Policiais e agentes do FBI na chegada à mansão de Trump

Conhecido por fazer da manipulação da justiça um modus operandi na engorda de seu patrimônio empresarial e cacife político, o ex-presidente Donald Trump está tendo de se haver com uma semana de cão, que começou com uma batida do FBI em sua mansão na Flórida por nove horas na segunda-feira (8) e continuou em Nova York na quarta-feira (10), em que teve de apelar para o direito constitucional de não produzir provas contra si mesmo – ou seja, ficar calado – ao depor sobre falcatruas das Organizações Trump perante a procuradora-geral do estado, Letitia James.

O FBI e o Departamento de Justiça não comentaram os motivos do mandado de busca na mansão. De quebra, na terça-feira (9), um tribunal federal de apelações ordenou a Trump que entregue suas declarações de imposto de renda a um Comitê da Câmara.

Em paralelo, o Comitê Seleto da Câmara dos deputados continua reunindo evidências sobre o papel de Trump na convocação de hordas de supremacistas e negacionistas e invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, visando impedir a certificação da vitória nas urnas de Joe Biden.

O que poderá levar Trump a ser indiciado por obstrução da contagem de votos e conspiração para cometer fraude eleitoral.

Outra investigação examina sua tentativa de forçar o secretário de Estado da Geórgia, que dirigia o processo eleitoral no estado, a fabricar ‘11.799 +1’ votos para fraudar a vontade popular ali (há uma gravação).

Trump é acusado, também, de sumir com caixas de documentos da Casa Branca supostamente incriminadores, que deveriam ter sido entregues, como manda a lei, aos Arquivos Nacionais.

Há ainda um processo criminal em Nova York que corre paralelamente ao processo civil sobre fraudes nas Organizações Trump.

Segundo o Washington Post, um grande júri federal na capital Washington está “colhendo informações” sobre as ações da corriola de Trump para forjar resultados falsos em estados chaves – Arizona, Georgia, Pennsylvania, Michigan, Wisconsin, New México e Nevada — antes do 6 de janeiro.

Em Atlanta, o promotor Fali Willis conseguiu com que um grande júri intimasse para depor o advogado de Trump, o ex-prefeito de Nova York, Rudy Giuliani, um dos chefões da “Sala de Guerra” do no Hotel Willard, nas imediações da Casa Branca.

Há também a denúncia de ex-funcionários de Trump de que na reta final ele rasgou e descartou documentos oficiais do governo até pelo vaso sanitário.

Como assinala o portal People’s World, “a lei está se movendo cada vez mais perto de Trump por seus crimes antes, durante e depois de seu mandato no Salão Oval”.

O pente fino que o FBI fez na suntuosa mansão de 128 quartos foi vista pelo Wall Street Journal como tendo “cruzado o Rubicão” do indiciamento de “um ex-presidente”, acrescentando em editorial que especialmente se a alegada ofensa e as provas “foram menos do que imperiosas”, cada futuro presidente “será um alvo”.

Aliás, progressistas e republicanos concordam que se trata de um fato “sem precedentes” na história do país e para o qual um mandato judicial só se justificaria no caso de um grande crime, e não alguma violação técnica sobre manuseio de documentos.

“Ninguém pode acreditar que cerca de 30 agentes do FBI foram mobilizados para revistar Mar-a-Lago por um dia inteiro porque Trump estava em posse de uma dezena de caixas de documentos da Casa Branca que podem incluir material classificado”, destacou o portal wsws, acrescentando que a Casa Branca está tomando o povo norte-americano “por bobo”.

Ou, dito de outro jeito, Biden e seu secretário de Justiça estão deliberadamente ocultando do povo norte-americano a gravidade e profundidade da ameaça à democracia – mesmo uma democracia avacalhada como a dos EUA.

A “travessia do Rubicão” é uma referência à decisão de Júlio César de enviar as suas legiões através do rio Rubicão e derrubar a República Romana, tomando para si o poder ditatorial em Roma.

À parte a vida pregressa nos desvãos do ‘mercado imobiliário’, a grande questão que pesa sobre Trump é a investigação de seu açulamento às milícias em 6 de janeiro para a invasão e ocupação do Congresso dos EUA e virtual virada de mesa. “Lutem como o inferno”, ele instou a seus mínions, e quase conseguiu.

Como é do seu feitio, Trump irá tentar levar vantagem até mesmo com a blitz do FBI. Fez-se de “vítima”, lamuriou-se sobre a “caçada às bruxas” sobre ele e “sua bela empresa”, comparando o arrombamento de um cofre durante a batida policial em sua mansão ao escândalo “Watergate” e denunciando o “abuso de poder”.

Já a Casa Branca asseverou que “ninguém no governo foi avisado” e enfatizou a “autonomia” das decisões do Departamento de Justiça, acredite quem quiser. A alta cúpula democrata insistiu em dizer que a incursão do FBI em Mar-a-Lago mostrava que, nos EUA, “ninguém está acima da lei”. Quanto a indiciar ou não o ex-presidente, a decisão caberá ao cauteloso secretário de Justiça de Biden, Merrick Garland, observou a mídia.

Segundo a rede NBC, não foi uma invasão a força, já que o FBI avisou o Serviço Secreto, que protege o ex-presidente, antes de chegar. Um juiz federal assinou o mandato de busca.

“Nunca aconteceu antes com um presidente dos Estados Unidos nada como isso”, disse Trump em um comunicado, em que descreveu a blitz do FBI como “desnecessária e inapropriada”.

“Estes são dias escuros para nossa nação, uma vez que minha bela casa de Mar-a-Lago está sob assédio e ocupada por um grande grupo de agentes do FBI”, ele acrescentou.

Sobre o processo movido pela procuradora-geral de Nova York, Trump tuitou que “minha grande empresa e eu estamos sendo atacados de todos os lados”, para concluir: “República de bananas!”

Segundo especialistas, pelo caráter explosivo da medida, uma batida policial na casa de um ex-presidente, ainda mais um que quer voltar a disputar a presidência em 2024, além da aprovação de Garland também deve ter ocorrido o aval do diretor do FBI, Christopher Wray. O que torna ainda mais improvável que Biden, até aqui o candidato democrata à reeleição, de “nada soubesse”.

“O propósito das buscas, pelo que disseram, foi porque os Arquivos Nacionais queriam corroborar se Donald Trump tinha ou não algum documento em seu poder”, afirmou à Fox News o filho, Eric, que estava presente no momento da blitz. No início do ano, o ex-presidente foi obrigado a entregar 15 caixas desses documentos aos Arquivos Nacionais.

Trump afirmou ainda que, durante a operação do FBI em sua mansão, nem seus advogados foram autorizados a acompanhar a busca, insinuando que poderiam ter “plantado” – esse o termo usado pelo ex-presidente – alguma coisa contra ele.

Fascismo à parte e voltando para o comezinho terreno da trapaça, os filhos do ex-presidente foram intimados a depor sobre as acusações de que Organizações Trump teriam usado avaliações de ativos falsas ou enganosas em suas demonstrações financeiras para obter empréstimos, seguros e benefícios fiscais.

O depoimento de Ivanka Trump ocorreu na semana passada e Trump Jr. teve seu depoimento no final de julho, disseram pessoas familiarizadas com o assunto. Os dois não fizeram uso da Quinta Emenda e responderam às perguntas.

Em 1920, o filho Eric e o ex-diretor financeiro das Organizações Trump, Allen Weisselberg, tinham apelado para a Quinta Emenda “mais de 500 vezes”, segundo a mídia.

Quanto à acusação de avaliações enganosas de ativos, em um depoimento de 2007 em um processo por difamação, Trump explicou ter calculado seu patrimônio líquido, até certo ponto com base em seus “sentimentos” e que deu o “melhor giro” a alguns dos ativos.

“Acho que todo mundo” exagera sobre o valor de suas propriedades, ele testemunhou, acrescentando: “Quem não faria?”

“Inflou os valores?”, lhe foi perguntado. “Não além da razão”, acrescentou Trump.

“Vamos falar sobre isso”, disse Trump no depoimento, assinalando que “em última análise” e “predominantemente” foi Weisselberg quem apresentou os valores finais, que ele disse ver como “conservadores”.

Analistas observaram que os advogados de Trump provavelmente irão argumentar que as demonstrações financeiras não foram auditadas, então qualquer pessoa que confiasse nelas estaria avisada. Mais: nenhum dos credores perdeu dinheiro nas transações, o que dificulta a alegação de que foram fraudados ou enganados.