas em manter a aliança com os centristas até a eleição de 2022. Não terá nenhum prurido em sacrificar os militares para tanto.

Bolsonaro tem tanto apreço por seus aliados que Ramos sequer foi comunicado ou consultado sobre sua substituição por Ciro Nogueira. Ao Estadão, o general declarou: “Eu não sabia, estou em choque. Fui atropelado por um trem, mas passo bem”. Enquanto o Centrão, que já tem a Articulação Política com Flávia Arruda, assume também a articulação e coordenação de governo com a Casa Civil, como prêmio de consolação a Ramos, ser-lhe-á dada a Secretaria Geral. Ou seja, o general será transformado em uma espécie de ajudante de ordens do capitão. Quanto a Braga Netto, enquanto continuar servindo de cão de guarda de Bolsonaro, fazendo ameaças golpistas, provavelmente se manterá no cargo. Ao tempo em que Pazuello cumpre o papel de afundar a imagem das Forças Armadas no lamaçal da corrupção, Ramos e Braga Netto, com seu servilismo, as expõem ao ridículo. Bolsonaro, por sua vez, enquanto lhe for conveniente, continuará sendo Centrão desde criancinha.

 

*Jorge Gregory, jornalista e professor universitário, trabalhou no Ministério da Educação (MEC)

(PL)