Finlândia e Suécia se curvam à Otan e aderem à Guerra Fria dos EUA
Embaixadores da Finlândia e da Suécia em Bruxelas entregaram ao secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, na quarta-feira (18) pedido de ingresso na aliança agressiva, criada no tempo da Guerra Fria para “manter os americanos dentro [da Europa ocidental], os russos, fora, e os alemães, por baixo”, sob o pretexto de se oporem à operação da Rússia de desmilitarização e desnazificação da Ucrânia e proteção à minoria russa ameaçada de limpeza étnica no Donbass.
Com isso, os suecos estão abandonando uma política de neutralidade que esteve em vigor desde as guerras napoleônicas. A Finlândia aceitou a condição de Estado neutro após a derrota hitlerista na II Grande Guerra, como ex-aliada do Terceiro Reich.
Distantes estão os tempos em que líderes da estatura do sueco Olof Palme eram admirados no mundo inteiro pelo seu não-alinhamento e apoio aos movimentos de libertação do Terceiro Mundo.
Em dezembro do ano passado, a Rússia enviou aos EUA e à OTAN dois projetos de acordo, para restauração na Europa do princípio da segurança coletiva indivisível e fim da expansão para leste da OTAN, que viola os compromissos assumidos quando da reunificação alemã, e volta dos sistemas de armas ofensivas às posições de 1997, ano de formalização do Ato Fundador Rússia-OTAN – entendidos como parte de um processo para fim do mundo unipolar, sob Washington.
A Áustria não é membro da Otan e não tem planos de se tornar em um futuro próximo, disse o ministro das Relações Exteriores do país, Alexander Schallenberg, a jornalistas em Bruxelas . Ele disse que “respeita totalmente” as decisões tomadas por Helsinque e Estocolmo, mas acrescentou que “é a decisão deles e não nossa”. “A Áustria continuará a ser um país neutro”.
A Suécia e a Finlândia também fingem não saber que foi justamente a expansão da OTAN em cinco ondas até às fronteiras russas, agravada pelo fim do Tratado INF (que garantiu a paz na Europa por três décadas), pelo governo Trump, o que foi mantido pelo governo Biden, o que está trazendo à paz na Europa de volta ao estado crítico dos anos 1980, quando as capitais europeias estiveram a menos de dez minutos de voo de míssil com ogiva nuclear.
Prejudicial à paz
“Acredito que esta é uma decisão muito ruim para a Finlândia e a Suécia, desestabilizando ainda mais as relações e ameaçando a paz”, disse Earl Rasmussen, vice-presidente executivo do Eurasia Group.
Sua admissão pode até ser ilegal, afirmou ele, argumentando que “a Finlândia está violando o Tratado de Paz de Paris de 1947, que essencialmente exigia que eles [os signatários] permanecessem neutros sem forças estrangeiras dentro de suas fronteiras”. O Tratado de Paz de Paris foi assinado após o fim da Segunda Guerra Mundial entre as potências aliadas, incluindo a URSS, o Reino Unido, os EUA e a França, e ex-aliados da Alemanha nazista, como Itália, Romênia, Hungria, Bulgária e Finlândia. O acordo limitou o contingente militar da Finlândia, determinou as fronteiras soviético-finlandesas e selou a neutralidade de Helsinque.
Além disso, a candidatura da Finlândia à OTAN também viola o tratado russo-finlandês de 1992, de acordo com o Ministério das Relações Exteriores da Rússia. No entanto, Moscou ressaltou que a Rússia não tem intenções hostis contra nenhum dos países, mas também advertiu que a mais recente expansão da OTAN não tornará o continente mais estável ou seguro.
“Os EUA estão definitivamente usando a crise como um meio de ‘altamente encorajar’ uma maior expansão da OTAN para o leste”, diz Rasmussen. “Os EUA têm perseguido a inclusão da Suécia e da Finlândia na OTAN por muitos anos. A crise proporcionou uma oportunidade para um aumento do apoio público à adesão. Assim, permitindo que os políticos aquiesçam às sugestões dos EUA. Isso tem um perigo para aqueles na liderança sobre se haverá apoio dentro do país. Mas os EUA provavelmente vêem isso como um momento oportuno para pressionar pela expansão.”
Estocolmo e Helsinki
Na Finlândia, o fim da neutralidade foi aprovado no parlamento por 180 a 8. Na Suécia, somente os partidos Verde e Esquerda rechaçaram a ruptura com a histórica política do país. A russofobia está em modo de apoplexia em Estocolmo e em Helsinque, que já foi a capital da segurança coletiva e indivisível da Europa na década de 1970.
O anúncio do fim da neutralidade foi feito na véspera pelo próprio rei Carl Gustaf da Suécia, ao receber em Estocolmo o Presidente da Finlândia, o que chamou de “escolha histórica”. Nesta quinta-feira, a primeira-ministra sueca Magdalena Andersson e o presidente finlandês Sauli Niinistö vão à Casa Branca para a genuflexão diante do presidente Joe Biden.
“O fato de que a questão da adesão da Finlândia e da Suécia à OTAN possa ser resolvida dentro de algumas semanas sugere que Washington está pronta para isso há pelo menos muito tempo e contribuiu para isso por muito tempo”, afirmou Andrey Kortunov, diretor-geral do Conselho de Assuntos Internacionais da Rússia.
Ele lembrou ainda que “Washington e Bruxelas estabeleceram anteriormente diferentes formas de cooperação da OTAN com Estocolmo e Helsinque. Os Estados Unidos insistiram na participação da Suécia e da Finlândia nas operações de manutenção da paz da OTAN – em particular, na operação dos EUA no Afeganistão.
‘Formas de neutralidade não são toleradas’
“Alinhamento e submissão” são agora obrigatórios em troca de “proteção” (militar, mas também econômica), afirmou Paolo Raffone, analista estratégico e diretor da Fundação CIPI em Bruxelas, que acrescentou que a inclusão da Suécia e da Finlândia faz parte de uma estratégia de longa data que visa expandir a OTAN.
Ao envolver Estocolmo e Helsinque no rebanho da OTAN, a potência líder da aliança, os EUA, envia um sinal claro a seus aliados e parceiros de que “formas de neutralidade no hemisfério ocidental não são toleradas”, acrescentou.
Ele enfatizou que a última vez que um acordo de segurança europeia “sério e liderado pela Europa foi formalizado foi em 1975” com a Ata Final de Helsinque. “Desde o fim da Guerra Fria (1991) a Europa renunciou a si mesma, criando uma parceria cada vez mais forte com a OTAN.
As palavras de Biden ao primeiro-ministro italiano Draghi alguns dias atrás formalizaram a ideia: ‘uma UE mais forte é do interesse dos EUA. Uma UE mais forte só pode existir em sintonia com a OTAN’”, assinalou Raffone.
Embora, para ele, de certa forma Finlândia e Suécia há muitos anos são “são aliados de fato da OTAN e membros informais”.
Ao apresentar seu pedido, governo sueco se opôs à implantação de bases militares e armas nucleares em seu território, conforme declaração do Partido Social-Democrata no poder. Na Finlândia, as autoridades não fizeram essa reserva.
O Partido Verde, que faz parte da coalizão governamental, vem exigindo que seja aprovada uma lei pelo parlamento sueco que explicitamente proíba todas as formas de armas nucleares em território sueco, incluindo escalas portuárias ou trânsito aliado através de águas e espaço aéreo suecos, tanto em tempo de paz quanto em tempo de guerra. Eles também não querem que a Suécia participe do comitê especial da OTAN para armas nucleares.
Para o jornal chinês Global Times, a adesão à OTAN colocará Suécia e Finlândia em uma “armadilha americana”, o que levará a uma maior deterioração da situação de segurança na Europa.
Cui Hongjian, chefe do departamento europeu do Instituto de Estudos Internacionais da China, advertiu que os Estados Unidos podem vir a implantar armas estratégicas nesses países.
Na cúpula da CSTO (organização de segurança e cooperação de países ex-soviéticos), o presidente Vladimir Putin disse que a decisão de Helsinque e Estocolmo por si só não ameaça a Rússia. “Quanto à expansão, inclusive por meio dos novos membros da aliança – Finlândia e Suécia, a Rússia não tem problemas [territoriais] com esses Estados. Portanto, nesse sentido, a expansão à custa desses países não cria uma ameaça imediata para a Rússia”, afirmou.
No entanto, “a expansão da infraestrutura militar neste território certamente provocará nossa resposta”, alertou o líder russo. Qual será essa reação, Moscou determinará com base nas ameaças que serão criadas, acrescentou.
Putin disse ainda que a ampliação da OTAN “é um problema que foi criado de forma completamente artificial, uma vez que está sendo feito no interesse da política externa dos Estados Unidos”.
Em conversa telefônica com seu homólogo finlandês, Sauli Niinisto, no sábado, o presidente russo reiterou que Moscou não representa nenhuma ameaça para Helsinque e, portanto, abandonar a política tradicional de finlandesa de neutralidade é um “erro”. Ele lembrou ainda que as relações entre os dois países haviam sido construídas no espírito de boa vizinhança e parceria e prosperaram em benefício mútuo.
Pelo menos dois países, Turquia e Croácia, já manifestaram restrições ao ingresso da Suécia e da Finlândia na OTAN. O presidente turco Recep Erdogan disse que não seria admissível já que os dois países abrigam “terroristas curdos” e “gulenistas”.
Ancara também deseja que, em troca da retirada do veto, cessem as sanções por ter adquirido um sistema russo antiaéreo avançado, o S-400, entre outras pendências.
Já o presidente croata, Zoran Milanovic, planeja arrancar a mudança das leis eleitorais na Bósnia e Herzegovina. “Eu disse antes, os croatas na Bósnia são mais importantes para mim do que toda a fronteira russo-finlandesa”. A aceitação de novos países ao bloco requer o consentimento unânime de todos os membros.