O superpetroleiro conduz 2,1 milhões de barris de petróleo Foto: Jorge Guerreiro/AFP

Apesar da pressão de última hora de Washington, a Grã Bretanha piscou primeiro no impasse dos petroleiros com o Irã, com a Suprema Corte de Gibraltar, colônia britânica encravada na Espanha, declarando na quinta-feira (15) que o superpetroleiro iraniano Grace 1 “não está mais detido”, após o governo da colônia retirar seu pedido de 4 de julho de apreensão da embarcação.

O próprio chefe do executivo da colônia inglesa, Fabian Picardo, confirmou que o superpetroleiro iraniano estava livre para deixar Gibraltar após 40 dias ao declarar que o Grace 1 “está portando agora liberado da detenção por decisão legal confirmada esta tarde pelo chefe da Suprema Corte”.

Picardo disse, ainda, que na medida em que não haveria mais violação da legislação europeia, Gibraltar – isto é, Londres – “não considera ser do interesse público tentar privar o navio ou sua carga”.

A decisão de liberação do Grace 1 foi registrada pelo jornal Gibraltar Chronicle e comemorada pelo embaixador iraniano na Grã Bretanha, Hamid Baeidinejad. “A América tentou desesperadamente bloquear a liberação do petroleiro até o último minuto, mas sofreu uma derrota humilhante”, postou o embaixador.

Ele acrescentou que “todas as preparações estão sendo feitas para o petroleiro navegar em águas abertas e a embarcação logo deixará Gibraltar”. Também o capitão e três tripulantes do Grace 1 foram liberados. O superpetroleiro conduz 2,1 milhões de barris de petróleo.

A manobra judicial de Washington – para manter a captura do Grace 1 e a crise no Golfo Pérsico – foi empurrada com a barriga pelo presidente da Suprema Corte da colônia inglesa, o juiz Anthony Dudley, que disse que as alegações dos EUA serão analisadas à parte.

Conforme a mídia, na nova investida, Washington passou a dizer que o petroleiro tinha que continuar detido porque violava as sanções norte-americanas contra o Irã – que legalmente não valem na Europa.

Como o Irã denunciara, a captura do petroleiro iraniano por marujos ingleses, a partir de uma ordem de Washington ao governo de Theresa May, não passava de uma provocação escancarada, voltada para agravar a crise imposta com a retirada unilateral de Trump do acordo nuclear com Teerã que seu antecessor, Obama, e mais Grã Bretanha, França, Rússia, China, Alemanha e União Europeia, haviam assinado.

Partiu do Ministério das Relações Exteriores da Espanha a informação de que a apreensão do superpetroleiro em Gibraltar fora feita a pedido dos EUA.

O ministro das Relações Exteriores iraniano, Mohamad Javad Zarif, repudiou a reiteração da provocação por Washington ao insistir em bloquear a liberação do superpetroleiro. “Esta tentativa de pirataria mostra o nível de desprezo que o governo Trump tem pela lei”, postou no Twitter, onde acusou os EUA de tentar “abusar do sistema judicial e roubar bens [iranianos]”.

A expectativa de Londres é que, ao encerrar sua participação na provocação do governo Trump em Gibraltar, se abra o caminho para, reciprocamente, a liberação do petroleiro de bandeira britânica Stena Impero, capturado no dia 19 de julho pela Guarda Revolucionária Iraniana no Estreito de Ormuz por várias transgressões à navegação na hidrovia mais movimentada do mundo, por onde passa 20% de todo o petróleo exportado no mundo. Uma óbvia resposta ao achaque no Estreito de Gibraltar.

Para salvar a face, Londres, o governo da colônia de Gibraltar e a Suprema Corte local consideraram que as garantias dadas por Teerã de que a carga de petróleo não tem a Síria como destino são “suficientes” e que, portanto, não há motivo para alegar violação de sanções europeias. O pretexto para a ilegal captura fora de que o navio estaria levando petróleo “para a Síria”.

Pretexto que havia sido rebatido pelo ex-primeiro-ministro sueco e co-presidente do Conselho Europeu de Relações Exteriores, Carl Bildt: “a legalidade da apreensão britânica de um petroleiro rumo à Síria com petróleo do Irã me intriga. Ao referir-se às sanções da União Europeia contra a Síria, mas o Irã não é membro da UE. E a UE, como princípio, não impõe suas sanções aos outros. É o que os EUA fazem”.

Picardo, ao retirar essa folha de parreira com que buscara dar ar de legalidade à tomada arbitrária do petroleiro iraniano, admitiu que “à luz das garantias que recebemos, não há mais motivos razoáveis para a continuação da detenção de Grace 1″.

A decisão de Londres foi precedida por uma reunião na semana passada com o conselheiro de segurança nacional de Trump, John Bolton, e é altamente improvável que o notório maníaco de guerra não haja tentado interferir contra a liberação do superpetroleiro do Irã.

A desescalada incluiu a legalização da situação do Grace 1, cuja bandeira fora retirada pelo Panamá e passou a ser iraniana. Ao final e ao cabo, o episódio, que sequer deveria ter começado, está sendo encerrado como propôs Teerã desde o primeiro momento: via diplomacia e retorno ao bom senso.