Especialistas criticam mudanças no Bolsa Família
O Governo Federal pretende fazer mudanças no programa Bolsa Família, retirando a participação dos municípios no cadastramento de famílias, segundo reportagem divulgada pelo portal Uol.
Atualmente, as famílias são incluídas no programa por meio dos Cras (Centros de Referência de Assistência Social) municipais. Com a atuação de servidores públicos, as famílias são entrevistadas e têm um acompanhamento com atualização periódica de dados, e encaminhamento para outros programas sociais e serviços públicos.
Segundo a reportagem, com a mudança, a inclusão de pessoas seria feita através de um “autocadastramento de beneficiários no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais)”, que seria feito através de um aplicativo para celular como o Caixa Tem, que foi usado para o auxílio emergencial.
Para especialistas ouvidos pela reportagem, além de reduzir o papel dos municípios como intermediário, a medida vai gerar um distanciamento ainda maior do beneficiário com os serviços públicos de assistência social e, na opinião de alguns deles, sinaliza um desmonte das políticas sociais do governo.
Segundo as informações reveladas pelo Uol, no projeto do aplicativo que está sendo elaborado pelo Ministério da Cidadania, o beneficiário do Bolsa Família, em sua maioria pessoas com baixa escolaridade e sem acesso a computadores ou Internet, terá que responder a perguntas complexas e com vocabulário técnico. “Precisará informar por exemplo ‘qual é a espécie de seu domicílio’, tendo como opções de resposta ‘particular permanente’, ‘particular improvisado’ e ‘coletivo’”, diz a reportagem.
“Fomos surpreendidos negativamente com essa chamada modernização, que de moderna não tem nada. É uma tentativa de um desmonte do maior sistema de proteção social estruturado no mundo”, afirma José Crus, vice-presidente do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social sobre o projeto, do qual tomou conhecimento em reunião com o Ministério da Cidadania no final de 2020.
Para a integrante do Conselho Federal de Serviço Social, Priscila Cordeiro, “O Cras é a porta de entrada da política de assistência social. Ao fazer o cadastro e periodicamente ir fazer a atualização, a pessoa tem contato com um grande leque de serviços. Não é raro a gente identificar através do cadastramento uma situação de violência ou extrema pobreza”.
À reportagem do Uol o Ministério da Cidadania informou que os motivos da mudança são “reduzir custos de transferência de renda” e “mudar paradigma de programas assistenciais para programas de aumento da renda”.
Além do Bolsa Família, o CadÚnico centraliza outros programas sociais, como o Minha Casa Minha Vida e o BPC (Benefício de Prestação Continuada), nos quais são incluídos através dos Cras e outros serviços.
“A tecnologia é uma questão secundária. Se puder melhorar, tem que ser feito. Mas a grande tecnologia social do CadÚnico não é um aplicativo. É a mediação por um assistente social ou técnico para entender as necessidades daquela pessoa, que muitas vezes nem sabe do que precisa”, afirma a ex-ministra de Desenvolvimento Social do governo Dilma, Tereza Campello.
Excluídos do programa
Segundo ainda levantamento do Uol, a partir de dados atualizados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), coletados em novembro, 3,7 milhões de pessoas que atendem aos critérios do Bolsa Família ficaram de fora da folha de pagamento do programa em janeiro deste ano.
Para receber o Bolsa Família a pessoa tem que atender a pelo menos um dos critérios de extrema pobreza – renda por pessoa de R$ 89,01 -, e pobreza – renda por pessoa entre R$ 89,01 e R$ 178 por mês, desde que a família tenha criança ou adolescente de 0 a 17.
O levantamento foi feito a partir dos números obtidos em microdados da Pnad Covid-19, pesquisa mensal do IBGE para detectar os impactos da pandemia sobre a saúde e o mercado de trabalho.
Conforme os dados do IBGE, em novembro, 17,9 milhões de famílias teriam direito ao benefício, mas o programa pagou a 14,2 milhões de famílias em janeiro.
Os dados levados em conta para o cálculo foram a renda formal declarada ao IBGE (descontados o auxílio emergencial e os benefícios assistenciais como o próprio Bolsa Família) e a composição das famílias.
Atualmente, o valor médio do benefício é de R$ 190 por família.