EUA: Furacão Ida deixa quase 50 mortos de Nova Orleans a Nova York
A passagem do furacão Ida e uma chuva de proporções históricas deixaram um rastro de destruição de Nova Orleans a Nova York, com quase 50 mortos e 1,1 milhão de pessoas sem energia elétrica entre domingo e quinta-feira, em meio a cenas dramáticas, como água escorrendo pelo topo dos vagões e escadarias do metrô de Nova York, que ficou inteiramente paralisado, famílias de imigrantes mortas em porões inundados e carros arrastados pela enxurrada.
Diante de tamanha devastação e mortes, o prefeito da cidade de Nova York, Bill de Blasio, disse à CNN na sexta-feira (3) que as chuvas extremas exigem uma nova postura, inclusive quanto a expectativas de evacuações. “Este é um novo mundo”, ele destacou, acrescentando que a intensidade e a frequência das tempestades estão aumentando e os EUA precisarão de “respostas totalmente diferentes”.
Nova York registrou a maior quantidade de chuva em um dia em pelo menos 152 anos. Foram mais de 18 centímetros de água no Central Park, segundo a rede de televisão CNN, o maior número desde 1869 (quando as medições começaram) e quase o dobro do recorde anterior (9,75 centímetros em 1927).
Em apenas uma hora na quarta-feira, foram registrados quase 9 centímetros de chuvas, superando de longe o recorde anterior de 4,9 centímetros, na passagem do furacão Henri, há apenas 11 dias.
Só na cidade que Blasio dirige, 11 pessoas – entre elas, quatro mulheres e uma criança de dois anos – morreram afogadas dentro de apartamentos em porões, o único tipo de moradia que conseguiam pagar em uma cidade conhecida pelos aluguéis exorbitantes. Um homem morreu dentro do próprio carro.
Conforme o chefe de polícia de Nova York, Rodney Harrison, seu departamento fez 69 resgates na água e 166 não na água. Mais de 800 passageiros do metrô tiveram de ser evacuados. Outros 500 nova-iorquinos foram resgatados de estradas, edifícios e estações de metrô inundadas, segundo o Departamento de Gerenciamento de Emergências de NY.
Nova Jersey submersa
No estado de Nova Jersey, foram 25 mortos, de acordo com o governador Phil Murphy. Na Pensilvânia, pelo menos cinco vítimas, incluindo um morto pela queda de uma árvore e outro que se afogou em seu carro depois de ajudar sua esposa a escapar.
Um sargento da polícia do estado de Connecticut morreu depois que sua viatura foi varrida. Outra morte foi relatada em Maryland.
A cidade de Newark, em Nova Jersey, também teve um novo recorde diário de chuva na quarta-feira: 21,3 centímetros, quase o quádruplo do recorde anterior (5,6 centímetros em 1959). O aeroporto da cidade chegou a suspender voos devido à chuva torrencial.
Ao The New York Times, o professor de ciência atmosférica da Universidade de Albany, Aiguo Dai, disse que a intensidade da tempestade “está aumentando muito mais rápido do que a mudança média na precipitação. E é a intensidade que realmente importa, porque é para isso que projetamos nossa infraestrutura.”
Autoridades disseram que o número de mortos pode aumentar. Seis pessoas estavam desaparecidas em Nova Jersey na manhã de sexta-feira em conexão com a tempestade, disse o gabinete do governador.
Na região nordeste do país, 4,5 milhões de pessoas permaneciam sob alerta de enchentes, principalmente em Nova Jersey, conforme a água da chuva flui para riachos, córregos e rios maiores. A previsão é de que alguns rios do Nordeste permaneçam acima do nível de enchente no fim de semana, embora muitos já estejam recuando.
Vários afogamentos dentro da própria casa têm uma explicação. Houve alerta de tornados – oito efetivamente ocorreram -, levando pessoas a se abrigarem em porões. No sul de Nova Jersey, um tornado destruiu ou danificou gravemente 25 casas e centenas de árvores foram derrubadas.
O governador de Nova Jersey assinalou que, por mais aterrorizantes que os tornados sejam, nenhuma morte no seu Estado tem relação com eles.
“Os avisos de tornado foram emitidos na mesma hora em que surgiram os avisos de enchente”, disse Murphy. “Todos, quando receberam o aviso de tornado, foram para o porão e acho que muitas pessoas pensaram que poderiam lidar com enchentes e, infelizmente, algumas delas em suas casas ou em seus carros, perderam a vida.”
Filadélfia testemunhou uma enchente de 100 anos, disseram autoridades municipais. O rio Schuylkill atingiu níveis nunca vistos desde a década de 1850.
Na Nova Inglaterra, autoridades usaram barcos para resgatar 18 pessoas de um bairro em Plainville, Connecticut, e 15 pessoas – uma em cadeira de rodas – de um complexo em North Kingstown, Rhode Island.
Uma estrada em Portsmouth, Rhode Island, desmoronou. No condado de Frederick, Maryland, os primeiros socorros usaram um barco para resgatar 10 crianças e um motorista de um ônibus escolar preso na enchente.
Para a governadora de Nova York, Kathy Hochul, eventos como este devem ocorrer com mais frequência de agora em diante. “Isso [desastres naturais] não é mais incomum. Qualquer um que diga que será uma vez em cada século, uma vez em 500 anos, eu não concordo. Isto tem que ser considerado como o novo normal. Então, precisamos nos preparar. Precisamos de planos de evacuação, cada dono de casa precisa saber o que fazer quando a água começar a subir.”
A Casa Branca decretou emergência nos Estados de Nova York e Nova Jersey, para acelerar a ajuda federal.
Porões dos Queens
Difícil esquecer. No bairro de Queens, em Nova York, Sophy Liu tirou o filho da cama, vestiu nele um colete salva-vidas e o pôs numa piscininha de natação inflável enquanto seu apartamento no primeiro andar era inundado.
Incapaz de abrir a porta contra a força da água, ela implorou por ajuda. Quando vizinhos vieram em seu resgate e de seu filho, a água tinha quase 1,5 metro de altura. “Eu estava obviamente assustada, mas tinha que ser forte pelo meu filho. Tinha que mantê-lo calmo”, relatou na quinta-feira.
Nem todos tiveram essa sorte. Três corpos foram retirados de uma casa na mesma rua. Em outra parte do Queens, a água rapidamente encheu o apartamento de Deborah Torres no primeiro andar até os joelhos enquanto seu senhorio insistia freneticamente com seus vizinhos do porão – que incluía um bebê – para saírem.
No entanto, a água entrou com tanta força que, ela imagina, eles não conseguiram abrir a porta e se afogaram. “Não tenho palavras”, disse ela. “Como algo assim pode acontecer?”
Por outro ângulo, de acordo com um relatório da corretora de seguros Aon, os danos relacionados às enchentes no Meio-Atlântico e no Nordeste dos EUA devem resultar em um “saldo de danos econômicos de dois dígitos de bilhões”, que vai além de um número semelhante no sul. Em Nova Orleans, a coisa só não ficou pior porque desta vez os diques reconstruídos resistiram – ao contrário do ocorrido com o Katrina há 16 anos.