Garimpo em terras indígenas na Amazônia.

Até mesmo a associação que reúne as grandes mineradoras em operação no Brasil se posicionou contra o Projeto de Lei (PL) 191/2020, que pretende liberar a mineração em terras indígenas no país. O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) defende um maior debate sobre a proposta, incluindo ouvir populações locais.

Segundo o Ibram, a legislação “não é adequada para os fins a que se destina”, ou seja, para regulamentar o trecho da Constituição que prevê que esse tipo de atividade possa ser realizado em terras indígenas.

Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou a urgência para votação do PL. Na prática, a aprovação do requerimento de urgência acelera a tramitação da proposta, que agora pode ser votada diretamente no plenário da Casa, sem passar por comissões temáticas.

O posicionamento das mineradoras representa um recuo na posição anterior e contraria um artigo em defesa do PL 191/2020 assinado pelo diretor-presidente do Ibram, Flávio Ottoni Penido, e publicado pela Folha de S.Paulo em fevereiro de 2020. “Para o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) (…) a iniciativa é adequada e deve ser apoiada pelos brasileiros”, escreveu Penido à época.

“A aprovação desse projeto de lei trará segurança jurídica e condições de competitividade para as mineradoras direcionarem seus eventuais investimentos em terras indígenas”, continua o texto de autoria do presidente do Ibram publicado há dois anos.

O projeto, de autoria do Executivo, é uma das propostas criticadas por artistas e entidades da sociedade civil que fizeram um protesto na quarta-feira da semana passada (9) em frente ao Congresso Nacional.

Os participantes do ato foram recebidos pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Eles criticam um pacote de projetos em tramitação que, segundo a organização, são um retrocesso para os direitos socioambientais.

Antes da mobilização, Bolsonaro afirmou que o conflito na Ucrânia é uma “boa oportunidade” para liberar a atividade nas áreas indígenas, em função da redução da oferta de fertilizantes produzidos na Rússia.

A aprovação da urgência do projeto de lei que pretende liberar a mineração em terras indígenas no mesmo dia em que acontece o protesto foi criticada por parlamentares da oposição.

“Acho uma afronta aprovar a urgência hoje, principalmente quando há um ato em frente à Câmara. A aprovação da urgência é meia aprovação do projeto”, disse na ocasião o líder da Oposição, Wolney Queiroz (PDT-PE).

Durante o ato, membros do Conselho Indigenista Missionário

(Cimi) e lideranças indígenas foram recebidos por parlamentares e expressaram sua posição contrária às propostas legislativas que atacam seus direitos.

A primeira reunião aconteceu na liderança do PCdoB, quando os indígenas foram recebidos pelas deputadas Alice Portugal (PCdoB-BA), Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e Perpétua Almeida (PCdoB-AC) e solicitaram apoio na luta contra o PL 191/2020. As parlamentares da bancada reafirmaram o compromisso contra a proposta e deram total apoio na defesa dos direitos dos povos originários às suas terras.

“Esse projeto de lei é maléfico aos povos indígenas brasileiros, [causando] desde a contaminação das nossas águas, dos nossos solos, até a devastação das nossas florestas e a invasão dos territórios indígenas tradicionais, território sagrado. Os povos indígenas da Bahia vêm manifestar a posição contrária ao PL 191, que autoriza mineração em terra indígena e é inconstitucional. A Constituição garante o direito territorial das nossas tradições, da nossa vivência harmônica com o meio ambiente e o PL ele vem justamente trazer a invasão dos nossos territórios”, afirmou o cacique Aruã Pataxó, da aldeia Coroa Vermelha, na Bahia.

Para a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), é preciso impedir o avanço da proposta e defender a autonomia dos povos indígenas sobre suas terras, garantindo as demarcações e homologações que estão travadas.

“Não é possível realizar mineração em terra indígena e isso está sendo intuído através dos interesses internacionais de grandes empresas que, infelizmente, atuam no sentido de retirar os povos das suas terras originárias e isso pra nós é intolerável. Estamos completamente alinhados e solidários nessa batalha”, destacou a parlamentar.

O projeto, enviado pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso em fevereiro de 2020, entrou no radar do Congresso com a eclosão do conflito entre Rússia e Ucrânia. O conflito trouxe à discussão a dependência do

Brasil da importação de fertilizantes.

O objetivo seria permitir que reservas de potássio possam ser exploradas nesses territórios a fim de se garantir a produção de fertilizantes para o agronegócio, embora não haja garantia de que se encontrará o minério nessas áreas.

No entanto, um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostra que apenas 11% dos 13,7 milhões de hectares passíveis de extração de potássio estão em terras indígenas.

Além disso, a pesquisa mostrou também que as reservas de potássio que já existem no Brasil podem sustentar o país até 2100. Se levar em conta as jazidas fora da Amazônia Legal, a autonomia chega a 2089.

O projeto estabelece, entre outras coisas, regras para a atuação de garimpeiros, exploração de hidrocarbonetos, como petróleo, e a geração de energia elétrica em terras indígenas.

O texto também abre a possibilidade de as aldeias explorarem as terras em outras atividades econômicas, como agricultura e turismo. A exploração mineral e hídrica está prevista na Constituição Federal, mas nunca foi regulamentada.

O texto estabelece que deverá ser feito um estudo técnico prévio para avaliar o potencial de exploração da terra indígena.

Conforme a proposta, caberá à Fundação Nacional do Índio (Funai) intermediar a interlocução do órgão ou entidade responsável pelo estudo técnico com as comunidades indígenas.

O projeto também autoriza que o estudo seja feito ainda que haja processo de demarcação de terras indígenas em curso. Concluído o estudo, caberá ao governo decidir quais áreas são adequadas para a exploração.