Manifestantes exigem em Kenosha Justiça para Blake e fim do racismo na polícia | Foto: Getty Images

Manifestantes foram às ruas na tarde de sábado (29) em Kenosha, a pequena cidade de Wisconsin em que o negro Jacob Blake foi baleado no domingo passado por um policial branco – podendo ficar paralítico – com sete tiros pelas costas diante dos filhos, para exigir justiça e fim do racismo e da truculência.

“Sete balas, sete dias”, bradaram os manifestantes, encabeçados pelos familiares de Blake, num ato pacífico com a presença do vice-governador Mandela Barnes e da congressista Gwen Moore. Uma coluna de manifestantes marchou por 64 quilômetros desde Milwaukee, para prestar solidariedade.

Blake foi quase morto por um policial branco pelas costas três meses depois do assassinato, por asfixia, do cidadão negro George Floyd, por um policial branco que o pressionou contra o chão com o joelho sobre o pescoço, desencadeando comoção nacional e os maiores protestos de costa a costa em décadas.

Na véspera, o pai de Blake discursou em Washington na marcha pelos 57 anos da grande manifestação pelos direitos civis, em que o reverendo Martin Luther King pronunciou seu célebre discurso de “Eu tenho um sonho”. A marcha deste ano foi denominada, muito apropriadamente, de “Tirem o Joelho dos Nossos Pescoços”.

O quase assassinato de Blake provocou enorme revolta, com as manifestações de repúdio se estendendo às principais cidades dos EUA, como Los Angeles, Chicago, Seattle, Nova York, Austin e Portland.

Em solidariedade a ele e todas as vítimas da violência racial, atletas das principais ligas esportivas norte-americanas – incluindo NBA (basquete), a associação de basquete feminino, a Liga Nacional de Hockey, a NFL (futebol americano) e a principal liga de baseball – se recusaram a jogar ou treinar, levando ao cancelamento de jogos e treinos.

Protesto de uma amplitude inédita: boa parte dos astros desses esportes é negra. No final da semana, foi anunciado acordo, e as ligas se dispuseram a oferecer as arenas para que as pessoas possam votar com segurança, entre outras medidas. A NBA também endossou a legenda de Black Lives Matter nas quadras.

Horas antes do ato em Kenosha, o advogado de Blake anunciou que, finalmente, haviam sido retiradas as algemas dele ao leito do hospital e os policiais que faziam guarda na porta do quarto. A situação havia sido denunciada como um excesso pelo pai, Jacob Blake Senior, após ir vê-lo, já que o filho está paralisado da cintura para baixo por causa dos tiros.

“O que deu a eles [os policiais] o direito de pensar que meu filho era um animal?” disse à multidão o pai de Blake. Ele prometeu que os protestos vão continuar.

“Não vamos parar. Ainda estamos sofrendo porque existem dois sistemas de justiça. Tem um para aquele garoto branco que desceu a rua e matou duas pessoas e explodiu o braço de outro homem. Então há outro para o meu filho”, afirmou.

Blake Sr. estava se referindo ao garoto branco de 17 anos, Kyle Rittenhouse, que, intoxicado pela pregação racista da campanha de Trump sobre “lei e ordem” e supostas ameaças das “turbas violentas nas ruas da América”, pegou um fuzil de assalto, invadiu a pequena cidade e matou dois manifestantes e feriu outro.

Depois, passou pela polícia, sem sofrer qualquer constrangimento, foi embora e só 12 horas mais tarde se entregou à justiça no Estado vizinho de Illinois. O advogado dele já disse que irá alegar “legítima defesa”.

Nem era morador de Kenosha. Como ele, outros integrantes de uma milícia supremacista branca invadiram a pequena cidade para caçar manifestantes. Isso ocorreu na terça-feira, segundo dia dos protestos.

Tratou-se, como disse o advogado de Blake, de um conto de dois vídeos. Um mostra o negro Blake sendo baleado repetidamente pelas costas pela polícia, sem apresentar qualquer ameaça. Outro, mostra um atirador branco, depois de matar dois manifestantes a tiros e ferir um terceiro, passar pelas fileiras de policiais, sem ser importunado.

De acordo com os jornais, Rittenhouse é adepto de Trump e participou em janeiro de um comício do presidente, e também está envolvido com a organização extremista “Blue Lives Matter” (Vidas Azuis – cor do uniforme de polícia – Importam).

A irmã de Blake, Letetra Widman, na manifestação desse sábado encabeçou cânticos, como “tenho orgulho de ser negro” e “amo gente negra”. Ela, logo após o quase assassinato do irmão por um policial branco, pelas costas, chamou a atenção ao dizer que não havia chorado, que estava com raiva, e que “não queria pena, queria mudança”.

À multidão ali reunida, Letreta recitou: “Eu sou a guardiã e não vou aceitar seus abusos. Eu sou a guardiã e não vou morrer – durante 400 anos vocês tentaram”, em referência aos quatro séculos passados desde que os primeiros africanos foram traficados e vendidos como escravos nos EUA.

Justin Blake, tio da vítima, conclamou a manter a campanha contra a violência racista “sem parar”: “não espere até que um corpo atinja o solo”. A manifestação deste sábado foi organizada pela família e pelos Ativistas das Vidas Negras de Kenosha (BLAK, na sigla em inglês).

O vice-governador Barnes afirmou que “justiça é o mínimo, e não iremos embora até vermos justiça”. “Os negros passaram por alguns dos tempos mais difíceis da história da humanidade e ainda estamos aqui hoje”, acrescentou, dizendo esperar se reunir de novo com a população de Kenosha “em tempos mais felizes”.

A deputada Moore, após repudiar as ações racistas e truculentas da polícia, defendeu a aprovação da Lei de Justiça para George Floyd, que ela apresentou na Câmara para estabelecer uma ampla reforma policial – cuja aprovação está difícil, devido ao controle republicano sobre o Senado.

A campanha à reeleição de Trump vem tentando fazer dos protestos contra o quase assassinato de Blake de pretexto para assustar eleitores indecisos, sob a cínica alegação de “turbas violentas” estão nas ruas, ameaçando o país.

Trump determinou o envio de contingentes da Guarda Nacional de três Estados para Kenosha, numa espécie de boca de urna em prol de seu lema de “presidente da lei e da ordem”.

Moradores denunciam que pessoas são presas por agentes federais em carros sem identificação, repetindo a ilegalidade cometida em Portland. O governador de Wisconsin, o democrata Tony Evans, reafirmou seu apoio às manifestações por “justiça, equidade e responsabilidade pelas vidas de negros”.

Como destacou o Guardian, a incursão de supremacistas brancos armados na pequena cidade deixou cicatrizes e apreensão. “Chegou a um ponto em que não saio após certa hora, depois de escurecer. Quem pode dizer se no meio da multidão existe um cara que quer matar negros?”, disse o morador Macari Gosa, que trabalha em uma loja de conveniência.

Blake, que estava com três filhos em seu carro e parou para separar uma briga entre duas mulheres, foi abordado pelos policiais que haviam sido chamados devido ao conflito delas. Acabou baleado pelas costas, diante dos filhos, ao tentar voltar ao próprio veículo e sem representar qualquer ameaça. Após visitá-lo na quarta-feira no hospital, Blake Senior disse que o filho “está lutando por sua vida”.