Charge: Latuff

A exposição “Independência em Risco” inaugurada na última segunda-feira (2), na Câmara Municipal de Porto Alegre, foi cancelada por ordem da vereadora Mônica Leal (PP), menos de 24 horas após a abertura, por conter charges críticas ao governo Bolsonaro.
Segundo a vereadora, que é a atual presidente da Câmara, a mostra que reúne 36 desenhos de 19 cartunistas da Grafistas Associados do Rio Grande do Sul (Grafar), possuía conteúdo ofensivo e desrespeitoso a Jair Bolsonaro.
A exposição passou a ser pensada no mês de julho, com organização da Grafar, que se reúne no Clube de Cultura e a presença dos cartunistas Edgar Vasques, Santiago, Vecente, Dóro, Elias, Alexandre Beck, Alisson Affonso, Bier, Bruno Ortiz, Edu, Eugênio, Gui Moojen, Hals, Kayser, Koostela, Latuff, Nik, Schroder e Uberti.
A exposição deveria se estender até o dia 19 de setembro.
Em um dos trabalhos apresentados, que segundo a vereadora seria ofensivo, Bolsonaro aparece lambendo os sapatos do presidente dos EUA, Donald Trump, enquanto entrega o Brasil em uma bandeja. A criação foi realizada pelo chargista Carlos Latuff, a pedido da organização Juventude Pátria Livre (JPL).
Responsável pela exposição, o presidente da Grafar, Leandro Bierhals, considerou o cancelamento como uma forma de censura. “As nossas charges não são ofensivas, mas são reflexos da realidade. O que a gente faz com a charge é uma crítica.”
Autor de uma dos trabalhos citados pela vereadora, no qual Donald Trump aparece de cuecas com uma placa com a embaixada do Brasil, Bierhals disse que houve problema de interpretação. “A interpretação dela foi totalmente errada, a ideia era falar sobre a subserviência do Brasil com os Estados Unidos”, observa o chargista.
“Além da independência, a liberdade de expressão também está em risco!”.
O chargista Carlos Latuff também se manifestou sobre o episódio:
“Quando tem um presidente que faz saudação à bandeira americana, quando seguidores desse presidente vão às ruas com bandeiras dos Estados Unidos, fica muito claro a subserviência do governo brasileiro ao governo americano. Não é questão de imitar, é de se submeter”, disse o chargista.
“Aliás, talvez este seja um momento prolífico para os chargistas, porque as atitudes do presidente são verdadeiras piadas prontas, verdadeiras caricaturas.”
Latuff, contudo, se diz preocupado com a suspensão da mostra. Para o cartunista, o encerramento precoce da exposição pode sinalizar um movimento de cerceamento ao pensamento artístico no país:
“Já tive charges censuradas em países como Egito e Turquia, que nem de longe são democracias. Quando o chargista é alvo de um ataque como esse, é um sinal de que ou a democracia e a liberdade de expressão estão em perigo ou deixaram de existir. Quero crer que ainda estamos em uma democracia. Senão, vamos ter que declarar oficialmente que estamos em uma ditadura”, afirma. “Mas, se tem uma democracia, que os artistas, os jornalistas, o teatro e o cinema possam se expressar”, completa.
Para o vereador Marcelo Sgarbossa (PT), um dos idealizadores da mostra na Câmara, “Grande parte delas (charges) critica a ideia do Brasil independente, ainda mais de um governo em que o pai escolhe o filho como embaixador para agradar o outro presidente. As relações são sempre de ceder algo e não pedir nada em troca”, cita, lembrando a afirmação do presidente Bolsonaro de que recomendaria o filho Eduardo como próximo embaixador do Brasil nos Estados Unidos por sua ligação com a família de Donald Trump.
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), em nota, repudiaram a censura à Exposição ‘Independência em Risco’.
“A diretoria do Sindjors repudia toda atitude de censura, repressão ou cerceamento de trabalho de profissionais da imprensa, assim como defende a total liberdade de expressão e de atuação dos nossos colegas”, completa o comunicado oficial, assinado pelo SindJors e pela Fenaj.