Manifestantes seguem ocupando as ruas da capital Quito

Após três sessões e 18 horas de debate, faltaram 12 votos para a Assembleia Nacional do Equador aprovar nesta terça-feira à noite (28) o pedido de impeachment do banqueiro presidente Guillermo Lasso, responsabilizado pela “grave crise política e comoção interna” em que o país se vê mergulhado.

Para destituir Lasso, que assumiu a presidência há pouco mais de um ano, eram necessários 92 votos – dois terços -, mas foram obtidos 80 a favor do afastamento, de um total de 137 deputados que compõem o Legislativo, com 48 contra e 9 abstenções. Enquanto isso, continuam os protestos contra o governo pelo aumento vertiginoso do custo de vida e dos combustíveis.

O levante no país forçou o governo a sentar à mesa com os dirigentes da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), revogar o estado de exceção que Lasso havia decretado em seis Estados e também reduzir em US$ 0,10 no galão (R$ 0,52) tanto para gasolina como para o diesel.

O movimento popular exige uma redução maior uma vez que a redução não será – apontam – suficiente para levar a um rebaixamento significativo no preço dos alimentos.

Mesmo tendo escapado por pouco, Lasso suspendeu o diálogo com a Conaie, que comanda as manifestações. O governo culpa o movimento liderado por Leônidas Iza por estar por trás do ataque a um comboio que guardava caminhões-tanque que causou a morte de um soldado na província de Sucumbíos, no norte do país. Iza desmentiu Lasso, assegurando que “está muito longe da realidade” e que, ao contrário, a violência parte das tropas e não dos manifestantes.

As principais forças políticas a favor da saída de Lasso são a União pela Esperança (Unes), próxima ao ex-presidente Rafael Correa; e um setor do movimento indígena Pachakutik, braço político da Conaie.

Antes do debate e da votação na Assembleia, Lasso acusou por rádio e televisão o “correísmo” de tentar “atacar a democracia”, e rejeitou pretensas “ameaças, chantagens, perseguições e intimidações”.

Diante das acusações do presidente banqueiro, Rafael Correa, que se encontra exilado na Bélgica, pediu ao cambaleante chefe de Estado que “não seja mais ridículo”. “Por sua vaidade, covardia e incapacidade, ele está à beira da guerra civil”, disse Correa, convocando a que se torne democrata e vá “às eleições e não continue a cobrir suas mãos de sangue”.

Após a mensagem de Lasso, milhares de indígenas voltaram a tomar as ruas de Quito e os comerciantes que haviam aberto suas lojas após uma calma segunda-feira, voltaram a fechar as portas.

“Lasso não rompe com Leônidas Iza, ele rompe com o povo”, sublinhou a Conaie, frisando que isso só demonstra o “autoritarismo, falta de vontade e incapacidade” do governo para resolver os problemas do país.

Sobre a a alegação de que o movimento indígena “sitiou” Quito, Leônidas Iza rebateu: “o que tem sitiado os equatorianos é a pobreza, o crime, o narcotráfico”. “Nossas comunidades se erguem para lutar contra tanta pobreza”, alertou.

O governo esteve ausente da mesa de diálogo com os indígenas que acontece na Basílica do Voto Nacional, na capital, desde segunda-feira (27).

Missão de Solidariedade apontou “mais de 150 prisões arbitrárias, seis homicídios, sequestros, desaparecimentos temporários e torturas” (CTA)

Apresentado pela Missão Internacional de Solidariedade e Direitos Humanos nesta quarta-feira (29) em conferência de imprensa em Quito, o “Relatório Preliminar sobre a violação dos Direitos Humanos no Equador no âmbito da Greve Nacional de 2022” sustenta que “o Estado equatoriano cometeu crimes contra a humanidade” e “deve parar

imediatamente de acabar com as práticas inadequadas ao Estado de Direito”, como “as prisões arbitrárias e a criminalização do protesto social”.

A Missão, formada por integrantes de organizações argentinas de direitos humanos, alertou que “dos inúmeros depoimentos e denúncias recebidas e das provas colhidas e fornecidas por diferentes plataformas de direitos humanos e organizações indígenas e/ou sociais, podemos contabilizar mais de 150 prisões arbitrárias, seis homicídios, sequestros, desaparecimentos temporários, torturas, assédio por motivos étnicos e tratamento cruel, desumano e degradante. Há depoimentos que relatam ameaças às vítimas para impedi-las de registrar denúncias”.

Conforme o documento, “o Estado equatoriano deve ser investigado por ter implantado práticas proibidas contra a população civil indefesa (apenas inscrita na lógica da guerra), dispor de armas sofisticadas e letais, além de executar comportamentos brutais e desumanos”. “O povo equatoriano tem o direito de abrir todas as instâncias jurisdicionais, nacionais e internacionais para obter reparação integral, através da verdade e da justiça”, acrescentou a Missão.