Níveis de rejeição crescentes. Denúncias contundentes apontam ações e omissões do governo na desastrosa e criminosa condução do enfrentamento à pandemia. Provas em relação à prática de peculato se avolumam. Formação de um gabinete paralelo e um esquema de corrupção envolvendo pagamento de propina na compra de vacinas, única esperança para preservar a vida dos brasileiros e brasileiras. Uma política ambiental orientada para a devastação. Uma pauta econômica voltada para a perda de direitos e a desconstrução do Estado brasileiro por meio do desmonte de políticas públicas e privatizações. A saúde e a educação padecem, asfixiadas pelo teto de gastos que, ao fim e ao cabo, beneficia o setor privado. Não temos um governo, mas um balcão de negócios. O resultado é óbvio: mortes, fome, desemprego, orfandade e aumento da desigualdade.

Por Jandira Feghali*

Como se não bastasse, Jair Bolsonaro agora urde uma trama para se manter no poder à revelia da vontade popular. As pesquisas indicam que Bolsonaro perderia em todos os cenários. Como ele sabe que no voto não ganha, escolheu a trilha do golpe. Este é o caminho pavimentado pelo debate esdrúxulo e extemporâneo sobre a adoção do voto impresso.

Na proposta que tramita na Câmara, de autoria da deputada da base do governo, Bia Kicis, o resultado será contado a partir dos votos impressos. A urna eletrônica será utilizada apenas para imprimir o voto. A apuração será realizada pelos mesários em cada uma das mais de 500 mil seções eleitorais espalhadas pelo país. A lisura do processo passa a depender de 1,8 milhão de mesários, que manipularão as cédulas. As forças de segurança pública ou as Forças Armadas deverão transportar as urnas com os votos impressos apurados de todas as seções eleitorais do país, para as sedes dos TREs. O voto impresso não será uma amostragem ou um mecanismo de auditoria. Ele passa a ser o determinante da apuração.

Alguém de bom senso pode considerar que este mecanismo pode ser mais seguro do que a urna eletrônica?

Não fosse o aspecto técnico, considero ainda mais grave a dimensão política da proposta neste momento. No ano em que o Brasil registra os 25 anos do voto eletrônico, é importante registrar que todos os presidentes eleitos nesse processo o foram em diferentes contextos e partidos. O PSDB por duas vezes, PT quatro e o atual eleito pelo PSL. E, enquanto uma comissão especial se debruça sobre mudanças no nosso sistema eleitoral, assistimos a manobras para manter viva a proposta que retoma o voto de papel. Não é sem razão que esta verdadeira ópera bufa caminha para atropelar a democracia e a representatividade. Ela cumpre dois objetivos muito caros ao bolsonarismo. Ambos maléficos.

Não é novidade que a propaganda bolsonarista é reforçada em momentos em que o presidente e sua família são envolvidos em escândalos de corrupção. É uma tática conhecida e, além de servir como cortina de fumaça, busca alimentar seu público apelando para uma característica que é comum a ele: o saudosismo. Saudosismo já expresso no seu clamor reiterado à ditadura e à tortura. A urna eletrônica é sustentada em tecnologia, é auditável, mas não basta esta afirmação no enfrentamento político estabelecido. É preciso demonstrar o que está em jogo.

O presidente sabe que não haverá apoio para o voto impresso. E isso para ele não importa. O que pretende é colocar em dúvida o resultado que ele, de antemão, sabe que não lhe favorecerá. Seu objetivo é permanecer no poder, de onde pode se proteger e aos seus, enquanto negócios nada republicanos se dão. Ele tenta dar uma de “João sem braço” quando diz não ser servidor público para escapar do crime de prevaricação. Chega a ser pueril. Afinal, ele não sabe qual é sua função como presidente da República?

Além dessa bravata, que mascara seu temor real, as ameaças à democracia tem sido projeto do seu mandato. Permanentemente provoca rupturas institucionais, invade competências, desrespeita a Constituição, agride ministros do STF, parlamentares. Tem recidivado na tese de que “se não houver voto impresso, não haverá eleição em 2022”, como se as eleições fossem uma questão de vontade do chefe de Estado e não uma determinação constitucional. Mais uma vez enviando recados inaceitáveis e que não devem ser reconhecidos como algo sério para o Brasil. Deslegitimar o processo eleitoral a partir do resultado que ele espera, faz sentido apenas na cabeça dos autoritários e golpistas.

Enquanto o Presidente da República se ocupa em ameaçar o País, deveria se preocupar com a extrema pobreza que cresce, com os sem teto que ocupam as ruas, com as famílias em desespero pela falta de oportunidade, com os cortes orçamentários que provocou no auxílio emergencial, no SUS, nas universidades e nos projetos de pesquisa das vacinas e na cultura brasileira.

Esse desmonte de políticas precisa ser interrompido. O país não aguenta mais 1 ano, que dirá mais 5. Há muito o que fazer para o Brasil retomar o caminho do desenvolvimento, sair do mapa da fome e promover os investimentos necessários para a geração de emprego e renda e para as políticas sociais. Cada dia a mais deste governo significa mais retrocessos a corrigir.

Bolsonaro imagina que aumentando o valor do Bolsa Família, tudo estará resolvido e que ele poderá ganhar as eleições. Pode até ganhar alguns votos, mas não acredito que o povo brasileiro irá esquecer das milhares de vidas perdidas por falta de vacinas e da adoção de medidas que poderiam reduzir a taxa de transmissibilidade; das crianças que morreram por desnutrição; dos dois anos sem nenhum tostão no bolso e sem ter o que comer, vivendo da solidariedade do vizinho; do tempo vivido sob sol ou chuva sem um teto para cobrir a cabeça; da dor de perder um filho para a doença, para a fome ou para o preconceito aumentado pelo obscurantismo.

O Brasil quer luz, vida e felicidade e isso só será possível pós Bolsonaro. Nossa luta pelo impeachment, além de amparada pelos sucessivos crimes de responsabilidade, é uma luta pelo Brasil que sabemos poder existir. Um Brasil sem mentiras, sem esquemas e, pincipalmente, um país onde seu governante respeita a Constituição, as instituições e a democracia. Este Brasil é incompatível com Jair Bolsonaro.

 

*Jandira Feghali é deputada federal do PCdoB-RJ e vice-líder da Minoria na Câmara

Artigo originalmente publicado no site da revista CartaCapital

(PL)