O STF reafirmou em novembro a legalidade do compartilhamento de informações fiscais e bancárias com o MP.

O Ministério Público do Rio (MP-RJ) decidiu retomar as investigações sobre lavagem de dinheiro e peculato (desvio de dinheiro público) contra o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e seu ex-assessor Fabrício Queiroz. As investigações estavam paralisadas desde julho deste ano, por decisão do ministro Dias Toffoli. Ele atendeu ao pedido de Flávio Bolsonaro, que alegava ilegalidades na investigação.
As “ilegalidades” aventadas pelo criminoso eram os compartilhamentos de informações sigilosas por órgãos como a Unidade de Inteligência Financeira (UIF, antigo Coaf) e a Receita Federal com o Ministério Público e órgãos policiais sem autorização judicial. Não havia necessidade de autorização judicial para que houvesse o compartilhamento. Entretanto, Dias Toffoli acatou o pedido de Flávio e suspendeu todas as investigações que tivessem usado informações compartilhadas dos órgãos de fiscalização.
O salvo-conduto para a retomada da apuração foi dado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A corte reafirmou em novembro a legalidade do compartilhamento de informações fiscais e bancárias com o MP.
Com a decisão de Toffoli, cerca de 935 investigações que atingiam o crime organizado, o crime do colarinho branco, o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro e outros foram paralisados em todo o país. Flávio Bolsonaro ainda obteve uma liminar dada pelo ministro Gilmar Mendes que impedia qualquer movimentação no inquérito que o investigava.
Flávio virou alvo de suspeita após Relatório de Inteligência Financeira (RIF) do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontar que Queiroz recebia depósitos regulares de colegas de gabinete. Essas movimentações ocorriam perto do pagamento de salários. As primeiras informações mostravam uma movimentação financeira que chegou a R$ 1,2 milhão entre 2016 e 2017. Depois esse valor atingiu R$ 7 milhões na conta de Fabrício Queiroz, quando a análise incluía os anos de 2014 até 2017. Os valores eram incompatíveis com os rendimentos do ex-assessor.
O MP/RJ teve muita dificuldade nas investigações já que Queiroz e seus familiares, todos lotados no gabinete de Flávio faltaram a quatro convites para que comparecessem ao MP no Procedimento Investigatório Criminal (PIC) sigiloso do MP-RJ.
Todos os tipos de alegações foram apresentadas. A dele foi problema de saúde. O desaparecimento por meses rendeu à oposição um mote, “Cadê o Queiroz?” , desfeito depois que o PM aposentado foi localizado pela revista Veja, na capital paulista. O ressurgimento se tornaria incômodo em outubro, quando, em áudio, o ex-assessor foi flagrado afirmando que o MP teria “uma pica do tamanho de um cometa” para “enterrar” nele e em um interlocutor não identificado.
À medida que a investigação se aproximava de Flávio – inclusive com a quebra do sigilo bancário e de dezenas de outras pessoas físicas e jurídicas ligadas a ele, determinada pelo juiz Flávio Itabaiana – aumentou a movimentação dentro do governo. “Venham para cima, não vão me pegar”, reagiu o presidente Jair Bolsonaro.
Foi a partir desse momento que o presidente iniciou uma cruzada para intervir nesses órgãos. Tirou o Coaf do Ministério da Justiça, demitiu seu presidente, mudou o nome e enfiou o Coaf no terceiro escalão do Banco Central. Não satisfeito, demitiu o Superintendente da Polícia Federal do Rio e interveio na Receita Federal do Rio de Janeiro.
HISTÓRICO
A investigação que envolve o filho de Jair Bolsonaro faz parte da Operação Furna da Onça, desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro, que prendeu dez deputados estaduais. No fim de 2018, relatório do Coaf apontou operações bancárias suspeitas de 74 servidores e ex-servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
O documento revelou movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz, que havia atuado como motorista e assessor de Flávio Bolsonaro, à época em que o parlamentar do PSL era deputado estadual. Esse valor correspondia a um período de um ano, de 2016 a 2017. Quando se retrocedeu a 2014, o valor movimentado por Queiroz chegou a R$ 7 milhões.
No pedido de quebra do sigilo bancário e fiscal de Flávio, Queiroz e dos demais envolvidos, o Ministério Público do Rio expôs indícios de organização criminosa, lavagem de dinheiro e peculato no gabinete do filho de Bolsonaro, na época em que era deputado estadual.
As autoridades também investigam as ligações do esquema de propinas do gabinete de Flávio Bolsonaro com lavagem de dinheiro das milícias do Rio de Janeiro. O gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) empregou a mãe e a esposa do ex-capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, chefe do ‘Escritório do Crime’, grupo de assassinos de aluguel ligado à milícia e investigado pela morte da vereadora Marielle Franco.
Conhecido como “Capitão Adriano”, o ex-PM foi um dos alvos da Operação “Os Intocáveis”, realizada pela Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro na manhã da terça-feira (16/07), que prendeu cinco milicianos. Adriano está foragido.
A mãe do ex-capitão, Raimunda Veras Magalhães, de 68 anos, era funcionária no gabinete de Flávio Bolsonaro durante parte de seu mandato como deputado estadual. Raimunda aparece na folha da Alerj com salário líquido de R$ 5.124,62.
A mãe do miliciano está nos quadros da Alerj desde o dia 2 de março de 2015, quando foi nomeada assessora da liderança do PP, ao qual Flávio Bolsonaro era filiado. Saiu em 31 de março do ano seguinte, quando o deputado migrou para o PSC. Em 29 de junho de 2016, foi lotada no gabinete de Flávio. Foi exonerada dia 13 de novembro do ano passado.
A mulher de Adriano, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega também foi lotada no gabinete de Flávio na Alerj, com o mesmo salário da sogra. Ela é listada na Assembleia desde novembro de 2010 e foi exonerada junto com a sogra.
Raimunda Magalhães aparece no relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) como uma das remetentes de depósitos para Fabrício Queiroz, ex-motorista de Flávio Bolsonaro e amigo pessoal de seu pai, Jair Bolsonaro.
Mensagens contidas no telefone de Danielle Nóbrega, mulher do miliciano foragido Adriano Nóbrega, apreendido pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio, durante a Operação “Os Intocáveis”, revelaram que Fabrício Queiroz, assessor de Flávio Bolsonaro, demitiu Danielle para tentar blindar Flávio e evitar que se tornasse pública a vinculação do gabinete do atual senador com o criminoso de aluguel.
No mesmo dia em que veio a público a investigação por movimentações milionárias, em dezembro de 2018, Queiroz comunicou por Whatsapp a Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, ex-mulher de Adriano Magalhães da Nóbrega, o “Capitão Adriano”, chefe de milícia da zona oeste e integrante do Escritório do Crime, que ela estava exonerada do gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa (Alerj).
Por mensagem de texto, Queiroz pediu à Danielle que evitasse usar o sobrenome do miliciano. Para reforçar o pedido, encaminhou uma foto, divulgada pela mídia na época, na qual ele e Flávio aparecem juntos, lado a lado, no gabinete. Queiroz explicou que o motivo era o fato de que os dois eram alvo de uma investigação.
Procurado, Queiroz confirmou a conversa e disse, por meio de seus advogados, que “tais diálogos tinham como objetivo evitar que se pudesse criar qualquer suposição espúria de um vínculo entre ele, Flávio e a milícia”.
Ou seja, Queiroz pediu para Danielle se esconder e fingir que não conhecia o miliciano com quem era casada. Ele e outros 13 milicianos estavam sendo procurados pela operação “Os Intocáveis”. Todos foram presos, menos Adriano, que está foragido até hoje.