Há duas semanas, o governo russo iniciou uma intervenção militar no território da Ucrânia. O mundo passou a acompanhar com preocupação uma guerra com consequências ainda imprevisíveis. Toda guerra se expressa, aos nossos olhos, em mortes de civis inocentes, muitas delas crianças, além do sofrimento, dor, desterritorialização de famílias inteiras que se tornaram refugiadas, cenas de destruição e medo e traumas psicológicos duradouros. Os alvos são as áreas estratégicas de defesa, infraestrutura e comunicação, mas é inevitável que a vida do povo seja absurdamente afetada por grandes perdas.

Por Jandira Feghali*

Para além do conflito armado, há uma outra guerra em curso: a da informação, ou da desinformação. Uma “guerra de narrativas”. A tragédia que se abateu sobre a Ucrânia  faz parte de um quadro complexo e extremamente difícil da ordem internacional, mas o filtro da cobertura e dos “especialistas” que fazem as análises na grande mídia brasileira não permitem a observação ampla dos interesses que estão internalizados neste conflito, todos os responsáveis por ele e por que ele se instalou. Será que foi apenas pela tirania e perversidade de um governante? Pelo prazer da guerra e da destruição? Para obter sanções econômicas, políticas e culturais, arriscando o isolamento internacional? Não me parecem questões razoáveis.

A OTAN foi criada na Guerra Fria, em 1949, para conter a União Soviética e sempre teve o comando principal dos EUA. Esta polarização ideológica estendeu-se até 1991, quando a URSS foi dissolvida por sua própria decisão, sua orientação político-ideológica foi modificada  e se desmembrou em 15 estados independentes, dos quais o principal é a Federação Russa. Desfez-se o Pacto de Varsóvia, mas a OTAN, que também deveria ter se desfeito, rompeu o acordo estabelecido e, em vez de manter-se nos seus limites, incorporou cada vez mais países em direção ao Leste da  Europa, passando de 12 para 30 nações integrantes da aliança, cercando a fronteira da Rússia. A Macedônia do Norte completou esta lista em 2020.

Em todo este período, muitas foram as turbulências, mas quero destacar o cerco às fronteiras russas, estabelecendo um perigoso conflito geopolítico, colocando em risco a segurança da Rússia, que é  uma grande potência militar – a segunda em  força bélica mundial, nuclear, inclusive. Um país importante economicamente e energeticamente para a Europa e para o equilíbrio mundial. Na Ucrânia, por descumprimento dos acordos de Minsk, existe guerra há pelo menos oito anos na região de Donbass, onde a população civil, majoritariamente de origem russa, é permanentemente reprimida e massacrada por forças regulares do governo e com a incorporação de milícias neonazistas desde a “revolução colorida” de 2014 que derrubou o presidente eleito, que não desejava a incorporação à OTAN. Essas imagens e dados não são mostrados ao mundo porque ocorrem sob a gestão de Zelensky, que se perfila com o governo norte-americano, interessado na instabilidade da região.

Não estamos tratando de uma disputa de projetos ideológicos de mundo, como se constituiu na Guerra Fria, pois tanto os EUA como a Rússia são países capitalistas. Nem Putin é um líder de esquerda que pretenda retomar a URSS. Trata-se, portanto, de disputas estratégicas de estados nacionais e sua soberania, sua segurança e integridade. Os EUA instalaram bases militares na Romênia e na Polônia a 160 km da  fronteira russa, com lançadores de mísseis e sistema tecnológico sofisticado. A base romena entrou em operação em 2016. As tentativas de negociação são antigas e uma das exigências de Vladimir Putin no cerco inicial à Ucrânia, antes da intervenção militar, foi a redução da militarização na Europa do Leste e a não entrada da Ucrânia na OTAN. Mas tudo foi terminantemente negado pelos EUA e pela própria OTAN.

O discurso de Joe Biden no Congresso Americano na última semana nos remeteu à Guerra Fria, abriu confronto com a Rússia e a China, e sabemos que a disputa não se dá apenas no potencial bélico, mas na fronteira tecnológica e de inovação.

O presidente da Ucrânia, tratado como herói pelos EUA, Europa e sua grande imprensa, está armando a população civil e transformando jovens, de coquetel molotov nas mãos, em alvos formais da guerra. Uma atitude irresponsável, criminosa, que, somada às resoluções da União Europeia e ao envio de armas pelos EUA e demais países, só contribui para o agravamento da guerra e para a intensificação das hostilidades em vez de buscar as saídas necessárias para a negociação e o cessar-fogo.

Vladimir Putin dificilmente recuará, apesar de todas as sanções, porque tem absoluta superioridade militar e uma derrota o levaria à sua autodestruição diante de um mundo onde os EUA buscam hegemonia unilateral.

Nós sempre defendemos os princípios da não intervenção, do respeito à soberania das nações, da autodeterminação dos povos, da integridade dos territórios. Por isso, consideramos que as pressões diplomáticas deveriam ter sido intensificadas para que o caminho da guerra não fosse trilhado.

O mundo capitalista sempre imporá guerras à humanidade. Só conseguiremos respeitar, de fato, a soberania e autodeterminação dos povos quando atingirmos uma organização superior das sociedades e o capital não for o mobilizador central do modo de viver, produzir e estabelecer relações no mundo.

É sempre doloroso ver as imagens de uma guerra. É lamentável reconhecer que o nosso país não tem credibilidade internacional nem para tentar contribuir em uma mediação.

Pior ainda é ter a consciência de que, neste conflito, estão em jogo muito mais do que Rússia, Ucrânia e Europa. Está em jogo uma nova correlação de forças no mundo e o Brasil assiste como um jogador contundido, que nem foi chamado para acompanhar no banco de reserva.

Continuamos defendendo o fim das hostilidades, o cessar-fogo e uma saída negociada para o conflito!

 

*Jandira Feghali é deputada federal (PCdoB-RJ) e vice-presidenta nacional do PCdoB

 

Artigo originalmente publicado no site Brasil 247

 

(PL)