Franceses exigem revogação da lei que pune filmar policiais violentos
Dezenas de milhares de manifestantes voltaram às ruas da França no sábado (5) para exigir que a lei que proíbe a filmagem de policiais violentos e amplia a vigilância em massa por câmeras, inclusive com drones, seja retirada do parlamento, ao invés de apenas remendada, como propôs em recuo o governo Macron.
As manifestações aconteceram em Paris e em mais quase uma centena de cidades e vilas. Na capital francesa, verificaram-se confrontos entre a polícia de Macron e alguns grupos vestidos de preto, com carros incendiados e vitrines quebradas, fazendo o jogo do regime.
O repúdio à lei cresceu muito com o brutal espancamento, flagrado em vídeo, de um produtor musical negro, dentro de seu próprio estúdio na semana passada. O que forçou o governo Macron a propor reescrever o artigo 24 – que ameaça com 1 ano de cadeia e multa de 45.000 euros quem filmar a truculência –, mas mantendo o resto do atropelo.
Inicialmente, estava previsto um ato – que acontece anualmente – das centrais sindicais contra a precarização do trabalho na França, que acabou engrossado para incluir a retirada total da lei mordaça de Macron, preconizada pelo coletivo # StopLoiSécuritéGlobale, que inclui entidades pelas liberdades democráticas e jornalistas.
Lei que denunciam como um golpe “à liberdade de imprensa, liberdade de expressão e liberdade de manifestação”, e que estabelecerá “instrumentos de vigilância em massa”.
Explicando a convergência das duas mobilizações, o secretário-geral da CGT, Philippe Martinez, sublinhou na passeata que “não há oposição entre as liberdades públicas e individuais e o fato de lutar contra a insegurança e o desemprego, especialmente durante o atual período”.
O secretário nacional do Sindicato Nacional dos Jornalistas/CGT, Emmanuel Vire, assim que o governo Macron se viu forçado ao primeiro recuo, comemorou, considerando-o “uma primeira vitória”.
Ele chamou de “impressionante” a unidade e amplitude alcançadas pelo movimento, ao reunir “desde a Sociedade de Jornalistas do Figaro [jornal conservador] até os coletes amarelos”. “Queremos que a pressão seja mantida até a revogação total dos artigos 22,23 e 24 e reformulação do ‘Plano Nacional de Manutenção da Ordem’”, afirmou.
No protesto, três bonecos gigantes de Macron, de seu ministro Darmanin e do chefe de polícia da capital, chamavam a atenção, enquanto manifestantes bradavam “basta de desemprego e precariedade/ Basta de Estado Policial/ Abaixo, Abaixo a Lei de Segurança Global”.
O advogado Ariel Alimi, da Liga dos Direitos Humanos, responsabilizou o chefe de polícia Didier Lallement pelos confrontos e acrescentou que ele havia “deliberadamente sabotado a manifestação”. Enquanto isso, depois de apostar no conflito, o ministro Darmanin foi ao Twitter postar que os “bandidos destroem a República” e exaltar “nossa polícia e nossos gendarmes”.
Na véspera, em entrevista a um portal de público jovem, Macron cinicamente atribuiu aos deputados a apresentação da famigerada lei, encenou indignação com os policiais que espancaram um produtor musical negro e disse não poder “permitir que digam que estamos reduzindo as liberdades na França”. “É uma grande mentira. Não somos a Hungria nem a Turquia”, asseverou.
Em visita a Marselha, o líder do partido França Insubmissa, e provável candidato a presidente nas próximas eleições, Jean-Luc Mélenchon, instou Macron a recuar da ‘Lei de Segurança Global’.
“Tem que jogar tudo no lixo. Não há vergonha em recuar. Mitterrand, Chirac, Hollande conseguiram. Às vezes, é melhor recuar do que mergulhar em uma batalha que divide”, assinalou.
Mélenchon, que havia considerado o vídeo do espancamento do produtor musical negro como “a prova terrível da natureza vital do direito de filmar a ação policial” e chamada a polícia francesa de “milícia bárbara”, incluiu dois sindicatos de policiais facciosos, Alliance e Unidade SGP-FO, entre os responsáveis por açular a violência na atuação policial e por criar um fosso entre a população e os agentes da lei.
Na manifestação em Paris, uma colete amarelo, que se identificou apenas como Nadine, disse à France Presse, que em dois anos não tinha visto tanta violência, “não é normal que não possamos filmar”.