EUA: a negligência de Trump e as 200.000 mortes por Covid-19
Não faz muito tempo: foi em maio, há quatro meses, que os EUA alcançaram a terrível marca de 100.000 mortos por covid-19, estabelecendo então um recorde mundial. Dois meses depois, no final de julho, chegou a 150.000, sendo ainda o número 1 como o epicentro mundial da pandemia. E agora, em meados de setembro, atingiu a marca de 200.000 e avança rapidamente para um quarto de milhão, que provavelmente será atingido perto do dia da eleição. Novos recordes mundiais!
Por Eric A. Gordon (*)
Não é à toa que esses números não têm lugar no manual de reeleição de Donald Trump. Seus defensores só falam da pandemia no passado – e no trabalho maravilhoso que o presidente fez ao colocá-la sob controle!
Sabe-se, pelas conversas que o jornalista Bob Woodward gravou com Trump, que o presidente intencionalmente escondeu do público a gravidade da pandemia, na vã esperança de que ela simplesmente “desapareceria” a tempo de ser esquecida no momento da eleição, em novembro. O eterno jogador de golfe de fim de semana foi claramente incapaz de enfrentar um desafio nacional desse tamanho. Carl Bernstein, o ex-parceiro de redação de Woodward desde os tempos do Watergate, o escândalo de Nixon, chamou a atitude de Trump de “uma espécie de negligência homicida”.
As estatísticas são vitais para rastrear essa realidade. Mas por trás desses números mórbidos estão os cadáveres de mulheres e homens únicos e individuais que tinham família, cônjuges, filhos e netos. Pessoas com quem trabalharam, oraram, cantaram e dançaram, compareceram a casamentos e eventos esportivos, compartilharam churrascos e discutiram sobre filmes e política.
Agora suas vidas estão destruídas, não tanto por um vírus – porque outros países, muito menos prósperos e avançados que os EUA, se esforçaram mais e melhor para contê-lo – mas por despreparo, falta de vontade, falta de resposta efetiva, abdicação do dever executivo, falha em seguir a ciência, ganância empresarial e cálculo político cínico.
E subjacente a tudo isso, desde as fraquezas fatais no sistema de saúde nos EUA, caótico e punitivo que valoriza o lucro para poucos em detrimento do manto protetor de um sistema de saúde universal para todos.
Na última ação política da Casa Branca, Trump parece favorecer a abordagem de “imunidade de rebanho”, que permite que a pandemia siga seu curso, matando milhares, talvez centenas de milhares de pessoas ao longo do caminho, na frágil expectativa de que alcance imunidade sozinha. Seu novo conselheiro, Dr. Scott Atlas, acredita nisso. De acordo com esse modelo, não há por que serem feitos testes. Se ficar doente, você morrerá (não haverá mais pagamentos do Seguro Social!). Ou se recuperará, mesmo se tiver complicações residuais de longo prazo.
De acordo com um editorial do “Los Angeles Times” de 2 de setembro, “por trás da estratégia de imunidade de rebanho está a noção moralmente condenável de que os idosos e aqueles com doenças crônicas como diabetes e obesidade (condições que afetam um número significativo de pessoas) são dispensáveis porque morreriam logo de qualquer maneira. Essa é uma ideia que não tem lugar em uma sociedade civilizada.”
Em outros países, a má gestão de uma pandemia neste nível de incompetência seria recebida com punições severas, destituição do cargo e talvez prisão. Só podemos esperar que o povo estadunidense faça o julgamento do governo de Trump de forma vigorosa em 3 de novembro e que o país possa voltar a um curso racional para vencer esta crise de saúde, e se possa começar o trabalho de reconstrução.
Mesmo na tragédia, se espera que o presidente fique de luto conosco e seja esperançoso, mas aos olhos deste vigarista / político, mesmo o menor gesto de simpatia seria interpretado apenas como uma abjeta admissão de fracasso. Talvez seja essa insensibilidade, tanto quanto as perdas monstruosas que suas políticas infligiram, que dão lugar a tanta raiva no coração do povo.
Nas tristes comemorações anteriores desses marcos, foi assinalado os nomes de cidades inteiras com população de 100.000 ou 150.000 que essas “estatísticas” teriam varrido do mapa, tantas as mulheres, homens e crianças que morreram.
Agora que se chegou aos 200.000, pode-se olhar para este número de ângulos diferentes. Existem quase 200 países no mundo. Em população, a China é a maior, com aproximadamente 1.4 bilhão de pessoas, seguida pela Índia, com 1.3 bilhão. O terceiro maior, mas muito atrás desses números, são os EUA, com 330 milhões. Mesmo assim, a China conseguiu colocar a covid-19 sob controle rápido com medidas universais estritas que mantinham as pessoas em suas casas, bem alimentadas e cuidadas. Ainda vigilante sobre qualquer nova erupção do vírus, a China lida com ele localmente e de forma eficiente para evitar que se espalhe. O número total de mortes na China foi de 4.724, cerca de 2,5% do número nos EUA, embora sua população seja quatro vezes maior . A Índia, um país pobre com mais de um bilhão de habitantes a mais do que os EUA, registrou até agora apenas 66.333 mortes por coronavírus. [Fonte: Centro de Recursos de Coronavírus da Universidade Johns Hopkins.]
Se for olhado para as nações do mundo na extremidade oposta da classificação populacional, quais países inteiros – exceto algumas pequenas dependências remanescentes, como as Ilhas Malvinas (Reino Unido) ou St. Pierre e Miquelon (França) ou Samoa Americana (EUA) – teriam agora sido completamente desaparecidos se em cada um ocorresse 200.000 mortes?
A seguir estão os números de 2019: Cidade do Vaticano (801); Nauru (10.756); Tuvalu (11.646); Palau (18.008); San Marino (33.860): Liechtenstein (38.019): Mônaco (38.964); St. Kitts e Nevis (52.823); Groenlândia (56.672 – ainda pertencente à Dinamarca, mas uma massa de terra muito significativa que não se pode ignorar).
Também teriam desaparecido as populações das Ilhas Marshall (58.791); Bermudas (62.506, uma possessão do Reino Unido); Dominica (71.808); Andorra (77.142); Antígua e Barbuda (97.118); Seychelles (97.739); Ilhas Virgens dos EUA (104.578); Aruba (106.314 – pertencente à Holanda); São Vicente e Granadinas (110.589); Tonga (110.940); Granada (112.003); Estados Federados da Micronésia (113.815); Kiribati (117.606); Curaçao (163.424; pertencente à Holanda), Guam (167.294, pertencente aos EUA); Ilhas do Canal do Reino Unido (172.259); Santa Lúcia (182.790) e Samoa Ocidental (197.097). [Fonte: Nações Unidas, Wikipedia.]
Esses lugares podem ser pequenos em população, mas cada um deles é rico em línguas, culturas, culinária, história e tradições. Se a dizimação de 200.000 mortos espalhados pelos EUA é um golpe incrivelmente trágico e desnecessário, imagine se você fosse de uma dessas nações ou territórios pequenos cuja população inteira desapareceria como uma Atlântida dos dias modernos.
Fazemos tudo o que podemos para não ficar estupefatos – entorpecidos – pelos números. A grande maioria dessas mortes poderia ter sido evitada com um plano de preparação para a pandemia em vigor e com uma resposta rápida, organizada e cientificamente guiada assim que ela ocorresse.
Nós estamos nervosos. Estamos indignados. Estamos ofendidos com a negligência grosseira dos líderes de nossa nação. E lamentamos aqueles que perdemos e nunca veremos, tocaremos e abraçaremos novamente. Estendemos nossa solidariedade a todos aqueles que perderam amigos, familiares e colegas de trabalho para a covid-19. Nossas vozes se erguem em protesto e seremos – devemos ser – ouvidos. E você vai pensar em como vamos sobreviver a esta praga de alguma forma e começar a curar a nós mesmos e a nossa nação enferma.
(*) Eric A. Gordon é doutor em história pela Universidade de Tulane; presidiu a seção do sul da Califórnia do National Writers Union (Sindicato Nacional dos Escritores) e é diretor do Círculo de Trabalhadores / Arbeter Ring Southern California.
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