O candidato a presidente argentino, Fernández, deixou claro que não pretende cair em provocações: "Se Bolsonaro quer bailar este tango não conte comigo" - foto Alejandro Pagni - AFP

“O vínculo entre Brasil e Argentina deve ser indissolúvel, somos sócios demasiado profundos para que se pense que isso possa se dissolver por um presidente de conjuntura, que se chame Bolsonaro ou Fernández”, declarou o candidato da coligação “Frente para Todos”, Alberto Fernández, que tem como vice a ex-presidente Cristina Kirchner e que saiu na frente nas recentes Primárias Ampliadas, superando o atual presidente Macri por 49% a 33%.

Fernández assim falou respondendo a diatribes proferidas por Bolsonaro quando soube da derrota de seu preferido, Maurício Macri. Então desandou a falar coisas do tipo: “Argentinos fugirão para o Brasil se a ‘esquerdalha’ voltar ao poder” ou chamando os vitoriosos na disputa pelo próximo mandato na Casa Rosada de “bandidos de esquerda”.

Fernández deixou claro que não tem intenção de entrar nesta discussão de baixo calão, afirmando: “Se Bolsonaro quer bailar este tango não conte comigo. É o presidente que os brasileiros elegeram, com todas as diferenças que tenha deve ajudar a que Brasil e Argentina aprofundem seus vínculos”.

Ele também se referiu a uma mal colocada afirmação do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que “se Fernandez e Cristina resolverem fechar a economia argentina, o Brasil sai do Mercosul”.

Em entrevista ao jornal argentino La Nación, dia 18, disse a Bolsonaro e Guedes que defende o Mercosul, para ele “uma questão central” e, sugerindo que “fiquem tranqüilos”, acrescentou: “Não penso em fechar a economia e o Brasil continuará nosso principal parceiro”.

Fernández esclareceu também que não é contra a formação de blocos econômicos, desde que não prejudiquem os interesses nacionais dos seus partícipes, que devem ser defendidos: “Meu problema não é que a economia se abra. Meu problema é que essa abertura prejudique os argentinos. Se for aberta, preservando os argentinos, que seja bem-vinda”.

19-08-2019 (41)

Multidão se reúne por salário e emprego em Buenos Aires

Dezenas de milhares de argentinos marcharam até a Casa Rosada, sede do governo, para exigir empregos, melhores salários e aumento dos subsídios à pobreza, em meio ao estouro de uma crise financeira que deixa o presidente Mauricio Macri,  isolado até das forças que o apoiaram desde sua eleição.

“A dívida é com o povo, não com o FMI (Fundo Monetário Internacional)”, dizia uma das bandeiras na manifestação, em referência ao acordo pelo qual, em troca de 57 bilhões de dólares, Macri submeteu o país ao controle – que chama de supervisão –  da política econômica do governo.

A chapa de oposição composta pelos peronistas Alberto Fernández e Cristina Kirchner obteve uma vitória arrasadora sobre o arrocho e desemprego de Macri nas eleições Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (PASO) realizadas no domingo, 11, com uma percentagem de 49,2% contra 33,1% (16 pontos de diferença). A reação destemperada do presidente provocou a derrubada do mercado financeiro.

O Instituto Nacional de Estatística e Censos da Argentina (Indec) divulgou recentemente uma pesquisa mostrando que no primeiro trimestre de 2019 a pobreza no país atingiu 34,1% e a indigência chegou a 7,1% da população. No primeiro trimestre do ano passado, o índice indicava 25,5% dos argentinos em situação de pobreza.

Sindicatos, organizações de desempregados e de partidos de oposição, com faixas, bandeiras e cartazes enfeitaram a enorme manifestação que se concentrou na Praça de Maio, no dia 16, à qual se somaram milhares de manifestantes espontâneos.

As primárias tiveram um valor simbólico porque os partidos já tinham escolhido previamente seus candidatos à presidência, mas tornaram-se uma pesquisa precisa do que deve ocorrer nas eleições presidenciais de outubro. Daí a reação de Macri.

Um dia depois do resultado eleitoral, com o câmbio desfavorável ao peso disparando e a moeda argentina perdendo 15% em relação ao dólar, o presidente tentou chantagear: “Isso é só uma amostra do que pode acontecer” com a previsível vitória da oposição.

Imediatamente, milhares de cientistas e personalidades ligadas à produção cultural na Argentina divulgaram uma declaração pública onde expressaram sua preocupação com a fala irresponsável de Macri, assim como com a real situação econômica do país e exigiram ao governo que “assuma sua responsabilidade na crise a que nos conduziu”.

Até a grande mídia internacional buscou se distanciar das origens da crise econômica que atravessa a Argentina. Um artigo de opinião do jornal New York Times, na segunda-feira, 19, desmentiu que os resultados eleitorais das PASO tenham sido o detonador dos aumentos da semana passada.

“Quem tem a culpa da crise econômica na Argentina?” se intitula o artigo escrito na versão em espanhol do jornal estadunidense. Discordando dos argumentos de  Macri que responsabilizou os votantes pela crise, o articulista Mark Weisbrot cita o desastre dos indicadores econômicos que são de responsabilidade direta do atual governo. “A pobreza se incrementou de maneira significativa, a renda por pessoa caiu e o desemprego aumentou. As taxas de juros dispararam de 32 para 75% atualmente; a inflação cresceu de 18 para 56%. A dívida pública cresceu de 53% a mais de 86% do PIB”, detalha o jornalista, assinalando que “tanto da perspectiva de um economista, como de um cientista social, não está claro o motivo pelo qual deveríamos temer ao kirchnerismo”.