Massacre em penitenciária de Guyaquil, Equador, deixou decapitados e levou familiares ao desespero

O morticínio da penitenciária de Guyaquil, com ao menos 116 mortos decapitados, esquartejados e queimados vivos – e 80 feridos -, terça-feira (28), é a pior da história do Equador e uma das mais terríveis da América Latina. Antes desta, outras duas, em fevereiro e julho, haviam matado em diferentes cárceres do país 79 e 22 presos respectivamente, já sinalizando o que estava por vir. Confrontos de facções rivais com uso de armas de fogo teriam iniciado o massacre, conformes notícias da imprensa local.

Embora cinicamente tenha declarado “Estado de Exceção” diante da “grave comoção interna”, o presidente Guillermo Lasso não tem como ignorar que o massacre é resultado do agravamento da crise econômica e social em que o país se vê jogado, da “austeridade” e do corte de recursos para prover o sistema penitenciário.

Conforme o próprio órgão governamental encarregado das prisões (SNAI), a falta de investimentos faz que com que haja um déficit de 70% de profissionais encarregados de administrar verdadeiras jaulas, cada vez mais abarrotadas. “Há celas para 10 pessoas em que sobrevivem 30. Há pavilhões para 300 em que se encontram até 1.200”. As terríveis condições em que se veem jogados milhares de presos, foram agravadas recentemente pela pandemia, sem remédios ou atenção médica adequada.

Segundo o Comitê Permanente pelos Direitos Humanos (CDH), a capacidade carcerária equatoriana é de 28.500 pessoas e há cerca de 40 mil presos, o que representa uma superlotação de 30%. Levantamento do CDH aponta que apenas 7% são violentos e ligados ao narcotráfico, mas é esta minoria que pela inação ou cumplicidade do Estado dita as regras.

Traficantes de cocaína

Passam pelo Equador anualmente, informam portais especializados como Insight Crime, 1.200 toneladas de cocaína, mais de um terço da crescente produção vinda da Colômbia para ser enviada aos Estados Unidos, Europa e Ásia.

Os números da apreensão dispararam 100% nos últimos anos e muitos especialistas interpretam que isso é um reflexo do aumento do tráfico: 47 toneladas em 2019, 48 em 2020 e 93 toneladas nos primeiros nove meses de 2021.

Assim, há uma batalha interna imensa entre gangues que controlam o tráfico dentro do Equador, disputando palmo a palmo o transporte, o armazenamento e o envio da droga ao estrangeiro. Estas milícias também estão nas penitenciárias, onde seguem na guerra pelo mais do que rentável negócio.

Tentando se isentar do massacre, as autoridades equatorianas disseram que o governo enviou o exército com tanques e policiais desarmados, apenas com escudos, e que os revólveres, os fuzis e até as granadas utilizadas no confronto – que alimentou a carnificina de várias horas – estariam apenas nas mãos das milícias. Ainda assim, nem uma palavra sobre a responsabilidade das autoridades sobre a falha no rigoroso controle do que entra e sai, o que só evidencia a gravidade da corrupção vigente, fartamente denunciada por organizações de direitos humanos.

Fausto Cobo, então diretor de Inteligência Estratégica do Equador, advertiu em julho passado que a crise carcerária em que o país havia sido mergulhado, “com suas relações diretas e conexas” era “efeito da influência e infiltração do narcotráfico em todas as instâncias do Estado: território, governo, força pública e institucionalidade”.

A mesma posição é sustentada pela pesquisadora e ativista social Silvana Tapia, para quem episódios como o de Guayaquil “não acontecem sem a participação do Estado”, “com uma elevada corrupção entre os funcionários do sistema penitenciário”. Tapia também defendeu que “se investigue seriamente a origem dos armamentos que estão sendo utilizados nestes eventos sangrentos”. Afinal, como é bem provável, podem ter ocorrido muitas execuções por parte do Exército e da polícia.

“Não há uma lista dos mortos”

Em relação ao ocorrido em Guyaquil, o governo não conseguiu sequer contar quantos presos foram assassinados, enquanto os parentes ainda não sabem se os familiares se encontravam entre os mortos e feridos, ou mesmo se estão a salvo. “Não há nem uma lista”, gritaram. “Eu o reconheci por uma tatuagem no braço direito”, lamentou Jazmín Quiroz, que viu o irmão desfigurado em um dos vídeos transmitidos de dentro da prisão.

Diante da comoção da sociedade, o presidente Lasso foi a público na quarta-feira (29) dizer que serão investidos 75 milhões de dólares para restaurar os presídios, culpando os governos anteriores por uma gestão que ainda mantém milhares de seres humanos confinados à espera de um simples julgamento.