General Maynard Santa Rosa, um dos nomes mais respeitados pelos oficiais superiores das Forças Armadas.

O general Maynard Santa Rosa, que se demitiu da Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo Bolsonaro no início de novembro, afirmou, em entrevista publicada nesta quarta-feira (04) pelo UOL, que o presidente Bolsonaro “vai entender mais para a frente que governar é muito mais que uma ação entre amigos. Isso, infelizmente, ele vai entender a duras penas. Os amigos se transformam em inimigos e os inimigos se mantêm ativados. Então, vai crescendo a polarização contrária e ele vai ficando isolado”, avaliou o general.
“O presidente se cercou de um grupo de garotos que têm entre 25 e 32 anos que fazem uma espécie de cordão magnético em torno e filtram o acesso. Questionado quem são esses garotos que cercam o presidente, ele disse que “é o Filipe Martins (Filipe G. Martins, assessor especial da Presidência da República) e essa turminha que controla as redes sociais. Tem mais outros. Eles não alegam nada, simplesmente protegem e não chega na agenda do presidente”.
“Não era ele (Filipe G. Martins) que deveria dirigir a política de Relações Exteriores do Brasil. Deveria ser o Ministério de Relações Exteriores. Mas, infelizmente, é isso que está acontecendo. Isso faz com que o presidente não tenha uma visão do cenário condizente com a necessidade estratégica do país”, explicou o militar.
“Então”, prosseguiu o general, “começou a ficar difícil falar com ele (Bolsonaro). Mas como o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Oliveira, é do círculo próximo ao presidente, imaginamos que seria facilitado o nosso trabalho, porque por meio dele faríamos a interlocução”. “O que não aconteceu”, afirmou Maynard, sobre as dificuldades crescentes de acesso ao presidente durante o período em que esteve no governo.
O general Maynard Santa Rosa avalia que a forma como ele e o general Santos Cruz deixaram o governo “enfraquece um pouco aquela esperança do estamento militar na recuperação do país”. “Torço para que o governo dê certo, mas se acontecer vai ser por acaso”, prevê o general.
Ele fez uma análise da importância da Secretaria de Assuntos Estratégicos para o futuro do país, mas constatou que ela “está sendo esvaziada”.
“A nossa Secretaria tem por finalidade uma função de Estado, foi criada para isso. É pensar o futuro do país, estabelecer as metas sinérgicas e de efeito estratégico para propor ao presidente”.
“Levantamos aquilo que estava em atraso que precisava ser atualizado e vinha sendo postergado. Por exemplo, o Brasil tem o melhor sistema do mundo de processamento de urânio enriquecido, desenvolvido por cientistas da Marinha. No entanto, nós continuamos importando urânio enriquecido para as usinas e os fármacos que são radiativos nós importamos todos, mesmo tendo a melhor tecnologia do mundo. Colocamos como meta industrializar esse processo já existente”.
“Outra meta estratégica: quando a Argentina lançou no ano passado o nano satélite com foguete argentino e botou em órbita, nós, que sempre estivemos dez anos à frente da Argentina, passamos para trás. Estabelecemos uma meta de ainda no governo Bolsonaro colocarmos um satélite em órbita com foguete nacional”.
“Vimos também o descaso que se tem com as moléstias tropicais, porque os laboratórios do Primeiro Mundo não investem porque eles não têm necessidade. Quem tem é o Hemisfério Sul. Temos capital intelectual, recursos técnicos e não é muito caro. Colocamos isso como parte da agenda estratégica”.
“Também vimos que nosso sistema de prospecção mineral no Brasil é uma caixa preta, que dá ensejo a alguns espertalhões, tipo Eike Batista, de ficarem ricos e um tesouro incomensurável que nós temos, que tem potencial para resolver a questão da dívida e até contribuir para o fundo atuarial da Previdência pública e não é trabalhado. Colocamos como meta um plano nacional de mineração. Verificamos que o Brasil só mapeou 30% do território. Mesmo assim, somos o sexto produtor mundial de urânio, o segundo de cobre e por aí vai É um trabalho barato de fazer. é apenas questão de foco e investimento. Colocamos isso como uma meta”.
“Tratamos também de defesa de ataques cibernéticos e formas de indução de um mercado interno na Amazônia”.
“Quando o ministro (Jorge Oliveira) chegou, dentro desse contexto de estrangulamento da SAE, ele conseguiu um decreto que alterou a destinação legal da secretaria. Deixou de ser uma assessoria do presidente e passou a ser uma assessoria dele. Mas como a redação foi ambígua, porque preservou a destinação original, então nós ignoramos isso e continuamos trabalhando para o Estado e não para o governo. Finalmente, ele resolveu controlar a minha agenda e aí não foi possível”, contou o general.
Um dos nomes mais respeitados pelos oficiais superiores das Forças Armadas, o general Maynard Santa Rosa disse no final da entrevista que “não houve uma consideração” com ele. Ele acrescentou que “é direito de uma pessoa não ter consideração. Assim como tenho direito de não atender o telefonema do secretário dele (do ministro)”. “Não quer dizer que eu esteja revoltado. Uma coisa é a sua conveniência. Outra coisa é o interesse do país”, concluiu o general.