Na sentença em que condena Lula, o juiz Sérgio Moro transcreveu e elogiou um princípio lapidar extraído do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional: “a responsabilidade criminal há que ser provada acima de qualquer suspeita razoável”.

Por Haroldo Lima*

Sendo assim, a própria sentença é nula, pois que a “responsabilidade criminal” do condenado ficou longe de ser provada “acima de qualquer dúvida razoável”. Ao contrário, é chocante a ausência de fundamentos jurídicos na condenação e sua substituição pelo extenso palavreado frívolo que não esconde o rancor com que foi escrito.

Doutores em direito, mestres de reputadas universidades, deram opiniões sobre a sentença em análise. Recolho trechos de algumas dessas opiniões, todos acessíveis na internet.

O prof. Emérito de Direito da USP, Dalmo Dallari, ironiza as 218 páginas da Sentença, tratando-a como uma “decisão longuíssima, absolutamente desnecessária”, onde o juiz Moro “dá muitas voltas” e, “sem qualquer base para uma fundamentação legal… condenao acusado”. Diz o professor: “a condenação não foi jurídica…foi política…”.Acrescenta: “nos registros públicos…não consta que Lula tenha sido ou seja proprietário do…apartamento, nem foi exibido qualquer documento em que ele figure como tal…”. Sendo assim, “… a condenação de Lula simplesmente não existe e nunca existiu.”

De sua parte, o prof. Fernando Lacerda, de Direito Processual Penal, da PUC-SP, mostra que o juiz Moro, não conseguindo provar que Lula era proprietário do tal triplex, criou a figura da “propriedade de fato”, conceito que simplesmente “não existe em nosso ordenamento jurídico”.E acrescenta: “ainda que o ex-presidente Lula fosse o proprietário do apartamento…é necessário comprovar qual a contrapartida (que ele deu para ter o imóvel) …”, ou seja, qual a vantagem ilegítima que recebeu o dono originário d o apartamento. E aí, não só a propriedade do imóvel não foi comprovada, como, segundo Lacerda, a “prova da contrapartida (se resumiu)… apenas e tão-somente à palavra dos delatores… Léo Pinheiro e Agenor Medeiros, que jamais poderiam ser consideradas como prova…”. A conclusão do professor é taxativa: “…não há materialidade para condenação pelo crime de corrupção”.

Já o prof. Bandeira de Mello, titular de Direito da PUC/SP, lastima queMoro “não se comporte como magistrado, mas como um acusador. Ele não tinha prova e decidiu contra a lei”.Diz: “Ele não parece juiz, suas decisões…são sempre parciais”. Manifesta-se, por fim, “surpreso com o fato de Moro ainda não ter sido punido”.

Alertando que o juiz Moro fez uma “confusão de categorias”, o professor de Direito da FGV, Thiago Bottino, chama a atenção para o art. 212 do Código de Processo Penal, onde o juiz só deve inquirir para complementar as perguntas feitas pelo Ministério Público e pela defesa, eentretanto, “o que a gente viu nos depoimentos é que quem mais pergunta é o juiz…”.

A eventual perseguição política a Lula, (lawfare), não é vista como “descabida” pelo prof. SalahKhaled Jr., da UFRG, Doutor e Mestre em Ciências Criminais (PUCRS). “Pelo contrário”, diz o professor. “Em várias oportunidades, foi cristalina a intenção de influenciar o campo político. Quando Moro deliberadamente divulgou a conversa entre Lula e Dilma, cometeu crime”. “Pouco importa que tenha pedido desculpas depois”. “Ao cidadão comum não é dada a oportunidade de pedir desculp as quando comete crimes…” E mais: “Moro se comporta como um juiz inquisidor. Parte em busca do que precisa para condenar. A democracia não pode conviver com juízes assim”.

O ex-presidente da OAB/RJ, dep. federal Wadih Damous, examinou meticulosamente a sentença de 218 páginas e apresentou uma estatística estranha: 30% da sentença, cerca de 60% páginas foi usada pelo juiz Moro para se defender de acusações de arbitrariedades; 8%, em torno de 16 páginas, para se contrapor ao que Lula disse quando interrogado; e 0,4%, menos de uma página, para rebater o que 73 testemunhas disseram, sob juramento de só falar a verdade, todas inocentando Lula.

Condenar o maior líder popular da história do Brasil, talvez das Américas, com tanta controvérsia, é uma insensatez. A saída está no texto da sentença: “a responsabilidade criminal há de ser provada acima de qualquer dúvida razoável”. E isto está longe de ter acontecido. Na verdade, é uma sentença sem qualquer base jurídica e com muito rancor.

*Haroldo Lima  é engenheiro, ex-deputado federal, membro da Comissão Política Nacional do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil