A ministra da Defesa alemã Ursula von der Leyen será a nova líder da Comissão Europeia

O ex-deputado inglês e apresentador da RT, George Galloway, ironizou a escolha, após vários dias de conchavos e rasteiras, dos novos líderes da Comissão Europeia & Banco Central Europeu, respectivamente a ministra da Defesa alemã Ursula von der Leyen e a até aqui diretora-gerente do FMI, a francesa, de notória trajetória pró-americana, Christine Lagarde: “será que alguém espera que elas mudem o status quo neoliberal?”

O significado disso tudo para os cidadãos da Europa e para o mundo, asseverou, será “desemprego em massa e migração interminável nos Estados membros mais pobres e periféricos, austeridade e desemprego em massa de jovens, mesmo nos Estados mais ricos”.

Como observou o ex-deputado, “uma antiga apparatchik do FMI não fará nada para alterar a maré neoliberal de eventos”.

A Comissão Europeia é o órgão executivo da União Europeia, enquanto o BCE, encabeçado atualmente pelo Goldman Sachs, perdão, pelo italiano Mario Draghi, dispensa apresentações. Para outras acomodações, há ainda o Conselho Europeu, que reúne os chefes de governo de cada Estado membro e tem um presidente, o Parlamento Europeu e seu presidente, e o chefe da diplomacia europeia. Na composição a que se chegou, é evidente o acerto entre Berlim e Paris.

“NEGLIGÊNCIA”

Conhecido eurocético, Galloway troçou, ainda, que “uma ministra alemã da Defesa, fanática por um exército europeu – o que poderia dar errado?!” Aproveitou para tirar do baú a condenação de Lagarde por negligência no uso indevido de fundos públicos quando era ministra da Fazenda de Nicolas Sarkozy: agora “recebe as chaves do maior banco de todos”.

Também não escapou de sua língua ferina o “regozijo” dos liberais da política de identidade “por causa dos cromossomos envolvidos”.

“Tanto Ursula von der Leyen, o falcão substituindo o alegre Jean-Claude Juncker, quanto Christine Lagarde, são mulheres. Que nenhuma das duas [assim como todos os que já ocuparam esses cargos antes] tenha um pingo de legitimidade democrática, mas uma imensa carga de poder, não importa nem um pouco”, alfinetou. “Pessoalmente, deixei de acreditar nesse tipo de coisa quando Margaret Thatcher abriu caminho pela década de 1980, deixando a indústria da Grã-Bretanha destroçada”.

Comentários de Galloway à parte, quando as águas ficaram mais turvas nas negociações, o argumento de que por ser mulher ninguém ousaria vetá-la foi usado para emplacar Frau von der Leyen. “A única maneira de garantir que o Parlamento (europeu) esqueça o spitzenkandidaten (sistema em que os blocos partidários indicam os nomes que concorrem à Comissão Europeia) é apresentar uma candidata, porque eles não vão se atrever a impedir que uma mulher presida a Comissão pela primeira vez”, explicou uma fonte na terça-feira (2) pela manhã.

Já para brecar o candidato alemão ao BCE, o presidente do Bundesbank Jens Weidmann, que ninguém queria de jeito nenhum, o nome de Lagarde serviu como uma luva.

“De fato, não havia democracia alguma”, assinalou Galloway quanto ao processo de decisão da cúpula de Bruxelas: “sem comícios, sem debate, sem votos, sem eleição”. “Nem mesmo fumaça branca da chaminé de Bruxelas para contar às centenas de milhões de cidadãos da UE quem seriam seus novos governantes”, acrescentou, comparando o processo todo a uma “negociação de cavalos”.

Quanto à política externa, que ficará a cargo do espanhol Joseph Borrell, seguirá “com medo de confrontar a lógica das crescentes diferenças da Europa com Washington – sobre as mudanças climáticas, o Irã, as guerras comerciais desencadeadas pelo presidente Trump e os confrontos enlouquecidos com o maior país da Europa, a Rússia”.

Galloway voltou a advertir que “sanções e o perigo da guerra à medida que a Otan se aproxima cada vez mais do coração da Rússia é uma receita para o desastre”. Ao que acrescenta que um ministro da defesa da Alemanha que deseja estabelecer um exército europeu “é igualmente improvável que reduza as tensões”.

O demissionário primeiro-ministro belga, o liberal Charles Michel, foi escolhido presidente do Conselho Europeu. No Parlamento Europeu, acabou dando o italiano David Sassoli, do Partido Democrático (oposição a Matteo Salvini), que será presidente pelos próximos 2 anos e meio. Como prêmio de consolação, o alemão Manfred Weber, que era o candidato inicial de Angela Merkel para presidir a Comissão Europeia, completará a segunda parte do mandato.

Os membros do chamado Grupo de Visegrad – do leste europeu – ficaram chupando dedo, apesar do papel que jogaram para vetar o nome do socialista holandês Frans Timmermans, tido como fortíssimo candidato à presidência da Comissão Europeia no início da pendenga. Timmermans era particularmente detestado por poloneses e húngaros por ter encabeçado os processos sobre a violação dos “valores fundamentais europeus” por parte desses governos.

Nas últimas eleições do parlamento europeu, o peso de conservadores e social-democratas encolheu, os liberais, os verdes e os eurocéticos cresceram, a par dos xenófobos ao estilo Salvini. Os progressistas se seguraram no mesmo patamar. O bloco social-democrata chegou a acalentar o sonho de capturar a presidência da Comissão Europeia, há 15 anos em mãos da direita tradicional (‘populares’) – estes, aliás, detinham também a presidência do Conselho Europeu.

A opção adotada torpedeia o sistema de spitzenkandidat, tão ao gosto de Berlim por aparentar uma escolha definida com base em alguma instância efetivamente eleita em uma base europeia, no caso, o Parlamento de Estrasburgo, principalmente quando se trata de fazer o que os monopólios alemães mais gostam: empurrar o austericídio à prisão dos povos europeus. El País registrou como a ofensiva de social-democratas mais liberais só durou 48 horas e se desbaratou, depois que o presidente francês Emmanuel Macron roeu a corda, dando passo à alemã von Der Leyen. Merkel chegara a aceitar a fórmula Timmermans-Weber, mas quando o holandês chegou ao placar de 21 países a favor e 7 contra – um quarto dos membros se opondo -, reabriu a discussão, e o atual vice-presidente da Comissão Europeia, acabou por cair do cavalo. Curiosamente, Frau von der Leyen foi aprovada por 27 a 1 – a Alemanha se absteve, porque os parceiros de Merkel na Groko (grande coalizão), os social-democratas, ficaram terminantemente contra. O Conselho Europeu extraordinário, começou no domingo e só acabou na terça-feira. Em suma, os vários tons de neoliberalismo estão devidamente acavalados na União Europa até à próxima crise