Muito embora agrade às próprias bases com suas falas raivosas, o presidente Jair Bolsonaro é (ainda mais) rejeitado quando apela ao discurso de ódio. É o que aponta uma ferramenta de pesquisa desenvolvida pela consultoria Atlas. Os dados foram revelados nesta segunda-feira (23) pelo jornal Valor Econômico.

Quando parece mais suave no vídeo, não agride, não xinga e não ameaça, o discurso de Bolsonaro é mais bem recebido. Porém, quando ataca, acusa ou manifesta ódio – o que é cada vez mais comum –, o presidente colhe desaprovação.

A pesquisa foi feita frase por frase e recorreu a uma nova metodologia. Com uma espécie de controle de volume apresentado na tela do celular ou do computador, eleitores são estimulados a sinalizar valores positivos ou negativos conforme acompanham trechos selecionados de discursos do presidente.

No dia 2 de julho, Bolsonaro fez um pronunciamento em cadeia de rádio e TV para tratar da pandemia. Foi um discurso controlado, com falas majoritariamente contidas, vários tons abaixo do que ele costuma fazer quando está se dirigindo aos militantes que se concentram no Palácio do Alvorada ou nas “lives” de quinta-feira à noite.

Uma síntese desse vídeo foi apresentada a 2.559 eleitores, que, numa escala de 11 posições, do “terrível” ao “excelente”, foram avaliando, segundo a segundo, suas impressões pessoais ante o desenrolar do discurso. Durante o tempo em que Bolsonaro parecia moderado, os respondentes mantinham avaliação positiva do pronunciamento. Na média, os controles eram posicionados ligeiramente acima da posição “neutro”.

Foi assim até o instante em que, contrariando a moderação que vinha demonstrando, Bolsonaro deu um cavalo de pau e começou a pronunciar frases do arsenal negacionista. As avaliações desabam no exato momento em que o presidente diz “o nosso governo não obrigou ninguém a ficar em casa”.

Bolsonaro passa então a defender ações contrárias às recomendações científicas. Diz que seu governo “não fechou o comércio, não fechou igrejas ou escolas”. Ao abandonar o discurso contido do início do vídeo, ele não conseguiu mais se levantar do tombo nas avaliações. Ficou o restante do tempo em posições abaixo no ponto “neutro”.

É possível analisar os comportamentos de segmentos específicos do eleitorado, com recortes por sexo, renda, escolaridade e religião, entre outros. No pronunciamento da Covid-19, a maior queda de avaliação ocorreu entre os eleitores mais jovens, de 16 a 24 anos. No início, enxergavam a fala do presidente como “neutra positiva”. Quando Bolsonaro parte para o negacionismo, a avaliação feita pelos mais jovens desaba para uma faixa entre o “péssimo” e o “muito ruim”.

Uma análise feita com a mesma ferramenta sobre a “live” de 29 de junho, aquela em que Bolsonaro prometia apresentar provas de fraudes na urna eletrônica, produziu resultados semelhantes. As avaliações começam nas posições de neutralidade ou ligeiramente positivas, mas desmoronam já nos primeiros segundos quando o presidente, contrariando o que ele mesmo havia prometido, diz que “não tem como se comprovar que as eleições não foram ou foram fraudadas”.

O trecho testado tem quase seis minutos. A avaliação média da fala feita por 905 outros respondentes fica sempre abaixo da posição “neutro”. Quando Bolsonaro dispara ataques ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, só os segmentos de homens e evangélicos, tradicionais apoiadores do presidente, seguem avaliando as falas numa posição ligeiramente acima do “neutro”.

Há um esboço de melhoria quando Bolsonaro passa a palavra a um coronel da reserva que, segundo o presidente, iria explicar as evidências de fraudes. O militar começa a falar devagar, sugere que irá fazer uma relevante revelação. Mas nenhum indício consistente de fraude é apresentado. Quando o convidado devolve a palavra a Bolsonaro, a pequena melhoria nas avaliações desaparece.

“Pegou mal Bolsonaro dizer que tinha provas contra as urnas, mas não apresentar nada”, diz Andrei Roman, diretor do Atlas e responsável pelo desenvolvimento desse tipo de pesquisa. “Essa live não foi uma boa ideia para ele. Não contribuiu para aumentar sua popularidade nem para convencer qualquer segmento das denúncias que vinha fazendo.”

Com informações do Valor Econômico