Camisetas com mensagens contra o governo de Sebastián Piñera, punhos em alto, consignas entoadas pelo público e pelos artistas reivindicando o direito de manifestação e denunciando a repressão policial – dos ‘carabineiros’, como são chamados os policiais no Chile – marcaram o Festival de Viña del Mar, no Chile.
O maior e mais importante evento musical da América Latina, que tem seis dias de duração, e acontece uma vez por ano desde 1960, longe de funcionar pura e simplesmente como entretenimento, ou válvula de escape para abafar as tensões e exigências de mudança que estão colocadas na ordem do dia no Chile, desde o início no domingo, 23, atuou como reflexo e eco da crise.
Convocados pelas organizações populares e pelas redes sociais, milhares de manifestantes se reuniram nas proximidades do evento, no Anfiteatro Quinta Vergara, e não recuaram perante a repressão da polícia que abusou da violência.
O Festival foi aberto pelo cantor porto-riquenho Ricky Martin, que manifestou seu apoio aos protestos sociais no país. “Eu estou contigo Chile, nunca calados, sempre com amor e paz”, afirmou.
A edição deste ano foi comparada à de 1988, que aconteceu dias antes do plebiscito que aprovou o fim da ditadura de Augusto Pinochet e a posterior convocação de eleições. Agora, com um plebiscito já convocado para 26 de abril próximo, quando o eleitorado decidirá se quer ou não uma nova Constituição para substituir a herdada da ditadura, o repúdio popular ao governo se manifestou em muitas das apresentações.
“Muita gente me dizia que tinha que cancelar minha apresentação, que não podia se fazer uma festa no meio de todas as injustiças sociais e violações aos direitos humanos que vivemos, que não pode se fazer um festival cercado pela revolta. Mas estou aqui”, disse a cantante Mon Laferte, aplaudidíssima. “Os carabineiros lançaram um comunicado dizendo que iriam atrás de mim”, assinalou, provocando fortes assobios e brados de “Assassinos!” e “Quem não pula é cana!”, de milhares de pessoas na plateia, palavras de ordem às quais ela se somou. “Queriam me citar e me forçar a declarar por um delito. Até um momento atrás estava com muito medo. Pode ser um delito expressar uma opinião?”. Nesse momento, os espectadores se manifestaram em coro: “Você não está sozinha!”.
O governo enviou esquadrões de agentes antimotins a pé para intervir em toda a região em volta da Quinta Vergara, onde acontece o festival. Carros blindados, furgões e ônibus circulam desde a quinta-feira para “entrar em ação quando for necessário”. Os manifestantes foram gravados por drones.
A revolta no Chile começou por conta do aumento de 30 centavos de peso na tarifa do metrô de Santiago e se alastrou como pólvora por todo o país, transformando-se numa denúncia de desigualdades referentes aos custos de saúde e ao financiamento da educação.
A constituição chilena, que remonta ao regime militar do general Augusto Pinochet, também foi rejeitada pelos manifestantes.
Apesar do presidente Sebastián Piñera já ter concordado em agendar um referendo para mudar a constituição, o povo afirma que essa medida não é suficiente e acusa o governo chileno de não ouvir a voz das ruas.