Acuado pelos míseros 6% de aprovação do seu governo – a mais baixa desde o retorno à democracia – e com o tsunami que sacode o Chile às vésperas de completar o terceiro mês de protestos, o presidente Sebastián Piñera admitiu o retumbante fracasso da privatização da Previdência e anunciou novas concessões em seu projeto de reforma.
A proposta que irá levar ao Congresso ainda esta semana aumenta as minúsculas aposentadorias por meio da cobrança das empresas, que atualmente não contribuem com nada. Assim, a contribuição previdenciária total passaria de 10% para 16% com novos 6% do empregador. Desses, 3% iriam para a conta individual dos contribuintes e outros 3% – que contariam com um aporte inicial do Estado – seriam destinados a um ente público e autônomo, o “Fundo de Poupança Coletivo e Solidário”, que forneceria uma pensão adicional à financiada atualmente.
A falência do modelo especulativo tristemente dominado pelas Administradoras de Fundos de Pensão (AFPs), tão elogiado anteriormente pelo ministro Paulo Guedes, obrigou o presidente chileno a propor medidas que ele chama de “novo sistema de pensões” baseado em três pilares: Pilar Solidário, financiado pelo Estado; Pilar de Poupança Individual, financiado pelos trabalhadores e empregadores; e Pilar da Poupança Coletiva e Solidário, financiado por empresários e também com uma contribuição inicial do Estado.
Conforme Piñera, tal reforma permitiria um aumento de 56.600 pesos mensais (R$ 300) para os homens – um reajuste de 20% nas aposentadorias e beneficiaria a mais de 500 mil idosos – e um acréscimo de 70.800 pesos (R$ 380) para as mulheres – aumento médio de 32%, favorecendo mais de 350 mil aposentadas.
O presidente disse ainda que sua proposta garantiria que nenhum aposentado receba abaixo da linha de pobreza, atualmente 168 mil pesos (R$ 9 00), e que nenhum chileno com “pelo menos 30 anos de contribuição” tenha benefício inferior ao salário mínimo, que hoje é de 301 mil pesos (R$ 1,6 mil).
“LENHA NA FOGUEIRA”
“Todos queremos certamente viver em paz. Porém com esta proposta de Reforma da Previdência, o presidente Sebastián Piñera só joga mais lenha na fogueira”, afirmou Luis Mesina, porta-voz da coordenação No+AFP (Não mais Administradoras de Fundos de Pensão), frisando que as entidades populares chilenas rechaçam “terminantemente” a medida anunciada em cadeia nacional na quarta-feira à noite uma vez que mantém o poder do cartel privado sobre as aposentadorias. “O presidente disse que havia escutado as pessoas. Após quase três meses de intensos protestos o que podemos dizer é que ele não escutou ninguém”, condenou Mesina.
A organização No+AFP, lembrou Mesina, vem lutando há vários anos para pôr fim ao sistema privado vigente, de capitalização individual através das AFPs, em que empresas obtêm lucros milionários com o investimento em fundos especulativos enquanto pagam pensões extremamente baixas.
O resultado desta política de arrocho, alertou, tem sido comprovada na enorme quantidade de suicídios entre os aposentados. “É recente, mas impactante o estudo que revela que o idoso chileno tem a maior taxa de suicídios em toda a América Latina. Isso significa algo. Muitos dos idosos que cometeram suicídio deixaram carta e, nelas, explicitaram seu sofrimento pela baixa renda e pela precariedade sob a qual viviam”, assinalou Mesina.
“GOVERNO NA BANCARROTA”

“Desgraçadamente, o que necessitamos fazer agora, enquanto movimento social, é ampliar os apoios contra Piñera, mobilizar a todos os congressistas do país”, declarou Mesina, já que só há dois caminhos a seguir: “ou se colocam ao lado de um governo que está absolutamente na bancarrota ou das grandes maiorias, que pedem nada mais e nada menos que uma resposta à demanda geral”.
Luis Mesina destacou que o sistema de capitalização da Seguridade Social implantado “em meados dos anos 1980, sob a tirania de Augusto Pinochet, condena 97% dos chilenos a aposentadorias miseráveis e é a expressão trágica de um sistema que nega direitos fundamentais, lançando idosos a cenários desesperadores”.
Desmontando a propaganda neoliberal, o dirigente das massivas manifestações populares em defesa da Previdência pública alerta os brasileiros para os impactos negativos da privatização e defendeu que “é preciso desmontar o argumento de Paulo Guedes de que a reforma enxugará os gastos públicos”. “É mentira, pois é o governo chileno quem paga pelo menos sete entre dez aposentadorias. A capitalização, portanto, aumenta o gasto público, enquanto reduz consideravelmente os benefícios, com o cidadão recebendo menos de 30% do seu último salário”, acrescentou.
A mudança do sistema de capitalização para um modelo solidário é uma das principais reivindicações do levante popular que têm tomado as ruas do país desde outubro, registrando os mais graves enfrentamentos desde o retorno da democracia há três décadas. Até o momento, conforme o próprio Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH), são pelo menos 27 mortos, 3.583 feridos – 2.050 por algum tipo de bala, bomba ou arma não identificada – e mais de 320 cegados ou com sequelas graves nos olhos.
Iniciados como resposta ao aumento da tarifa do metrô, os protestos se converteram em massivo clamor popular contra a desigualdade e continuam, apesar de várias medidas anunciadas pelo governo para tentar reduzir sua força, entre a convocação de um plebiscito para uma nova Constituição.