EUA: Líderes políticos do mundo todo dizem não à extradição de Assange
Cerca de 160 chefes e ex-chefes de Estado, primeiros-ministros, ministros, diplomatas e parlamentares assinaram uma carta exigindo que o governo do Reino Unido encerre o processo de extradição de Julian Assange movido pelo regime Trump. Os signatários pedem que seja concedida ao jornalista a imediata libertação da prisão de Belmarsh, a Guantánamo britânica, onde é mantido em confinamento solitário desde abril de 2019.
Entre os signatários estão Alberto Fernández, presidente da Argentina; José Mujica, ex-presidente do Uruguai; José Luis Zapatero, ex-primeiro-ministro espanhol; Jeremy Corbyn, ex-líder do Partido Trabalhista britânico; Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz 1980; Nick McKim, senator australiano; Peter Whish-Wilson, senador australiano; Ron Paul, ex-congressista norte-americano; Jean-Louis Masson, senator francês; Cédric Wermuth, parlamentar suiço; José Miguel Insulza, ex-secretário-geral da OEA; Ernesto Samper, ex-secretário-geral da Unasul; e Rafael Correa, que, como presidente do Equador, concedeu asilo a Assange na embaixada em Londres.
Também: Yanis Varoufakis, ex-ministro das Finanças grego e atual deputado; Slavoj Zizek, filósofo esloveno; Gregor Gysi, deputado alemão; George Galloway, escritor e ex-deputado inglês; Enrique Fernando Santiago Romero, deputado e secretário-geral do Partido Comunista da Espanha; Beatriz Paredes, ex-presidente do Congresso mexicano; Cuauhtémoc Cárdenas, ex-senador e ex-governador da Cidade do México; Marie Arena, eurodeputada belga; Clare Daly, eurodeputada irlandesa; Marketa Gregorova, eurodeputada checa; e Adriana Salvatierra, ex-presidente do Senado da Bolívia.
Assinam, ainda, Cristina Fernández de Kirchner, atual vice e ex-presidente da Argentina; Nicolas Maduro, presidente da Venezuela; Lula da Silva, ex-presidente do Brasil; Dilma Roussef, ex-presidente do Brasil; Evo Morales, presidente deposto da Bolívia; Fernando Lugo, ex-presidente do Paraguai e senador; Martín Torrijos, ex-presidente do Panamá; e Leonel Fernández, ex-presidente da República Dominicana.
Entre os signatários brasileiros estão Celso Amorim; ex-ministro das Relações Exteriores; Luiza Erundina, ex-prefeita de São Paulo e deputada; Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo; Edmilson Rodrigues, ex-prefeito de Belém e deputado; Marcelo Freixo, Sâmia Bonfim e Ivan Valente, deputados; e Wadih Damous, deputado e ex-presidente da OAB.
Essas personalidades apoiam a carta do movimento ‘Advogados por Assange’, publicada em 18 de agosto, e que denuncia a flagrante violação dos direitos fundamentais de Assange e do direito internacional.
JORNALISMO SOB ATAQUE
Para os Advogados por Assange, “a extradição daria luz verde aos processos políticos, à criminalização do jornalismo investigativo como espionagem; afirmaria a jurisdição mundial dos Estados Unidos e o direito ao sigilo absoluto dos Estados sobre crimes de guerra, tortura de Estado e corrupção”.
O próprio tratado britânico-americano de extradição a proíbe em caso de “crime político”: o que Assange fez foi publicar, através do WikiLeaks e dos maiores jornais do mundo, registros de interesse público sobre crimes de guerra no Iraque e Afeganistão, corrupção via Departamento de Estado e tortura em Guantánamo.
Graves fatos que vinham sendo acobertados – inclusive o massacre de civis desarmados por um helicóptero de guerra em Bagdá, dois deles jornalistas da Reuters, registrado, diga-se, pelo próprio Pentágono, no que ficou conhecido como o “Assassinato Colateral”.
Assange está sob ameaça de 175 anos de cárcere e seu julgamento, como registra a denúncia, será no infame “Tribunal da Espionagem” no Distrito Leste da Virgínia, perante o qual nenhum réu incurso em segurança nacional foi bem-sucedido. Um processo secreto, perante um júri escolhido de uma população em que a maioria dos indivíduos elegíveis para a seleção do júri trabalha para, ou está ligada à CIA, NSA e Pentágono.
Se extraditado, Assange, pela própria admissão do governo dos EUA, provavelmente será colocado sob as chamadas ‘Medidas Administrativas Especiais’. Os prisioneiros ficam proibidos de contato ou comunicação com todos, exceto alguns indivíduos aprovados. E mesmo esses não teriam permissão para relatar informações sobre o tratamento do prisioneiro ao público, protegendo assim a tortura potencial do escrutínio público e o governo de responsabilização.
Também o governo norte-americano já violou grosseiramente o direito ao privilégio legal de Assange, o direito à inviolabilidade da comunicação entre acusado e seu advogado. A CIA instaurou um sistema de vigilância dentro da embaixada do Equador, gravando ilegalmente entre outras coisas os diálogos de Assange com seus advogados.
Quando ele foi ilegalmente arrancado da embaixada, seus pertences, computador, anotações, foram entregues aos norte-americanos. Só isso já acarretaria, se não houvesse prevaricação, o fim do pedido de extradição.
A carta denuncia, ainda, como Washington tenta criminalizar o que é uma prática padrão do jornalismo, que é a proteção da fonte, e busca jogar sobre Assange a pecha de ‘conspirador para cometer intrusão em computador’.
Publicou uma nova ‘acusação de substituição’ no final de junho, alegando que Assange cometeu recrutamento de, e acordo com, hackers, para ‘cometer intrusão de computador’ – tudo isso sem nenhuma informação nova, apenas o testemunho de duas fontes altamente comprometidas.
Como agravante, em uma de suas alegações ao tribunal, os EUA declararam que serão negadas a Assange as proteções da liberdade de expressão e imprensa garantidas pela Primeira Emenda da Constituição norte-americana ‘devido ao fato de ser estrangeiro’.
VINGANÇA
A carta também fez uma compilação das muitas violações dos direitos de Assange em curso.
A violação do “direito de estar livre de tortura, do direito à saúde e do direito à vida”: em maio do ano passado, o Relator da ONU sobre Tortura, Nils Melzer, acompanhado de dois médicos especializados, visitou Assange na prisão e, após submetê-lo aos chamados Protocolos de Istambul, considerou que ele apresenta “todos os sintomas típicos de exposição prolongada à tortura psicológica, incluindo extremo estresse, ansiedade crônica e intenso trauma psicológico”.
Melzer já constatara, após investigar o processo falso sueco contra ele e a perseguição movida pela justiça britânica, que Assange fora vítima de uma operação de assassinato de reputação, com todas as sequelas decorrentes. Ainda dentro da embaixada, sob o governo Lenin Moreno, foi submetido isolamento opressivo, assédio e vigilância, até ser arrancado e entregue à polícia inglesa.
Assange foi condenado desproporcionalmente a uma pena de 50 semanas de prisão por suposta violação de fiança, quando é evidente que sempre teve razão ao dizer que estava ameaçado de extradição pelo governo norte-americano.
A carta observa que as autoridades do Reino Unido violaram o direito de Assange à saúde enquanto era privado de sua liberdade na Embaixada do Equador, negando-lhe acesso a diagnósticos e cuidados médicos urgentes.
RISCO DE VIDA
Em novembro passado, mais de 60 médicos do mundo inteiro se manifestaram sobre o estado precário da saúde física e mental do jornalista preso e pediram sua imediata transferência para um hospital aparelhado, o que foi ignorado. A carta lembra ao governo britânico é seu dever proteger o direito de Assange à vida, o que é o direito humano mais fundamental.
Ressalta, ainda, que a proibição da tortura, pelo direito internacional e a própria lei inglesa, é “absoluta”, e portanto, não pode haver derrogação em nenhuma circunstância. “É extremamente preocupante” – observam os signatários – que os médicos, tendo suas preocupações anteriores ignoradas, tenham que apelar aos governos para “acabar com a tortura e a negligência médica de Julian Assange” através do The Lancet.
A carta reitera que o direito de Assange a um julgamento justo tem sido ostensivamente negado.
Conflitos de interesses judiciais: a juíza Emma Arbuthnot, que como magistrada chefe supervisiona os procedimentos de extradição de Assange, tem ligações financeiras com instituições e indivíduos cujas irregularidades foram expostas pelo WikiLeaks.
Em violação ao princípio da igualdade de meios, “que é inerente à presunção de inocência e ao Estado de Direito”. Assange foi até privado de seus óculos de leitura por várias semanas, teve negado acesso a um computado, ficou sem acesso à internet e impedido de digitar qualquer anotação, ou seja, totalmente inadequado para a preparação da defesa.
Durante seis meses, a pretexto da pandemia, ficou sem poder se reunir com seus advogados. Foi impedido de se sentar com seus advogados durante as audiências, apesar de o Tribunal ser repetidamente informado de que isso incapacitava Assange de acompanhar adequadamente os procedimentos e dirigir sua equipe jurídica.
Há ainda recusa em deter maus-tratos ao réu: os advogados de Assange informaram ao Tribunal que durante um único dia, em 22 de fevereiro, as autoridades penitenciárias o algemaram 11 vezes, o colocaram em 5 celas diferentes, o revistaram duas vezes e confiscaram seus documentos legais privilegiados, mas a juíza Baraitser se recusou a interferir, alegando não ter “jurisdição sobre as condições da prisão dele’.
“O direito a um julgamento justo é a pedra angular da democracia e do Estado de Direito”, conclui a carta, apontando que isso inclui “uma audiência justa e pública perante um tribunal independente e imparcial, a presunção de inocência até que se prove a sua culpa, o direito de ser informado prontamente e em detalhes sobre a natureza e a causa das acusações, o direito a ter tempo e instalações adequadas para a preparação de sua defesa, e o direito de ter a capacidade de se comunicar com seu advogado”.
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