Guerra cultural prossegue como desafio do 1º ano de governo Lula
Teve início na manhã desta sexta-feira (1) o seminário “Primeiro ano do governo Lula: Balanço da reconstrução nacional e perspectivas”, realizado pela Fundação Maurício Grabois.
A primeira mesa do seminário teve como tema “Combate à guerra cultural, luta de ideias, disseminação das ideias progressistas”. Com coordenação do ex-deputado Constituinte, Aldo Arantes, a mesa teve como debatedores o representante da Secretaria de Comunicação Social do governo federal, João Brant, a coordenadora do Comitê Gestor da Internet (CGI), Renata Mielli, e a professora da Universidade Federal de Santa Catarina, Letícia Cesarino.
O ex-deputado Aldo Arantes destacou a importância do evento para analisar o primeiro ano do governo Lula, identificando lições aprendidas, avanços e fragilidades. A reflexão sobre o papel da esquerda e a compreensão da guerra cultural foram temas centrais do discurso.
Aldo alertou para a crise que a democracia enfrenta, enfatizando que ela está ameaçada pelo avanço e consolidação do neoliberalismo. Ele ressaltou que o neoliberalismo busca impor a lógica do mercado sobre a Constituição Social de 1988, necessitando para isso impor regras autoritárias. O ex-deputado destacou que o método da guerra cultural, utilizado originalmente nos Estados Unidos e apropriado no Brasil pela extrema-direita através de Olavo Carvalho, representa uma ameaça à democracia.
Segundo ele, a esquerda falhou ao não compreender a importância da luta ideológica. Ele citou a influência das redes sociais na disseminação de ideias e salientou que, nos dias atuais, a luta de ideias é ainda mais crucial. O ex-deputado afirmou que, após os desafios enfrentados pelo Brasil, os índices de popularidade de Bolsonaro continuam altos, indicando a necessidade de enfrentar a guerra cultural de maneira efetiva.
Aldo propôs a construção de meios de comunicação pela esquerda, consciente da gravidade do problema. Ele destacou a articulação entre a grande mídia e as redes sociais como um desafio para o governo e os movimentos sociais. O ex-deputado enfatizou a importância de se criar plataformas e redes sociais que possam competir com as da direita, citando o exemplo da Brasil Paralelo.
Em meio às reflexões sobre o cenário político e ideológico do país, Aldo Arantes concluiu reforçando a urgência de debater e enfrentar a guerra cultural para preservar os avanços progressistas e fortalecer a democracia no Brasil. O seminário, ao abrir espaço para essa discussão, busca contribuir para o entendimento e superação dos desafios que se apresentam nesse contexto complexo.
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Transformações na comunicação política
João Brant é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e secretário de Políticas Digitais da SECOM, da Presidência da República, e proferiu um discurso provocador e analítico sobre as transformações e desafios na comunicação política ao longo da última década.
Brant iniciou sua fala tentando mapear os acontecimentos dos últimos 10 anos, destacando fatores políticos e tecnológicos que se entrelaçaram nesse período. Ele ressaltou a mudança no ambiente midiático, que transitou de um jornalismo profissional concentrado para uma era de maior diversidade de vozes, proporcionada pela ascensão das redes sociais. Esse fenômeno, segundo Brant, ampliou a voluntariedade e o espaço para diferentes atores na disseminação de informações, mas ao mesmo tempo valorizou o engajamento e gerou debates acalorados.
O secretário de Políticas Digitais apontou para a influência das redes sociais e a rápida disseminação de desinformação, destacando a segmentação do público e o crescimento da extrema-direita. Ele ressaltou a importância de compreender as mudanças na forma como as pessoas consomem informação nos últimos 10 anos, especialmente no uso do WhatsApp como fonte principal, o que gerou uma fragmentação na opinião pública.
Ao analisar o período de 2015 a 2018, Brant abordou a ascensão da extrema-direita nas redes sociais e a reação, ou a falta dela, por parte da esquerda. Ele apontou para a potência do movimento de direita, destacando a capacidade de mobilização e organização, enquanto a esquerda enfrentava desafios estruturais e uma diminuição de estímulo para a organização nas redes digitais.
A pandemia e o governo Bolsonaro foram elementos cruciais nesse contexto, segundo Brant. Ele mencionou a capacidade de resposta rápida do governo nas redes sociais, enfatizando a importância de construir relações para neutralizar adversários e ampliar alianças. Brant também discutiu a necessidade de uma estratégia mais sofisticada e longeva por parte da esquerda na comunicação política.
O secretário de Políticas Digitais pontuou a importância da compreensão da realidade material do público e a criação de uma estratégia que una comunicação, organização política e estratégia de governo. Ele reconheceu as limitações do governo na estruturação de políticas digitais, destacando a falta de uma estrutura adequada no início do mandato. No entanto, ressaltou os esforços em curso para melhorar essa situação.
João Brant encerrou sua fala enfatizando a necessidade de inteligência dentro do campo progressista para articular uma visão de longo prazo, olhando para o futuro de 10 a 15 anos e não apenas para a semana seguinte. Ele instigou a reflexão sobre a importância de partidos políticos e fundações na construção de uma estratégia duradoura para o campo progressista na comunicação política.
Debate público em meio à transição social
Coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil e secretária nacional de Comunicação do PCdoB, Renata Mielli abordou os desafios enfrentados no atual contexto de transição no modelo de organização do debate público. Ela inicia sua análise apontando para um dos principais gatilhos desse processo: a mudança nos paradigmas de acumulação capitalista, desencadeada pela crise econômica de 2008.
Referindo-se ao autor Nick Srnicek, que explora a economia de plataformas em seu livro “Capitalismo de Plataformas”, Renata destaca a centralidade das plataformas nos processos econômicos, sociais e culturais contemporâneos. Essa mudança no paradigma de acumulação, segundo ela, repercute não apenas na economia, mas também na forma e organização do trabalho. A globalização da economia e a desestruturação das cadeias produtivas contribuíram para uma transformação na percepção do trabalhador sobre seu papel na sociedade.
Ao longo dos anos, as redes sociais ganharam crescente influência, impulsionadas por modelos de negócios baseados em dispositivos móveis e acesso à internet. Renata destaca a peculiaridade do contexto brasileiro, onde a maioria da população acessa a internet por meio de dispositivos móveis em modelos pré-pagos, proporcionando acesso gratuito inicial a plataformas como WhatsApp e Facebook. Esse fenômeno, conhecido como “zero-rate”, teve um impacto significativo na desorganização do debate público.
A coordenadora do Comitê Gestor da Internet ressalta que a ascensão das redes sociais trouxe consigo uma mudança na produção e distribuição de informações. A distribuição algorítmica e a busca por engajamento geraram um ambiente propenso à formação de “filtro bolhas”, exacerbando a polarização e fragmentação do debate público. Esse fenômeno se estendeu ao ecossistema informativo da mídia tradicional, que também passou a buscar engajamento nas redes sociais.
A jornalista argumenta que o cenário brasileiro possui características históricas particulares, com baixa diversidade e pluralidade nas redes, alinhadas editorialmente aos interesses da elite econômica. Isso contribui para a criação de realidades paralelas, alimentando a produção de conteúdos desinformativos por polos de poder político e ideológico.
Renata Mielli destaca ainda a importância da regulação como um dos caminhos para enfrentar os desafios atuais. Ela aponta para a necessidade de não naturalizar o modelo de negócios das plataformas internacionais e propõe a busca por soberania tecnológica, incluindo o desenvolvimento de uma cadeia produtiva de tecnologia e a discussão ativa sobre novos paradigmas de comunicação na sociedade brasileira.
Ela enfatiza a importância de ir além das redes sociais no esforço de comunicação, buscando outros mecanismos de diálogo com a sociedade. Renata destaca que, para superar as barreiras da guerra cultural, é crucial pensar em estratégias que transcendam o ambiente das redes sociais, promovendo uma mudança nas formas de organização popular e social.
Para enfrentar a radicalização digital
A professora Letícia Cesarino, doutora em Antropologia pela Universidade da Califórnia, e atualmente cedida para o Ministério de Direitos Humanos, compartilhou suas reflexões sobre o enfrentamento da radicalização e do extremismo digital. A pesquisadora abordou questões cruciais para o desenvolvimento de políticas públicas e estratégias de enfrentamento diante dos desafios atuais.
Letícia começou destacando sua posição como assessora do Ministro Silvio Almeida, focando especialmente na área de educação e cultura nos direitos humanos. Ela ressaltou a compreensão do ministro sobre a centralidade dos meios digitais na propagação de ameaças à democracia, exigindo uma atuação efetiva nesse cenário.
Uma das principais preocupações levantadas pela pesquisadora foi a convergência estrutural entre as plataformas digitais e a política proposta pelos sistemas de direitos humanos. Ela apontou para uma relação intrínseca com o neoliberalismo, especialmente na fase pós-crise de 2008. No entanto, Letícia adotou uma postura otimista, destacando avanços significativos na aprendizagem da esquerda nos últimos anos no que diz respeito à comunicação digital.
A pesquisadora ressaltou a necessidade de mudanças não apenas nos conteúdos, mas também nos meios de comunicação, metodologias de trabalho de base e na adaptação à cultura digital. Ela reconheceu que a esquerda ainda está atrasada em relação à direita, mas destacou a evolução notável na abordagem comunicativa desde 2017.
No decorrer de sua fala, ela delineou três níveis críticos de atuação na era digital: as plataformas, os usuários comuns e os intermediários. Ela enfatizou a dificuldade de incidência nas plataformas devido à criação de uma “soberania paralela” em relação ao Estado Nacional. No entanto, apontou a importância da regulação e sugeriu uma abordagem mais específica, questionando a naturalização do paradigma da auto-regulação.
No segundo nível, os usuários comuns, Letícia destacou a necessidade de intervenções específicas, especialmente na educação midiática. Ela ressaltou a importância de ir além do ensino de evitar golpes, promovendo uma compreensão mais profunda sobre como as plataformas e algoritmos funcionam.
O terceiro nível, os intermediários, foi identificado como crucial para combater a radicalização. Ela enfatizou a importância de rearticular mediadores tradicionais, como sindicatos e movimentos sociais, e explorar oportunidades nas igrejas evangélicas. Ela destacou a necessidade de competir na camada de recrutamento, onde influenciadores digitais têm um papel fundamental na segmentação da rede.
No encerramento, a pesquisadora chamou a atenção para a formação de uma base social interessada na temática da radicalização digital e defendeu uma articulação mais forte com a sociedade civil, o Congresso Nacional e a atuação intersetorial para fortalecer políticas digitais.
Diante dos desafios apontados por Letícia Cesarino, fica evidente a complexidade do cenário digital contemporâneo e a necessidade urgente de ações coordenadas para preservar os fundamentos democráticos diante do avanço do extremismo e da radicalização online.