Segue a pleno vapor o plano de degradação do meio ambiente do governo Bolsonaro. Aumenta a devastação da Amazônia, e autos de infração ambiental estão perto de prescrever.

Relatório do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aponta o risco de prescrição de mais de 5.000 autos de infração ambiental lavrados no governo Jair Bolsonaro. Os processos se acumularam desde 2020, segundo ano do mandato de Bolsonaro, e atingiram um patamar em que correm risco real de não irem a julgamento por estarem vencidos. O prazo, desde a infração até a penalização é de 3 anos caso não haja julgamento ou atos processuais que interrompam o período, segundo os servidores do órgão.

O risco de prescrição é apontado pelo próprio superintendente de Apuração de Infrações Ambientais, Rodrigo Gonçalves Sabença, em um ofício de 26 de novembro de 2021, encaminhado aos superintendentes do Ibama nos estados. O documento da Superintendência de Apuração de Infrações Ambientais do Ibama, obtido pelo jornal Folha de São Paulo, revela que o órgão não vem processando os autos de infração para encaminhar a julgamento.

Entre as 27 unidades da federação, o Pará era o estado com a maior meta de atos processuais necessários, 3.000, conforme informado em ofício do Ibama ao jornal. A quantidade era superior à prevista para a própria sede do órgão, em Brasília.

Apesar da elevada demanda, o documento comprova o processo de desmonte do órgão realizado pelo governo Bolsonaro para favorecer os desmatadores. Apenas 20 processos foram distribuídos na superintendência do Ibama entre junho e outubro de 2021. A distribuição semanal foi suspensa (a exemplo de Amazonas, Acre, Alagoas e Sergipe), e não havia uma definição do potencial de análise de casos até maio deste ano.

Servidores do Ibama disseram à Folha, sob a condição de anonimato, que o superintendente do órgão no Pará, Washington Luis Rodrigues, enviou 10.000 processos a Brasília de uma única vez, sem qualquer despacho, o que elevou o risco de prescrição em massa dos autos.

Para fazer vistas grossas e não penalizar os infratores, a gestão Bolsonaro criou ainda uma etapa a mais de conciliação ambiental por meio de um decreto. A conciliação ambiental é uma herança da gestão do ex-ministro Ricardo Salles no MMA, como uma das porteiras para deixar a “boiada passar”. Salles deixou o cargo de ministro em junho de 2021. No comando da pasta, atuou para enfraquecer a fiscalização ambiental, uma das obsessões de Bolsonaro desde os tempos de deputado federal. A sua derrocada se deu por forte pressão social, após o escândalo do contrabando internacional de madeira, quando ele teria tentado acobertar os criminosos.

Na ocasião, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, aliado de Salles, chegou a ser afastado do cargo por 90 dias, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Findo o prazo, Bim retornou ao cargo.

A inércia e o risco de impunidade de infrações ambientais ocorrem num momento de recorde de desmatamento da Amazônia e do cerrado.

De agosto de 2020 a julho de 2021, a Amazônia perdeu 13.235 km2 de vegetação, conforme dados oficiais do Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O número representa um aumento de 22% em relação ao ciclo anterior, e é o maior desde 2006.

No cerrado a situação também é alarmante. A perda foi de 8.531 km2 de agosto de 2020 a julho de 2021, segundo dados do Prodes. O salto foi de 7,9% em relação ao ciclo anterior, e foi o maior desmatamento registrado desde 2015.

As autuações lavradas pelo Ibama são por diversos tipos de irregularidades, como desmatamento, pesca em local proibido, manutenção em cativeiro de animais da fauna silvestre, construção de obras, realização de atividades religiosas, dentre outras.

Unidades de Conservação

Análise realizada pela Agência Pública com base em dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) pela Fiquem Sabendo, agência de dados especializada no acesso a informações públicas, revela que são cerca de 10,5 mil autuações emitas pelo órgão na região ao longo de 2009 a 2021. A maioria das irregularidades envolvem as UCs (Unidades de Conservação) federais ao redor da BR-163, no Pará. Entre os criminosos, há políticos regionais e pessoas ligadas a eles, grandes empresas e infratores com vasta ficha de acusações criminais, o que inclui assassinato em conflitos agrários.

Identifica-se também uma relação direta entre a proximidade da malha rodoviária e as infrações ambientais dentro de UCs. “Já tem vários estudos que comprovam que a grande maioria do desmatamento na Amazônia ocorre num raio de proximidade das estradas”, explica Antonio Oviedo, assessor do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do ISA (Instituto Socioambiental. Um estudo conduzido pelo ISA mostrou que houve um acréscimo de mais de 274% dos registros de imóveis no CAR (Cadastro Ambiental Rural) em sobreposição a unidades de conservação de uso sustentável entre 2018 e 2020, além de um aumento de 54% nas de proteção integral.

Não é permitido regularizar uma terra que incida em área protegida, mas a expectativa dos invasores ao registrar o imóvel no CAR é que as unidades sejam extintas, reduzidas ou até que sua classificação mude, viabilizando a posterior regularização da invasão. De acordo com a ong WWF, há centenas de propostas que ameaçam as unidades de conservação ao redor do país.

Um analista ambiental e fiscal do ICMBio que não quis se identificar por medo de represálias internas, citado na reportagem, disse que muitas das multas são “impagáveis” mas a atuação administrativa do órgão ambiental pode gerar “repercussão na esfera jurídica”. “Como o órgão judicial é mais poderoso, tem mais força para agir contra aquela pessoa, as sanções são mais pesadas. Então quando chega na esfera judicial, se existem provas robustas contra aquela pessoa, aí sim ela vai sentir o peso do que fez, de ter desmatado. Não vai ficar tão impune assim”, diz.

“De junho a outubro foram produzidos 5.096 atos processuais, o equivalente a 1.887 processos. Mantido o atual ritmo de produção, provavelmente produziremos cerca de 10.000 atos processuais, o equivalente a 3.700 processos de auto de infração”, cita o ofício sobre as multas que podem deixar de ser aplicadas.

“Ou seja, o Ibama conseguirá instruir apenas 40% dos autos lavrados em 2020 mais 10% que foram tratados no âmbito da conciliação. Os outros 50% ficarão no GN-P aguardando pela instrução processual que poderá não ocorrer antes da prescrição do auto”, prossegue o documento de 26 de novembro.

Assim, em relação ao total de processos, o risco de prescrição existia para 5.051 autos. GN-P, área citada no ofício, é o grupo que prepara e classifica os processos de apuração de infrações ambientais.

Um levantamento feito por pesquisadores da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e da ONG WWF-Brasil mostrou que 98% dos 1.154 autos de infração emitidos na Amazônia por desmatamento ilegal (entre outubro de 2019 e maio de 2021), por exemplo, não tiveram encaminhamento, nem conciliação. O estudo foi divulgado em dezembro de 2021.