"Al Baghdadi está morto e o mundo agora é um lugar mais seguro", disse Trump com pose do "homem que matou o facínora". (Foto: Timothy A Clary/AFP)

Com o processo de impeachment ganhando fôlego e até supostas ‘armas fumegantes’ – evidências incontestáveis, no imaginário norte-americano -, o presidente Donald Trump agiu decisivamente neste domingo (27) para alegrar seu eleitorado e mudar de assunto, anunciando pomposamente a execução do chefe dos terroristas do ‘Estado Islâmico’, Abu Bakr Al Baghdadi, por tropas especiais norte-americanas, no noroeste da Síria.

Na véspera, para criar clima, tuitara que “algo muito grande acabou de acontecer” e, após oficializar a “ousada operação”, asseverou que o mundo “estava mais seguro”, “Abu Bakr Al Baghdadi está morto”.

Trump asseverou que o terrorista havia morrido “como um cão” na tentativa de fuga por um túnel, “gemendo, gritando e chorando”, até se ver sem saída diante do “poderio americano” e acionar um colete explosivo que usava, “matando a si e três filhos que o acompanhavam”.

A Casa Branca depois relatou que na manhã de sábado houve a confirmação sobre a presença do terrorista em Idlib, em local que já estava sob vigilância há duas semanas, e que oito helicópteros haviam participado da incursão, mais dois drones, aviões e tropas especiais.

Segundo Trump, os EUA “levaram o líder terrorista número um do mundo à justiça” – afirmação que não procede, já que não houve qualquer julgamento – afinal poderia se tornar embaraçador Al Baghdadi contar como é que aquelas SUVs importadas novinhas em folha, aquelas montanhas de dólares e tanto armamento foram parar nas mãos do seu bando de assassinos no meio do deserto. Ou como podia revender à vontade petróleo roubado.

Pior ainda, como ele ia explicar o que fazia naquela reunião em maio de 2013, em que posou para foto ao lado do senador John McCain, num convescote de ‘combatentes da liberdade’ para a Síria? Em Kiev, no ano seguinte, McCain distribuiu rosquinhas e notas de cem dólares. E lá, o que teria sido? Quibe? Esfihas?

Não é a primeira vez que Al Baghdadi é declarado morto. Havia um prêmio sobre sua cabeça de US$ 25 milhões. A ser verdadeiro que uma operação das forças especiais haja executado sumariamente Al Baghdadi, é de se esperar que nos quintos dos infernos seja McCain que faça as honras da casa ao novo inquilino.

Segundo a agência turca de notícias Anadolu, a operação durou horas e o líder terrorista morreu perto da aldeia de Barisha. Os corpos de sete pessoas foram encontrados no local da operação, incluindo uma criança e três mulheres, informou a agência. Modestamente, o chefe do Pentágono de Trump, Mark Esper, disse que a incursão que resultou na morte de Al Baghdadi foi “uma operação brilhantemente executada”.

Antes da invasão de W. Bush para assaltar o petróleo iraquiano, usando mentiras, não havia ‘Estado Islâmico’ (Daesh, como é chamado pelos árabes), nem Al Qaeda, nem terroristas no Iraque, e o terrorismo foi cevado para minar a soberania da Síria e, antes, da Líbia, em prol do doentio projeto de um ‘novo Oriente Médio’, sob encomenda dos monopólios dos EUA e do apartheid israelense. O EI – com suas decapitações filmadas hollywoodianamente, escravas sexuais e barbárie contra outros credos – era uma parte particularmente nauseante desse plano doentio.

Como registrou a agência de notícias russa TASS, o Ministério da Defesa da Rússia não tem “provas confiáveis” de que Al Baghdadi, líder do Estado Islâmico, foi morto em uma operação norte-americana e duvida que tal operação tenha ocorrido, disse o porta-voz do ministério, Igor Konashenkov, no domingo.

“O Ministério da Defesa da Rússia não tem informações confiáveis sobre uma operação das forças americanas na parte controlada pela Turquia da zona de desescalada de Idlib, voltada ao extermínio do líder do Estado Islâmico Abu Bakr Al Baghdadi”, disse ele.

Conforme Konashenkov, “o aumento do número de participantes diretos e países que supostamente participaram dessa operação”, bem como “informações conflitantes sobre detalhes da operação”, levantam questões “bem fundamentadas e dúvidas” sobre sua realização, “e, especialmente, sobre seu sucesso”.

Moscou também rejeitou as alegações de Trump de que as forças russas abriram o espaço aéreo sob seu controle na Síria para aviões norte-americanos para facilitar a operação contra o terrorista. “Não sabemos nada sobre assistência ao voo de aeronaves dos EUA no espaço aéreo da zona de desescalada de Idlib durante esta operação”, disse o porta-voz.

Konashenkov acrescentou que “nenhum ataque aéreo” das forças aéreas norte-americanas da chamada coalizão internacional “foi registrado na zona de desescalada de Idlib no sábado e nos últimos dias”.

Para o militar russo, relatos sobre a execução de Al Baghdadi dificilmente podem influenciar a situação na Síria.

“Depois que o Estado Islâmico foi derrotado pelo exército sírio com o apoio das forças aeroespaciais da Rússia no início de 2018, outra ‘morte’ de Abu Bakr Al Baghdadi não terá impacto nem na situação na Síria nem nas ações de terroristas que restam em Idlib “, assinalou.

Além disso, o Ministério da Defesa russo duvida que Al Baghdadi estivesse escondido em território controlado pelo Jabhat Al Nusra em Idlib. “Essa organização sempre matou sem hesitação a combatentes do Estado Islâmico como principais rivais pelo poder na Síria”, reiterou o porta-voz.

“Tendo isso em mente, os EUA ou outros participantes da operação devem pelo menos fornecer evidências diretas de que o ex-líder do Estado Islâmico estava em um reduto em território controlado pelo ramo sírio da Al Qaeda”, acrescentou.

Trump até publicou uma imagem dele, mais seus chefes militares e de segurança, na Sala de Crise, supostamente acompanhando o desenrolar da operação – o que imediatamente causou comentários sobre o plágio de idêntica operação de Obama, para liquidar então com o inimigo público número 1 Osama Bin Laden, pouco mais de um ano antes da disputa da reeleição de 2012.

Agora, a reeleição será disputada no ano que vem.

Para poupar polêmicas, em vez de jogar o cadáver no mar como fez Obama – o que impediu sequer uma verificação do ocorrido -, Trump esclareceu que o bad boy tinha se explodido em um túnel, mas graças às modernas técnicas de coleta de DNA fora possível comprovar que se tratava dele mesmo, Al Baghdadi.

Trump também fez questão de agradecer à Rússia, Turquia, Síria, Iraque e aos curdos sírios pelo apoio dado a essa “missão muito perigosa” – apesar de Moscou já ter dito que não viu nenhum voo norte-americano sobre Idlib no sábado. Explicou o fato de não ter comunicado a operação a líderes democratas do Congresso em função de Washington ter virado “uma máquina de vazamento” e não querer pôr em risco as tropas enviadas.

Segundo ele, a informação do ataque só foi aberta depois que as tropas estavam de volta e em segurança. No pântano de Washington, onde viceja a flor da russofobia, liberais chiaram muito que Trump haja agradecido primeiro aos russos e só depois às “nossas tropas”: #resistência!

A repentina execução do terrorista em decadência também tem o efeito de atenuar críticas à retirada de Trump do norte da Síria – de que iria favorecer o retorno do Estado Islâmico.

Também para acalmar os ânimos, o presidente bilionário já garantiu a volta dos soldados dos EUA aos poços de petróleo sírios – como a máfia diria, nada pessoal, apenas negócios como de costume.

De qualquer forma, a performance de Trump ainda está muito aquém da do antecessor democrata. Late muito, mas na hora de morder, prefere uma boa encenação, sanções, mais sanções, guerra comercial, rasgar acordos, perseguir imigrantes, babar com muros. Sabe-se lá porque, não manteve as “terças-feiras da morte” da Casa Branca – a denominação é do New York Times -, de tantas lembranças inesquecíveis para Obama e os esquadrões da morte com drones da CIA.

Além disso, Al Baghdadi não tem, nos EUA, o mesmo apelo de Bin Laden.

Se a cartada do ‘matei o terrorista’ não funcionar, Trump sempre pode chamar outra tropa de choque republicana para tumultuar as próximas sessões do inquérito de impeachment, como fez na semana passada. Nancy Pelosi “está vencendo” com sua estratégia de alcançar o impeachment, advertiu em entrevista o ex-guru de Trump, Steve Bannon, que até abriu uma “sala de guerra” para combater os ataques ao presidente que ajudou a colocar na Casa Branca.

Como a vida é cheia de emoções fortes, a corrida eleitoral também é uma corrida contra o tempo, contra a ameaça de que a “bolha de tudo” que vem sendo inflada desde 2009 vá pelos ares, levando com ela a reeleição. Desde o meio de setembro, o Fed anda tendo que socorrer o interbancário, cuja taxa em momentos de crise já chegou a 10%. Pelo menos até janeiro de 2020, o Fed continuará com recompras no overnight de US$ 75 bilhões e mais US$ 35 bilhões em recompras a termo duas vezes por semana.

No que vem sendo chamado de forma zombateira de “Não Quantitative Easing”, o Fed de Nova Iorque irá comprar US$ 60 bilhões em letras do Tesouro por mês. Enquanto Trump mantém a pressão para que o Fed volte aos juros zero ou reais negativos o quanto antes – em meio aos estragos de sua guerra comercial e à “desaceleração sincronizada” das principais economias globais detectada pelo FMI.