Fome voltou a assombrar brasileiros antes da pandemia, indica IBGE
Um total de 84,9 milhões de brasileiros viviam em 25,3 milhões de domicílios com algum grau de insegurança alimentar em 2017-2018, segundo informações da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre os brasileiros que sofriam com insegurança alimentar, 56 milhões viviam em domicílios com insegurança leve; 18,6 milhões sofriam com insegurança moderada e 10,3 milhões experimentavam insegurança alimentar grave.
A POF 2017-2018 mostra ainda uma queda acentuada na proporção de domicílios com segurança alimentar de 2004 para cá. Dados da antiga Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad, que usa a mesma metodologia) indicam que a prevalência nacional de segurança alimentar era de 65,1% em 2004, cresceu para 69,8% em 2009 e chegou a 77,4% em 2013. No biênio 2017-2018, no entanto, essa prevalência caiu para 63,3%, abaixo do registrado em 2004.
As regiões com os menores índices de segurança alimentar são Norte (43%) e Nordeste (49,7%). Nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul os percentuais foram melhores: 64,8%; 68,8% e 79,3%.
Os dados do IBGE indicam também uma relação entre insegurança alimentar e ausência de rede de esgotos. Segundo a pesquisa, a rede geral de esgotos está presente em menos da metade dos domicílios com insegurança alimentar moderada (47,8%) e insegurança alimentar grave (43,4%). Em ambos os casos, a existência de fossa não ligada a rede é bastante relevante (43%).
Mulheres e pardos também predominam em domicílios com insegurança alimentar. Segundo a POF, nos domicílios em condição de segurança alimentar, predominam os homens como pessoa de referência (61,4%). Essa prevalência vai se invertendo conforme aumenta o nível de insegurança alimentar, até chegar a 51,9% de mulheres nos domicílios com insegurança alimentar grave.
Na análise por cor ou raça, os domicílios com pessoa de referência autodeclarada parda ficaram acima de 50% para todos os níveis de insegurança alimentar (50,7% para insegurança leve, 56,6% para insegurança moderada e 58,1% para insegurança grave).
“A chamada insegurança alimentar é a incapacidade de fazer frente, por meio da renda, ao acesso à alimentação”, afirma o sociólogo Clemente Ganz Lúcio. Ele destaca que os dados do IBGE mostram aumento da insegurança antes da emergência sanitária e disparada no preço dos alimentos.
“Era um período anterior à pandemia, onde o desemprego, o baixo crescimento e a geração de postos de trabalho precários, tudo isso, colaborou para um enfraquecimento da capacidade do mercado de trabalho em gerar proteção social. E uma das dimensões fundamentais dessa proteção social é a segurança alimentar”, comenta Clemente, que também é consultor das centrais sindicais.
Ele ressalta que a situação se agravou este ano, e, por isso, nunca foi tão fundamental manter o auxílio emergencial em R$ 600, pauta defendida pelas centrais em campanha.
“O aspecto do crescimento da insegurança representa a desigualdade. Agora, sobre tudo isso, você colocou uma crise sanitária com sintomas econômicos e uma carestia em relação aos alimentos. A população mais pobre usa o que tiver de renda para poder consumir alimentos. Essas pessoas não fazem nenhuma poupança. Toda a renda vai para o consumo, então, [quando a crise vem], cortam o consumo”, conclui.