Garimpeiros no Rio Madeira; Dragas são resultado do “passar a boiada”
O deputado estadual Serafim Corrêa (PSB-AM) atribui à ausência do Estado brasileiro e a política “equivocada” do governo federal a responsabilidade pela atuação do garimpo ilegal no rio Madeira. “Aí está o resultado da política de deixar passar a boiada do Sr. Ricardo Sales. Deixar a boiada passar significou deixar os rios da Amazônia sem qualquer fiscalização”, afirmou. “Portanto, isso daí é o resultado da ausência do Estado brasileiro no sentido mais amplo. Mais uma vez o Brasil sai mal na foto”, criticou o parlamentar.
Três pessoas foram presas e mais de 130 balsas foram apreendidas durante a Operação Uiara, que reuniu agentes da Polícia Federal, do Ibama, da Marinha e da Aeronáutica, na madrugada de sábado (27) para repressão à ação de garimpeiros ilegais no rio Madeira. Parte do equipamento foi queimada pelos agentes.
De acordo com o superintendente da Polícia Federal em Manaus, não ocorreram confronto com os invasores durante a operação. “Não houve nenhum registro de violência, uso de força ou disparo de arma de fogo”, assegurou Leandro Almada.
Apesar das prisões efetuadas, o deputado federal José Ricardo (PT-AM), criticou a operação por não ter conseguido prender as lideranças dos garimpeiros.
Há mais de duas semanas centenas de dragas e balsas atracaram no Madeira, no município de Autazes (distante 113 quilômetros de Manaus) para extrair ouro. De acordo com um levantamento do Greenpeace, 300 barcas estavam explorando ouro na região sem licença ambiental para a atividade.
Para Danicley Aguiar, do Greenpeace, a omissão e falta de ação por parte do governo federal na temática ambiental são fatores responsáveis pelo que pela situação. “Não há licença ambiental, mas há uma licença política. E assim os garimpeiros se sentem livres para continuar no ciclo destrutivo, chegando a essa situação extrema”, denunciou.
Ele acredita que as embarcações partiram do alto Madeira, levando cerca de duas semanas para chegarem em Atuazes, estimou. “Daria tempo suficiente para os órgãos do governo federal e estadual se mexerem e fazer alguma coisa para impedir isso”, completou.
Aguiar diz que esse quadro de avanço das atividades ilegais como o garimpo é resultado de um processo. “Não começou da noite para o dia”, observa, ao citar o episódio em Humaitá, em 2017, quando garimpeiros atearam fogo na sede do Ibama e do ICMBio. “De lá para cá só piorou”, avalia.
Omissão na defesa da Amazônia
“Eu quero daqui fazer um apelo às autoridades, principalmente às autoridades federais, que reflitam sobre os quase três anos de omissão do nosso sistema de defesa da Amazônia para que tenham uma ação”, defende Serafim Corrêa. “Só que agora a ação tem que ser política, tem que ser integrada. Ela não pode ser só uma ação de repressão”, prossegue o deputado.
Continuando, Serafim defende que o Estado deve se fazer presente, mas ressalta: “Não apenas isso. Tem que ver qual a solução de vida que será dada para essas pessoas”, concluiu o parlamentar.
No sábado (27), o Globo estampou em sua manchete que traficantes obtiveram licença do governo federal para garimpar na Amazônia. Segundo a reportagem, alvos de ações recentes da Polícia Federal ligados ao tráfico de drogas receberam permissão para explorar ouro como “garimpeiros artesanais” em áreas equivalentes a 800 campos de futebol.
Um deles é Sílvio Berri Junior, que no ano 2000 tornou-se conhecido por ser o principal piloto do traficante Fernandinho Beira-Mar. No fim do ano passado, o criminoso foi alvo da Operação Enterprise e voltou a figurar nos registros da PF por operar um esquema de tráfico chefiado por um ex-major da PM de São Paulo.
O outro “beneficiado” pelo governo Bolsonaro para atuar no garimpo é Heverton Soares, principal alvo da Operação ‘Narcos Gold’, deflagrada no início deste mês. As permissões, segundo o Globo, foram efetivadas em 2020 e em 2021 pela Agência Nacional de Mineração (ANM), ligada ao Ministério de Minas Energia.
Na sexta-feira (26) o vice-presidente Hamilton Mourão admitiu que o governo possui conhecimento da ação de narcotraficantes na atividade garimpeira na Amazônia.
“Nós temos tido vários informes de que o narcotráfico, essas quadrilhas que agem no Centro-Sul do país, na ordem de proteger suas rotas subiram para lá, e uma das formas de eles se manterem é apoiando ações dessa natureza. Até porque esse ouro é extraído ilegalmente e é um ativo que eles podem trocar por drogas”, disse Mourão a jornalistas.
Em novembro do no passado, numa audiência em que recebeu lideranças do garimpo no Palácio do Planalto, Bolsonaro prometeu e ameaçou retirar o papel da entidade responsável por analisar e emitir a permissão de lavra, a Agência Nacional de Mineração (ANM), transferindo a função para o Ministério de Minas e Energia. Isso colocaria em suas mãos o controle para conceção das licenças, sem a ingerência de órgãos técnicos e de funcionários de carreira, resultando numa maior celeridade.
Na ocasião, Bolsonaro fez a seguinte declaração: “Pegaram a legislação da lavra dos garimpeiros e jogaram para agência de mineral. Lá é que decidem essas questões, mas dá para eu voltar o ministério isso aí. Conversei com o ministro Bento Albuquerque, das Minas e Energia hoje para nós decidirmos. Se deixar para o lado de lá, a gente não sabe, complica”, disse o presidente.
Após a ameaça de esvaziamento de suas funções, a agência promoveu uma enxurrada de outorgas. Foi nesse contexto que Heverton Soares, o “Grota”, obteve sua permissão. No mesmo mês – em 17 de novembro – o narcotraficante recebeu 4 autorizações definitivas entre 18 pedidos apresentados. Dois dias depois, em 19 de novembro, ele foi beneficiado com mais 13 permissões. Finalmente, em 24 de fevereiro deste ano o traficante conquistou o último selo, completando, assim, a “coleção”.