A democracia ameaçada foi revigorada nos últimos dias pelo Parlamento brasileiro. A resposta esperada pela sociedade foi dada. O voto impresso foi derrotado e passos foram dados na reforma eleitoral em direção à pluralidade partidária na vida institucional brasileira.

Por Jandira Feghali*

O voto eletrônico, plenamente auditável, prevaleceu e foi evitado que a apuração das eleições ficasse nas mãos de quase 2 milhões de mesários, onde a fraude, aí sim, poderia ser a grande aliada do resultado final das eleições. Nem mesmo aquele espetáculo pavoroso de alguns tanques cheios de fumaça desfilando pela Esplanada foram capazes de mudar a decisão sensata e democrática da Câmara dos Deputados. Um espetáculo que gerou piadas pelo mundo e armado para enviar recados ao Congresso e, com palavras de baixo calão desferidas por sua excelência, o Presidente da República, atingir Ministros do STF ou do TSE.

Ao contrário do desejado, só fizeram ver o quanto era importante reafirmar a altivez e independência nesta matéria. Diferente do que alardeiam, os votos a favor não foram majoritários. Em votação de emenda constitucional, os parlamentares propositadamente faltosos somam contra, portanto, os votos para não aprovar somaram 283 contra 229.

Mas, as ameaças de Jair Bolsonaro continuam, os discursos de ódio se ampliam, as mobilizações pelo impeachment de Ministros do STF e pelo voto impresso. Na verdade, tais pautas NÃO factíveis mostram, apenas, que o governo fragilizado precisa de uma bandeira para unir sua base de crédulos, na medida em que sua popularidade vem caindo. A perspectiva de derrota o faz prospectar a desconfiança no resultado das eleições de 2022. Até nisto, Bolsonaro não consegue ser original. Tenta ser a cópia mal feita de seu ídolo Donald Trump.

Mesmo depois de semanas de intensa mobilização nas redes bolsonaristas , a base governista não conseguiu os votos para aprovar o que seria um enorme retrocesso. O voto impresso foi sepultado e não será ressuscitado na casa, muito menos vai andar o impeachment de ministros do STF.

Os que hoje ameaçam golpes não representam as preocupações principais dos setores que dizem representar, como o valor dos caminhões, a imagem do Brasil na política ambiental para ter seus produtos comprados lá fora, a alimentação da população brasileira, a celeridade da vacina, os efeitos nocivos dos agrotóxicos, o valor dos pedágios nas estradas e a política de combustíveis do governo, que não muda e os asfixia. Estamos assistindo provocações, novas ameaças, tensões em nome de segmentos econômicos importantes da economia, que negam participação nestas mobilizações. As respostas tem que ser firmes e serenas. Apostar na democracia, nas instituições, e na força soberana do povo.

Mas também quero muito expressar minha opinião sobre um importante item da reforma eleitoral já aprovado no Senado e nesta semana aprovado na Câmara dos Deputados: a federação de partidos.

Esta inovação na legislação brasileira é, na verdade, uma antiga proposta. Foi debatida por muitos constituintes e pelo meu partido, inclusive pelo saudoso e querido Haroldo Lima. O texto que já tramitou pelo Senado Federal e chegou à Câmara foi resultado da comissão da reforma política daquela casa. A federação de partidos já existe em vários países da Europa e da América Latina, como Alemanha, Portugal, Uruguai e Chile. Ela permite que dois ou mais partidos, com identidade programática, se unam como uma mesma agremiação para as eleições, mas também no parlamento por pelo menos quatro anos.

Os partidos que a integram mantem sua autonomia, identidade e símbolos, não se extinguem, mas a federação tem um estatuto de funcionamento próprio. A consequência é a redução voluntária de legendas na disputa e no exercício parlamentar e a possibilidade real de superação de restrições a que partidos com programas e ideologias densas sejam impedidos de existirem institucionalmente, ficando garantida a pluralidade de pensamento e de todas as correntes e matizes à direita, ao centro e à esquerda.

Portanto, esta não é uma questão que só interessa a um campo politico-ideológico, mas à democracia brasileira. Agora foi à sanção presidencial e por isso esperamos que não haja vetos e que o arcabouço legal brasileiro tenha esta moderna e inovadora forma de associação partidária.

A derrota do distritão, por amplo acordo na Câmara, garantiu a manutenção do sistema proporcional das eleições, que são mais democráticas e permitem maior representatividade, reforço aos partidos, renovação e espaço às minorias. No texto foram reforçadas as participações das mulheres e negros, contando em dobro para efeito do cálculo do fundo o fundo partidário, os votos dados nestas candidaturas, uma forma de torná-las efetivamente competitivas e não meramente cumpridoras de espaços nas chapas.

Mas, nem bem tivemos tempo de celebrar tais resultados e uma nova tempestade surgiu. Quem diz que “depois da tempestade vem a bonança” desconhece o governo Bolsonaro. Não há bonança possível com um presidente que se comporta como animador de torcida. Sua meta não é salvar vidas, garantir vacinas, acabar com a fome ou com as desigualdades. Seu objetivo diário é estimular rupturas institucionais. Do alto do cargo maior de nosso país, orquestra ataques às instituições, inflama a população a não aceitar resultados das urnas, dirige uma rede voltada a distribuir mentiras e desorientar as pessoas em meio à pandemia, movimenta bases contra o parlamento e o STF.

A bonança virá apenas após Bolsonaro. Enquanto isso não acontece vai aqui um segundo ditado direcionado a ele. Na política, quem semeia vento, colhe tempestade. E, desta, ele não escapará.

 

*Jandira Feghali é deputada federal do PCdoB-RJ

 

Artigo originalmente publicado na revista CartaCapital

 

(PL)