A Câmara dos Deputados adiou a votação do projeto que permite a compra de vacinas contra a Covid-19 por empresas privadas para aplicação nos funcionários.

Trata-se do projeto de lei 948/2021, que permite a compra de vacinas contra a Covid-19 pela iniciativa privada. Ela altera a redação do artigo 2º da Lei nº 14.125, que permite a compra de vacinas desde que as doses de imunizante sejam doadas ao Sistema Único de Saúde (SUS).

A legislação atual determina que a prioridade é para o sistema público e que os critérios de vacinação têm que ser epidemiológicos e não financeiros. O autor da proposta, Hildo Rocha (MDB-MA), ainda propôs a dedução integral, no Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, das despesas com compra das vacinas pelas empresas. A proposta está sendo chamada de “apartheid sanitário”.

O projeto conta com o apoio do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que defendeu o texto ao fazer um pronunciamento ao lado do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). O pretexto de Lira para defender a proposta é de que a iniciativa privada poderia dar mais agilidade ao processo de vacinação no país. Nenhum dado da realidade confirma esta argumentação. Pelo contrário, o Programa Nacional de Imunização (PNI), do Sistema Público de Saúde do Brasil é um dos melhores do mundo.

Para o biólogo Átila Lamarino, as ações decididas pelo comitê formado entre os três chefes de Poder apontou que as ações estão no caminho contrário do que a defesa do Plano Nacional de Imunização (PNI). “Virou comitê anti-PNI”, disse.

“Vamos trocar o PNI – Plano Nacional de Imunização pelo PNMPP – Plano Nacional do Meu Pirão Primeiro”, disse o pesquisador. O deputado Alexandre Padilha (PT-SP), que já comandou o Ministério da Saúde, apontou a articulação como um “escândalo”. “É o camarote com dedução de imposto de renda”, disse o parlamentar.

Dezenas de entidades ligadas à Saúde Pública se posicionam contra vacinação privada: medida seria ‘moralmente inaceitável’, dizem elas. Segundo a nota, é preciso haver equidade no processo. Não apenas por uma questão de justiça social, “mas também como requisito para o tão esperado controle da pandemia”. “Além de aprofundar desigualdades”, afirmam, “a ação poderia comprometer o próprio combate à pandemia”. “A mercantilização da vacina não será tolerada por um Brasil que luta pela vida, por um país mais justo e solidário.”

Confira a íntegra da nota

Neste momento de crise sanitária internacional e nacional devido à pandemia de Covid-19 – somos o segundo país do mundo em número de mortos por essa doença –, é fundamental nos concentrarmos na luta pela vacinação já, com equidade. A equidade é importante como a garantia de justiça social, mas também como requisito para o tão esperado controle da pandemia. Que seja, portanto, garantida igualdade de acesso às cidadãs e cidadãos brasileiros na vacinação contra a Covid-19.

O Programa Nacional de Imunização (PNI) do Sistema Único de Saúde (SUS) tem um histórico de grande sucesso, com experiência bem-sucedida em campanhas de âmbito nacional e com reconhecimento internacional. Somente o pleno apoio e adequado incentivo financeiro e operacional ao PNI pode garantir equidade no acesso efetivo e seguro da população à vacina.

Devido à magnitude desta campanha de vacinação que tem como meta cobrir toda a população e a limitação da oferta de vacinas no mercado internacional, países como o Brasil têm definido um modelo de prioridades para sua implementação com base em critérios epidemiológicos e de vulnerabilidade social.

Somente o SUS, por intermédio do PNI, poderá garantir a vacinação de toda a população brasileira com base nesses critérios. Seringas, agulhas, insumos de biossegurança e adequada logística e competência são necessárias para atingirmos este objetivo. As vacinas, objetos dos acordos de compra e transferência de tecnologia já estabelecidos com as empresas Sinovac e AstraZeneca, devem formar a espinha dorsal da campanha de vacinação no País sob a coordenação do PNI.

Numa sociedade como a nossa, marcada por grotescas desigualdades sociais, é moralmente inaceitável que a capacidade de pagar seja critério para acesso preferencial à vacinação contra a Covid-19. Caso isso ocorra, uma fila com base em riscos de se infectar, adoecer e morrer será desmontada. É inadmissível, portanto, permitir que pessoas com dinheiro pulem a fila de vacinação por meio da compra de vacinas em clínicas privadas.

Assim, causa preocupação o anúncio feito no dia 3 de janeiro que clínicas privadas negociam a importação de 5 milhões de doses de vacinas em desenvolvimento na Índia pelo laboratório Bharat Biotech.

No Reino Unido, para evitar a ocorrência de desigualdade social no acesso à vacina contra a Covid-19, governo e empresas elaboram acordos para não permitir que vacinas sejam compradas por clínicas privadas, pelo menos enquanto uma grande parte da população não tiver sido vacinada pelo Sistema Nacional de Saúde (NHS). Este é o exemplo que podemos seguir.

Consequências nefastas da venda de vacinas contra a Covid-19 por clínicas privadas, como as destacadas abaixo, vão além do aprofundamento do abismo social brasileiro: Num momento de imensa necessidade de fortalecimento do SUS, renuncia-se ao seu potencial para vacinar a população brasileira com equidade, efetividade, eficiência e segurança, em prol do fortalecimento do mercado setor privado de saúde.

O detalhado acompanhamento da cobertura vacinal e a farmacovigilância para o monitoramento de eventos adversos, de grande importância principalmente no caso das vacinas contra a Covid-19 com aprovação pelas agências reguladoras em prazos recordes, tornam-se mais difíceis ou mesmo se inviabilizam. O aumento do número de pessoas com doses incompletas de vacina (sem tomar as duas doses) tem maior probabilidade de ocorrer entre as pessoas vacinadas no setor privado, diminuindo a eficácia e a efetividade da vacinação.

A sociedade brasileira e suas instituições democráticas estão alertas. A abertura da vacinação para clínicas privadas pode impactar negativamente o controle da pandemia, aumentar as desigualdades sociais na saúde e os riscos inerentes ao prolongamento da circulação do vírus na população. A mercantilização da vacina não será tolerada por um Brasil que luta pela vida, por um país mais justo e solidário.

Entidades signatárias:

Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco

Associação Brasileira de Economia de Saúde – Abres

Associação Brasileira de Educação Médica – Abem

Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais – Abrato

Associação Brasileira Rede Unida – Rede Unida

Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – Cebes

Conselho Nacional de Saúde – CNS

Federação Nacional dos Farmacêuticos – Fenafar

Instituto de Direito Sanitário Aplicado – Idisa

Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares – RNMP

Sociedade Brasileira de Bioética – SBB

Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade – SBMFC Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social – CNTSS

Associação Nacional de Pós-Graduandos – ANPG

União Brasileira de Mulheres – UBM

Associação Brasileira de Imprensa – ABI

Associação Brasileira de Economia da Saúde – ABrES

Associação Brasileira de Saúde Bucal Coletiva – ABRASBUCO Associação Brasileira Ensino em Fisioterapia – ABENFSIO

Conselho Federal de Serviço Social – CFESS

Associação Brasileira de Enfermagem – ABEn

Nacional Associação de Fisioterapeutas do Brasil – AFB

Federação Nacional dos Nutricionistas – FNN

Federação Interestadual dos Odontologistas – FIO

US Network for Democracy in Brazil

Coletivo Adelaides, feminismos e saúde Federação Nacional dos Enfermeiros – FNE

Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia – SBFa