Sete ex-ministros da Cultura condenaram a censura e os ataques bolsonaristas na área.

A Associação de Produtores de Teatro (APTR) realizou no Galpão Gamboa, na Zona Portuária, do Rio de Janeiro, o evento “Cultura, Liberdade de Expressão e Democracia” que reuniu sete ex-ministros da Cultura de gestões de Fernando Collor a Michel Temer, políticos, artistas e produtores culturais, na segunda-feira (11), para debater liberdade de expressão e democracia no governo Bolsonaro.
O evento foi organizado depois da nomeação de Roberto Alvim para comandar a Secretaria Especial de Cultura, que foi transferida do Ministério da Cidadania para o Ministério do Turismo, na semana passada.
Os ex-ministros da pasta participaram do evento: Gilberto Gil, Francisco Weffort, Luiz Roberto Nascimento e Silva, Marta Suplicy, Ana de Hollanda, Marcelo Calero e Sérgio Sá Leitão.
O ator Marco Nanini celebrou o encontro realizado no Rio de Janeiro. “Estamos começando uma mobilização. Lutamos contra a ditadura, numa época em que a censura não era camuflada, a gente sentia na carne. Poder ver todos estes ex-ministros juntos e ouvi-los foi muito importante”, disse.
“É incrível, em novembro de 2019, nós — produtores, artistas e intelectuais — estarmos reunidos para falarmos sobre liberdade de expressão e democracia”, afirmou o organizador do evento Eduardo Barata, presidente da associação.
Marta Suplicy defendeu uma frente ampla pluripartidária para o setor e parafraseou a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Carmen Lúcia e afirmou que “censura a gente não debate, a gente combate”.
Segundo Marta “estão cortando o oxigênio da Cultura do nosso país”.
A ex-ministra relembra que os bolsonaristas estão criando um medo muito grande. “As pessoas começaram a temer sair nas ruas”. “É um espanto ver o filho do presidente falar em AI-5”, considerou.
Para Marta, é necessário se unir as forças contra o governo Bolsonaro. “A frente ampla é o que podemos fazer para barrar este retrocesso civilizatório que estamos vivendo”, disse.
“A ditadura caiu quando nós nos unimos, quando o que passou a imperar foi uma defesa fundamental da democracia e da livre expressão. E é isso que nós precisamos ter agora, uma união de todos, uma frente ampla de centro-esquerda onde nós possamos estar juntos”, ressaltou.
Ana de Hollanda destacou que a censura só foi extinta pela Constituição de 88. “Isso foi um grande avanço e agora estamos encarando um retrocesso que nunca tinha ocorrido na nossa história”, disse.
“Importante manter a Cultura como a expressão mais livre, espontânea e autêntica do pensamento do povo. Precisamos manter acesa a liberdade de ser, de expressar o que o povo está dizendo”.
“É claro que a cultura e a arte incomodam governos autoritários e pessoas intelectualmente limitadas que não conseguem lidar com a ironia”.
A ex-ministra também condenou “essa mudança sem qualquer sentido da pasta da Cultura, que já deixou de ser ministério, e sai da Cidadania para o Turismo”.
Por fim, Ana de Hollanda alertou para a tentativa do governo de destruir o Fundo Nacional de Cultura por meio da PEC dos Fundos Públicos, enviada por Paulo Guedes ao Congresso Nacional.
Os fundos públicos especiais são alimentados por recursos vinculados a receitas específicas, como tributos e royalties. São recursos que têm direcionamentos fixos previstos por lei para diversas áreas, como saúde e educação. Na Secretaria de Cultura, por exemplo, o Fundo Nacional de Cultura fomenta diversas autarquias, como a Fundação Nacional de Artes, a Funarte.
O diplomata da Academia Brasileira de Letras (ABL) Sérgio Paulo Rouanet, que foi secretário de Cultura do governo Collor — cujo nome batizou informalmente a lei brasileira de incentivos fiscais à cultura, de 1991, criticou a censura promovida por Bolsonaro. “A gente tem um pouco de vergonha, em pleno século 21, de ter que defender a razão e a cultura. Esperamos que seja uma curta escaramuça contra o obscurantismo. Nós temos que acreditar em muitas coisas, entre elas, no progresso da razão”, disse.
Rouanet citou frase atribuída a Voltaire e foi aplaudido de pé. “Posso não concordar com nenhuma palavra que dizes, mas vou lutar até o fim pelo teu direito de dizê-lo”.
O presidente da Câmara dos deputados, Rodrigo Maia (DEM), participaria do evento. Ele cancelou a presença por conta da forte chuva no Rio, mas enviou um vídeo que foi exibido na abertura.
“Tenho certeza que, aqui na Câmara (dos Deputados), junto com deputados e deputadas estaremos sempre lutando pelo fortalecimento dos investimentos na área de cultura, com a certeza da importância que tem o tema. E, claro, o investimento na área de cultura é fundamental somado a nossa liberdade de expressão, que é um país que vai crescer, que quer ser próspero e a democracia precisa garantir isso para a nossa população”, disse Maia.
O deputado federal Marcelo Calero (Cidadania-RJ), ministro da Cultura no governo Temer apontou a intenção de Bolsonaro em destruir com a cultura. “É preciso entender que há hoje uma intenção deliberada de destruição da cultura. Precisamos dobrar nossa aposta para resistir, e peço para que os artistas não cedam à autocensura”, disse Celero.
Calero ganhou apoio dos demais ex-ministros para a apresentação de um projeto de decreto legislativo para revogar a medida do presidente Jair Bolsonaro.
Gilberto Gil afirmou que grande parte da estrutura administrativa montada até pouco tempo atrás exigiu trabalho árduo e está sendo desmantelada.
“Recusada à instituição governamental da Cultura o status de ministério, estatura e prestígio, reduzida a um lugar secundário na estrutura do governo, que ela possa estar à altura de suas responsabilidades para o país no seu sentido mais amplo e mais profundo. Queremos a consideração e o respeito às conquistas do nosso passado e uma visão mais generosa do nosso futuro”, disse Gil, sob aplausos.
Após a exibição de um vídeo com atos considerados censura na área cultural, a atriz Carolina Virguez fez uma apresentação do trecho final de “Caranguejo overdrive”. A cena faz um resumo da vida política no Brasil após a redemocratização, razão pela qual teria sido vetada da programação da mostra “CCBB — 30 anos de Cias”, em setembro.
Na plateia, estavam os atores Guilherme Weber, Camila Morgado, Bruce Gomlevsky e Maitê Proença; a diretora Bia Lessa; o cineasta Silvio Tendler, e os produtores de cinema Lucy e Luiz Carlos Barreto.
Além dos ex-ministros, integraram a mesa a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ, da comissão de Cultura da Câmara), o deputado estadual Eliomar Coelho (PSOL-RJ, da comissão de Cultura da Assembleia Legislativa do Rio).