O sistema de campos de concentração contra imigrantes atinge agora a plenitude com Trump

A denúncia de que os centros de detenção de imigrantes na fronteira com o México sob o regime Trump não passam de campos de concentração acaba de, praticamente, obter a confirmação oficial da inspetoria-geral do Homeland, o Departamento de Segurança Interna norte-americana, que em relatório publicado na terça-feira (2) reconhece a “severa superlotação” e a “detenção prolongada” de famílias, crianças desacompanhadas e adultos, forçados a usar roupas sujas durante semanas e sujeitos à falta de higiene, alimentação precária e surtos de doença e piolhos.

Sob a convocação de “Fechem os Campos Agora”, dezenas de milhares de pessoas foram às ruas na terça-feira em Nova Iorque, São Francisco, Boston, Milwaukee, Kansas e mais uma centena de cidades para repudiar a perseguição aos imigrantes, com cartazes como “nenhum ser humano é ilegal” e “famílias pertencem a comunidades, não a jaulas”

O relatório está acompanhado de fotos deprimentes do que o chefe de um desses locais chamou de “bomba-relógio”. De tão cheias, nas jaulas no centro de detenção de McAllen, no Texas, um dos cinco inspecionados, os adultos só podem ficar em pé. Em dois desses centros, as crianças não haviam recebido uma refeição quente “até a semana da nossa chegada” – apesar de, assevera a fiscalização, existir em todos leite em pó, sucos e lanches, além de fraldas e lenços umedecidos. Em El Paso, havia quatro chuveiros para 756 imigrantes. Metade dos imigrantes detidos estava ao relento, no calor do Texas, lá dentro a superlotação ultrapassava em mais de quatro vezes a capacidade das celas. Uma foto, do prédio da Patrulha da Fronteira em Weslaco, mostra crianças e mulheres deitadas no chão, no mesm o local onde um adolescente de 16 anos da Guatemala morreu, em maio, com suspeita de gripe.

XENOFOBIA

O sistema de campos de concentração contra imigrantes, desenvolvido ao longo de diferentes governos dos EUA e turbinado por Obama, atinge agora a plenitude com Trump e sua pregação xenófoba, como revela o relatório.

Famílias em jaulas superlotadas na prisão de imigrantes de McAllen, Texas. (Foto- Office of Inspector General/DHS/Handout/Reuters)

A inspeção, que se concentrou na área do Rio Grande, ao sul e leste do Texas, ocorreu na semana de 10 de junho, coincidentemente com a visita de um grupo de advogados a esses centros de detenção operados pela Gestapo da fronteira de Trump, cujos alertas sobre a criminosa situação a que estavam submetidas tantas crianças motivou a ida posterior a esses locais de uma delegação de deputados de origem hispânica.

No momento da inspeção, a Patrulha da Fronteira mantinha sob custódia oito mil pessoas, das quais mais de 40% já sob situação de ilegalidade, ao violar o limite máximo de 72 horas. Até 1.500 estavam ali “há mais de dez dias”.

Igualmente ultrajante era a situação vivida pelas crianças detidas nesses locais, 2.669 no momento da inspeção. Desses, 31% simplesmente em violação do limite legal para manutenção de menores sob custódia, em vigor há duas décadas, chegando nos casos mais extremos a até duas semanas, após processamento da papelada.

CRIANÇAS SEM ACESSO A BANHO

As crianças, registra o relatório, “não tinham acesso a chuveiros em três dos cinco centros de Patrulha da Fronteira que visitamos”, que reconhece que as diretrizes oficiais exigem “um esforço razoável” para fornecer banho para os menores que se aproximam de “48 horas de detenção”. Assinala, também, que nesses locais “não há roupa para trocar e não há lavanderias”.

Apesar de os regulamentos oficiais exigirem que os adultos tomem banho após 72 horas de detenção, o relatório admite que “a maioria não tomou banho uma só vez apesar de estar detida há um mês”. No máximo, receberam lenços umedecidos para passar no corpo. “A maioria dos adultos usava as mesmas roupas com que chegara, dias, semanas e até um mês antes”.

A inspeção não pôde ignorar a resistência dos imigrantes a esses maus tratos: “entopem banheiros com mantas de alumínio para que possam deixar a cela por algum tempo enquanto é feito o conserto”. Em um local, os agentes da fronteira chamaram a tropa de choque para forçar a volta dos imigrantes, que se recusavam a retornar depois da limpeza.

Em outro centro, a inspeção teve que ser “encurtada”, porque sua presença “estava alterando uma situação já difícil”. “Em particular, quando os detidos nos viram, eles começaram a bater nas janelas das celas, gritando e arremessando papéis”.

O relatório deixa escapar, ainda, que a imposição dessas condições degradantes é feita deliberadamente: “(A Patrulha de Fronteira) reconhece que há uma questão humanitária em deter adultos solteiros por tanto tempo”, mas acredita que se não tiver um sistema de contenção, seja por acusação ou detenção provisória, “o fluxo de imigrantes aumentará”.

“BEBAM ÁGUA DA PRIVADA”

A bancada hispânica relatou condições degradantes e abuso de mulheres nos centros de detenção na fronteira em El Paso e Clint. Como denunciou a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, “os guardas estavam mantendo as mulheres em celas sem água e lhes disseram para beber água das privadas”.

O agressivo e insolente comportamento da guarda da fronteira, diante da presença de fiscalização, está se tornando em novo escândalo nos já muitos escândalos da xenofobia de Trump. A entidade ProPublica revelou a existência de um grupo no Facebook com 9.500 operativos da repressão aos imigrantes, com piadas sádicas e racistas sobre mortes de imigrantes e fotos sexualmente explícitas.

Detentas disseram aos parlamentares que os guardas as acordavam a qualquer hora, xingando-as de ‘prostitutas’. A deputada Madeleine Dean descreveu 15 mulheres na casa dos 50 e 60 anos dormindo em uma pequena cela de concreto. Em outra. as mulheres “começaram a soluçar – por medo de serem punidas, por doença, desespero, falta de sono, trauma, desespero”, registrou Ocasio-Cortez.

MAIS VÍTIMAS

Enquanto pai e bebê que se afogaram na semana passada ao serem arrastados pela correnteza do Rio Grande, na tentativa de cruzar a fronteira, eram sepultados em El Salvador, nova vítima do drama dos migrantes fugindo da miséria assombrosa, violência e falta de perspectivas na América Central. Na noite de segunda-feira, o Serviço de Imigração e Alfândega (ICE) anunciou que Yimi Aléxis Balderramos-Torres, um hondurenho de 30 anos sob sua custódia, morreu no domingo em um hospital da área de Houston. Ele é a sexta pessoa a morrer sob custódio do ICE desde 1º de outubro.

Na noite de terça-feira, começaram as buscas no Rio Grande de uma menina brasileira de 2 anos, que desapareceu na travessia das águas, conforme a mãe, uma haitiana, detida logo após.

Também na terça-feira, um juiz federal de Seattle bloqueou ação do governo para manter milhares de solicitantes de asilo sob custódia enquanto os casos estão sendo resolvidos. Decisão criticada pela Casa Branca por “conflitar o Estado de Direito” e encorajar “traficantes e contrabandistas”. Após as festas do 4 de Julho, Trump já anunciou que irá desencadear sua caçada aos imigrantes no país inteiro, peça central de sua campanha pela reeleição em 2020.