Fotomontagem HP

Entidades de cientistas de todo o país repudiaram o plano do governo Bolsonaro de fundir a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – ligada ao Ministério da Educação, e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
A fusão dos órgãos de fomento teria surgido a partir da equipe do ministro da Educação do governo Bolsonaro, Abraham Weintraub, que teria enviado uma proposta de texto de Medida Provisória para fundir em uma mesma instituição a Capes e o CNPq. O MEC quer transformar as duas agências em uma fundação, que seria gerenciada pela pasta.
A medida vai ao encontro com a tentativa bolsonarista de privatizar das universidades federais por meio do famigerado projeto “Future-se”, que coloca a gestão das instituições de ensino nas mãos de Organizações Sociais.
Na última reunião do conselho superior da Capes, no dia 1º de outubro, o presidente da autarquia, Anderson Correira, confirmou que o governo pretende transformar os principais órgãos responsáveis pelo fomento à pesquisa científica no país em uma única fundação.
EQUÍVOCO
A medida gerou reação na área, um grupo de entidades lideradas pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) encaminhou uma carta aos ministros da Educação; Casa Civil; Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações; Economia; à Secretaria de Governo; e aos presidentes da Câmara e do Senado manifestando posição contrária à fusão.
“Qualquer extinção/fusão/incorporação dessas agências será prejudicial e lesiva ao funcionamento do Sistema Nacional de CT&I”, alertam entidades acadêmicas, científicas e tecnológicas de todo o País.
“Seria uma medida equivocada sob todos aspectos já que as duas instituições, criadas e desenvolvidas ao longo de mais de seis décadas, têm missões bastante claras e complementares”, diz a carta, assinada por instituições como a Academia Brasileira de Ciências, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Andifes (que reúne reitores das universidades federais). Além da Embrapa, da Fiocruz e os reitores da USP, UnB, UNIRIO e UNIFESP.
O presidente SBPC, Ildeu de Castro Moreira, afirma que agências devem continuar independentes e complementares, como têm sido ao longo das últimas seis décadas.
“Elas têm diferentes objetivos, diferentes finalidades. Há mais de seis décadas, vêm apoiando e fomentando as pesquisas, a formação de recursos humanos qualificados, o desenvolvimento científico e tecnológico, cada uma com suas funções próprias, e com muito sucesso. O aprimoramento é sempre importante e bem vindo, mas Capes e CNPq devem continuar independentes e complementares, como sempre foram”, ressalta Moreira.
Além da preocupação com a Capes e o CNPq, Moreira lembra que a Finep e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) que ela gerencia também estão em risco de extinção ou transferência para o BNDES ou Ministério da Economia (ME). Na carta, as entidades também pedem o fim da Reserva de Contingência do FNDCT, por se configurar em um uso de recursos que se desvia da finalidade para a qual foram recolhidos de setores econômicos, o fomento à P&D.
PROPOSTA SEM SENTIDO
Até mesmo Marcos Pontes, ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) criticou a proposta. “A junção do CNPq com a Capes não faz muito sentido”, e disse que se for inevitável “o local ideal é dentro do Ministério que trabalha com pesquisa e desenvolvimento, que é a finalidade dessas bolsas”, declarou.
O ministro Marcos Pontes publicou em rede social: “Sobre a ideia divulgada de junção do CNPq e CAPES: a posição do MCTIC é contrária à fusão, pois seria prejudicial ao desenvolvimento científico do País. Existe algum sombreamento de atividades e pontos de melhoria na gestão. Esses problemas já estão sendo trabalhados no CNPq”.
Para Roberto Muniz, presidente do sindicato nacional de gestores em ciência e tecnologia, a crise orçamentária tem provocado o surgimento de ideias que não resolvem a questão. “O governo está com um movimento para redirecionar todo o sistema de ciência e tecnologia, reduzi-lo drasticamente, e mudar o foco só para pesquisa aplicada, que gere recursos e lucros”, diz. “É um risco para a soberania nacional, porque sem produzir conhecimento básico o país fica refém dos países que produzem esse conhecimento”, diz Muniz, que também é presidente da associação de servidores do CNPq.
O líder do PCdoB na Câmara, deputado Daniel Almeida (BA), criticou mais esta investida do governo na direção de desmantelar o sistema nacional de ciência e tecnologia. “Essa medida equivocada pode custar muito ao nosso país, principalmente em termos de desenvolvimento econômico e tecnológico”, alertou o parlamentar por meio de sua conta no Twitter.
Por causa de corte de verbas promovido por Bolsonaro, a Capes cortou até agora 7.590 bolsas de pesquisa, o equivalente a 8% do que havia no início do ano. Mesmo após descontingenciamento, o órgão ainda enfrenta um congelamento de R$ 549 milhões no orçamento do ano.
O órgão ainda perde metade do orçamento em 2020, segundo proposta encaminhada ao Congresso pelo governo: sai de R$ 4,25 bilhões, segundo o valor autorizado para 2019, para R$ 2,20 bilhões no ano que vem. O MEC afirma que já garantiu mais R$ 600 milhões para o que vem e a Capes tem tentando convencer deputados a construir uma emenda parlamentar de mais R$ 300 milhões.
Com relação ao CNPq, o orçamento de 2019 já foi aprovado com a previsão de recursos insuficientes. O orçamento garantia o pagamento das 84 mil bolsas somente até agosto.
As contas vencidas no mês passado e neste ano foram pagas com recursos garantidos de última hora. A pasta ainda precisa de R$ 250 milhões para garantir as bolsas do ano.
Para pagar bolsistas neste mês, o CNPq remanejou recursos da área de fomento à pesquisa, que financia empreendimentos como o Sirius. O equipamento tem o tamanho de um estádio de futebol e é a máquina mais cara e sofisticada da ciência brasileira.
Trata-se de um acelerador de partículas, localizado em Campinas (SP), que possibilitará a visualização em altíssima resolução de estruturas de vírus e proteínas (em busca de novas vacinas), de solo (com a ideia de aprimorar fertilizantes) e de rochas e de novos materiais (para melhorar a exploração de gás e petróleo), entre outras aplicações. Quando estiver pronto, colocará o país na vanguarda das pesquisas com esse método.